A ‘Euro 2016 Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Chema R Bravo (Análise tática), Aitor Lagunas (Segredos dos jogadores) e Marcel Beltran (Perfil de Juanfran)

Parceiro oficial em Espanha: Panenka

Revisão: João Tiago Figueiredo

Nos últimos dois anos, Vicente del Bosque tem focado o seu discurso no conceito de «transição suave». Depois da fracassada tentativa de defender o título mundial no Brasil, entraram num período de incertezas e de introspeção que não foi ajudado por uma campanha de qualificação para o Euro 2016 em que o futebol foi previsível.

Estranhamente para uma equipa que chega a França à procura do terceiro título europeu consecutivo, estão cheios de dúvidas. Del Bosque fala de «transição», mas a mensagem parece incompleta: transição para onde? Há um ponto de partida inegável: Espanha tem de renovar-se ou morre, mas o treinador ainda não definiu quanto precisa de reinventar.

Durante os anos de ouro – Euro 2008, Mundial 2010 e Euro 2012 – Espanha evoluiu de um estilo de jogo de futebol direto para outro mais calculista e reservado. Ambos vêm da mesma ideia base que aposta na posse de bola, mas com uma abordagem diferente.

Ainda assim, eram uma máquina competitiva, segura e forte. Xavi Hernández e Xabi Alonso era os guardiões do estilo, mas agora Del Bosque já não tem estes dois generais. Será que a Espanha consegue jogar da mesma forma sem eles? Del Bosque acha que sim, mas a equipa parece que está a jogar como no passado e o treinador acaba por ficar a meio da ponte.

Mantém a fórmula que funcionou tão bem e descobre novos jogadores para preencher as falhas ou esquece o estilo de passe curto e movimentação, de manter a posse com passes calibrados que acaba por estar no sangue do futebol espanhol?

E não é só isso, a sua filosofia de jogo tornou-se numa parte importante da identidade nacional, também: técnica, precisão, criatividade, inteligência, jogadores talentosos… o estilo de jogo de posse tornou-se uma religião e os médios são os pregadores dessa fé. Mas em que médios pode confiar Del Bosque o jogo da equipa? Thiago e Cesc Fàbregas? Ou talvez a versátil dupla do Atlético Madrid Koke e Saúl [ndr. Não ficou nos 23]?

O efeito Atlético Madrid pode levar a um possível trajeto de reinvenção. Del Bosque nunca foi um mestre da tática, o seu sucesso foi construído na sua capacidade de liderar uma equipa cheia de estrelas e criar uma mentalidade forte nas competições entre os jogadores que agora sabem aquilo que são capazes. Esta forma de treinar, que resultou tão bem para ele nos anos de sucesso da equipa, está também em perigo de desabar. Precisa provar que o Brasil foi um percalço e não o início de uma tendência de descida.

Del Bosque vai ter de tomar decisões importantes

As dúvidas estão por todo o lado. Na baliza, David de Gea estabeleceu-se como um guarda-redes de topo na Premier League, mas não tem lugar garantido por causa da presença contínua de Iker Casillas. Por outro lado, jogadores chave como Sergio Ramos, Fabregas e Pedro estão muito em baixo de forma.

A somar a isto há o problema antigo: o sistema ofensivo. Del Bosque nunca criou, verdadeiramente, uma estrutura atacante fluente e coerente, foram jogando sempre sem ponta de lança (com Fabregas a jogar como falso 9) ou até sem extremos. Álvaro Morata emergiu como solução e bateu Aritz Aduriz ou Diego Costa, que nem sequer entraram nos pré-convocados.

Excetuando o inspirador Andrés Iniesta, parece que não há ninguém que possa definir um jogo por si próprio. Mas seria errado focar apenas as fraquezas de Espanha, porque eles têm forças consideráveis, também. É uma equipa experiente, altamente competitiva e com um objetivo comum. Espanha tem muito talento. Mesmo que ainda seja preciso perceber quem será o guarda-redes, a espinha dorsal da equipa está claramente definida: Juanfran, Ramos, Gerard Piqué e Jordi Alba na defesa. Sergio Busquets ao lado de Iniesta no meio campo. David Silva e Fàbregas serão figuras importantes também, joguem onde jogarem entre os seis da frente.

O resto do onze dependerá da tática que Del Bosque escolher. Pode ser um 4-2-3-1 ou um 4-3-3 (embora na realidade seja mais um 4-1-4-1), mas no recente particular com Inglaterra usou o 4-4-2 Thiago e Koke, por exemplo, vão esperar por essa decisão tática. Seja qual for, tenham a certeza que esta equipa não perderá o seu espírito – ou a sua filosofia. Se isso chega para ganhar o Europeu, será preciso esperar para ver.

Que jogador espanhol pode surpreender no Euro 2016?

Álvaro Morata. A posição de ponta de lança tem sido a mais complexa, mesmo durante os anos triunfantes da seleção espanhola. Desde a dupla David Villa-Fernando Torres, o esquema evolui para um avançado apenas e até para um falso 9.

