Há uma história que resume na perfeição a prestação do País de Gales neste Europeu e tem como protagonista Dean Saunders, antigo jogador do Benfica e agora comentador da BBC. O galês viajou para França a partir de Birmingham para comentar a prestação do seu país na estreia do Euro, tendo a noção que só estaria em França enquanto Gales estivesse em competição.

Fez contas de cabeça e, além de ter levado apenas uma mala de mão, decidiu deixar o carro no parque de estacionamento de curta duração do aeroporto. Era suposto ser uma estadia curta, possivelmente para três jogos.

Mas a primeira aventura de Gales num campeonato da Europa está a revelar-se bem mais longa do que o previsto e, com isso, além de ter ficado sem roupa limpa, o ex-benfiquista terá agora de pagar uma multa de estacionamento que não para de crescer. Ao ritmo de 100 libras (120 euros) por dia. Já são mais de 1000 nesta altura.

«Isto mostra como eu estava confiante de ainda estar cá por esta altura... Mas estou feliz por cá estar. É inacreditável estar já a pensar num jogo dos quartos de final. Mais três vitórias e ganhamos o Euro», atirou, meio a sério, meio a brincar, em declarações reproduzidas na imprensa inglesa.

Dean Saunders nos tempos atuais

Ora, o tom bem disposto justifica-se porque a campanha galesa já superou as expetativas. Nesta altura, de resto, é justo que Gales seja encarado como o melhor estreante de sempre em fases finais do Europeu. Estatuto que pode ser consolidado se vencer a Bélgica na sexta-feira e atingir as meias-finais, embora, se falhar, possa ser ameaçado pela também debutante Islândia.

Há mais de 40 anos que um estreante não ganha o Europeu

Esclarecendo. Já quatro estreantes ganharam o Europeu. Facto. Mas fizeram-no numa altura em que o torneio tinha moldes bem diferentes do atual e nas quatro primeiras edições. Outro facto.

A URSS, atual Rússia, venceu a primeira edição, em 1960. Naturalmente, nesse ano, ganhasse quem ganhasse seria sempre um estreante. Mas a verdade é que a norma repetiu-se mais três vezes. Em 1964 foi Espanha a estrear-se e a vencer, algo que a Itália também conseguiu quatro anos depois e a Alemanha em 1972. A Checoslováquia, que participou logo no primeiro Europeu, foi o primeiro não estreante a chegar ao título, em 1976.

O penálti de Panenka decidiu o primeiro Europeu ganho por um