Num plano de jogo em que os médios ditam leis, a escolha do ponta de lança tem ficado ainda mais difícil, mas não menos importante. Desde que deixou o Real Madrid, no verão de 2014, Morata cresceu em Itália como um avançado de apoio que até pode também jogar na esquerda numa equipa dominadora como a Juventus. É um jogador inteligente, hiperativo, com capacidade de drible interessante e fisicamente potente, para o desafio de segurar a bola sempre que for necessário. Este perfil parece encaixar no que Espanha precisa para aquela posição, mas o sentimento que fica é que Morata ainda não é um avançado que intimida como Raúl ou Diego Costa. Não marca tantos golos e esse é o seu ponto fraco. Por outro lado, parece ter desenvolvido uma boa mentalidade na Juventus e mostrou isso na caminhada até à final da Champions de 2015. Saiu do banco para ganhar a Taça de Itália no último jogo desta época, com um remate que lhe dá, agora, confiança suficiente para o verão que aí vem.

Que jogador pode desiludir?

Espanha sabe muito bem que os reis podem perder a sua coroa e pode ser que isso aconteça com Iker Casillas. Parece que o seu tempo como guarda-redes de elite chegou ao fim. É um cenário que faz lembrar aquele que Luís Aragonés enfrentou em 2008, quando decidiu que o tempo de Raúl tinha acabado, colocando o interesse da equipa acima da reputação individual. Del Bosque tem agora um dilema semelhante: promover De Gea, depois de mais uma época fascinante no Manchester United, ou continuar com Casillas?

Casillas ainda é o melhor guarda-redes espanhol?

A lenda do guarda-redes do FC Porto é inegável: 167 internacionalizações, dois Campeonatos da Europa e um Mundial ganhos. Contudo, Casillas perdeu a magia que fazia dele um dos melhores guarda-redes de sempre e o seu declínio parece ter continuado no FC Porto, depois de ter pedido para sair do Bernabéu. Muitos sentem que ele deveria ter abandonado a seleção, como outros, depois da vergonha do Brasil em 2014. Desta vez, pode ser que a escolha não seja dele…

Até onde pode chegar a Espanha no Euro 2016 e porquê?

Pergunta difícil. Pela primeira vez nos últimos seis anos, Espanha não é claramente favorita a ganhar o torneio. A forma como jogaram na qualificação, incluindo uma derrota com a Eslováquia, o baixo nível que apresentaram em alguns amigáveis com seleções mais fortes e a falta de golos tem deixado muita gente pessimista. Contudo, estas expectativas baixas até podem funcionar como uma vantagem. Vão ter rivais complicados na fase de grupos (Croácia, Turquia e República Checa), mas se passarem, é esperado que mostrem as suas garras. Ninguém os deve subestimar – aliás, serem os campeões em título já deveria ser suficiente para isso.

Os segredos dos jogadores

Thiago Alcântara

O futebol está no ADN de Thiago. O seu pai, Mazinho, fez parte da seleção brasileira que venceu o Mundial de 1994. Mas o maior legado de Mazinho, além de ter sido o terceiro membro da famosa celebração de Bebeto nesse Mundial, além de Romário, são mesmo os seus filhos Thiago e Rafinha, que jogam por Espanha e Brasil, respetivamente. «Não excluo a possibilidade de ter outro filho», brincpou Mazinho recentemente, numa entrevista à «Panenka». Os olheiros já estão à espera…

Gerard Piqué

Piqué tem estado no centro de muitas notícias por causa da forma ativa como gere as suas redes sociais e os adeptos espanhóis têm assobiado o defesa do Barcelona desde os tweets que publicou a favor da independência da Catalunha. Mas a disputa online mais controversa talvez tenha sido com o veterano do Real Madrid Álvaro Arbeloa a quem, memoravelmente, chamou «cone para treinar». Arbeloa, que deixou a seleção espanhola em 2013, não estará no estágio para colocar Piqué numa situação desconfortável.

Álvaro Morata

O avançado da Juventus tem uma estatística curiosa: jogou nas camadas jovens de três clubes de Madrid, Atlético, Gerafe e Real Madrid onde, finalmente, teve a estreia como sénior. O seu avô, um fanático do Atlético, certamente iria preferir outro cenário mas as coisas não aconteceram assim…do mal, o menos: o seu neto já não joga no Real Madrid hoje em dia.

Iker Casillas e Cesc Fàbregas

Se os genes pregam partidas, as cirurgias oferecem soluções. Muitos dizem que o mau ambiente entre Mourinho e Casillas começou depois de o guarda-redes ter realizado uma cirurgia de reposição capilar a meio da época. Talvez por causa disso, Fàbregas fez o mesmo pouco antes de assinar pelo Chelsea de Mourinho. Não parece ter havido qualquer problema com o antigo médio do Arsenal e do Barcelona, já que o Chelsea foi campeão logo nesse ano.

Lucas Vázquez

Tal como muitos outros jovens do Real Madrid, Lucas Vázquez, natural da Corunha, jogou o seu primeiro jogo na Liga espanhola com outra camisola que não a «merengue». Na última época esteve emprestado ao Espanhol, onde marcou três golos e fez seis assistências. Criou tal impacto que o Real Madrid decidiu recuperá-lo e, desde a saída de Benítez, tornou-se o 12º jogador de Zinédine Zidane. Durante o desempate por penáltis da final da Liga dos Campeões mostrou, novamente, a sua calma e auto-confiança, quando pediu para ser o primeiro a marcar. «Quero fazer algo grande», disse aos seus colegas, ainda surpreendidos, de acordo com o «El País». Marcou com um estilo bem tranquilo. A mesma serenidade que mostrou a Del Bosque que não hesitou em levá-lo ao Europeu…mesmo que Lucas nunca tinha sido internacional antes desta convocatória.

A figura: Juanfran

Juanfran com (ou sem) a camisola do Atlético

Entre os vários talentos de Diego Simeone como treinador, há um que brilha mais do que os outros: a sua capacidade para entrar na cabeça dos jogadores e fazê-los comprar o seu estilo. Ele tem uma forma de elevar os seus jogadores a um grande nível competitivo e, como consequência, lançou e melhorou as carreiras de Diego Godín, Gabi, Koke, Saúl Ñíguez e Antoine Griezmann, entre outros.

Mas o caso de Juanfran Torres será, talvez, o mais impressionante de todos. Pouco conhecido fora de Espanha, chegou ao Atlético em janeiro de 2011 como extremo. Cinco épocas mais tarde e principalmente por causa do técnico argentino, Juanfran tornou-se um dos melhores laterais direitos da Liga e presença regular na seleção.

A metamorfose do jogador de 31 anos que não é de grandes modas (usa um penteado banal, patilhas largas e braços sem tatuagens) está intensivamente ligada ao poder de persuasão de Simeone.

Juanfran cresceu numa família de adeptos do Real Madrid – o seu pai era sócio – e passou a maior parte do seu percurso de formação na academia do maior rival do Atlético. Ainda assim, depois de se tornar um jogador fundamental na era de maior sucesso dos colchoneros, nem hesita em dizer que sente que o Atlético faz parte dele desde a infância.

Vira-casacas? Oportunista? Mentiroso? Não é fácil saber. Dedicado como poucos, talvez a sua característica mais singular em campo seja a forma como nunca vira a cara à luta. Vai sempre colocar os interesses da equipa acima de tudo, até dos próprios.

É pouco provável que se encontre em Juanfran um grande manancial técnico ou muita força física. Mas ele joga quase com a ferocidade de um espartano – a qualidade que mais agrada a Simeone que, há alguns anos, impediu a sua venda ao Arsenal.

Juanfran é responsável, de confiança e um pupilo exemplar. Chega aos treinos sempre uma hora mais cedo para trabalhar mais um pouco. Porém a sua passagem para lateral não foi um processo fácil. O seu papel em campo mudava drasticamente: deixava de confrontar os rivais com a bola nos pés, para ser forçado a confrontá-los sem ela; deixava de tentar driblar e passava a tentar aguentar a posição. Os adjuntos de Simeone, Germán Burgos e Juan Vizcaíno, trabalharam com ele várias semanas, para que a adaptação fosse um sucesso. E acabou por funcionar, transformando-se num defesa de qualidade.

Ao jogar nesta posição ganhou a confiança do selecionador espanhol, Vicente del Bosque, e durante a qualificação para o Euro foi titular em sete jogos. Mesmo que Dani Carvajal, que tem vindo a jogar bem nas últimas duas épocas, não estivesse lesionado, Juanfran já partia à frente, por um motivo: com ele, a defesa espanhola é mais consistente.

É difícil dizer o que seria hoje Juanfran se não tivesse ido para o Vicente Calderón ou não trabalhasse com Simeone.

Ele deixou o Real Madrid aos 20 anos em busca de mais minutos. Esteve uma época emprestado ao Espanhol, tendo ganho a Taça do Rei de 2006, o primeiro título da carreira. Depois, arranjou o seu espaço no Osasuna e durante o tempo que passou em Navarra teve duas experiências que o viraram contra o seu clube de infância.

Quando o Osasuna jogou no Bernabéu para o campeonato, em janeiro de 2009, Juanfran foi expulso com duplo amarelo depois de duas supostas simulações na área do Real. Em ambos os lances, a repetição mostrou que houve mesmo falta. O Real ganhou o jogo 2-1.

A vingança chegaria cinco meses mais tarde, na segunda volta. O Osasuna precisava ganhar para ficar na Liga. Pela hora de jogo, com o resultado em 1-1, Juanfran surgiu do nada para marcar o golo que derrotou a sua antiga equipa e manteve a atual na Liga. E celebrou? Claro. «Foi o golo da minha vida», disse, no final do encontro.

Foi esse o ponto de viragem para Juanfran. Antes, ele queria ter sucesso no Real Madrid, mas agora sonha em batê-los em grandes finais Europeias. Com Simeone ao seu lado, claro.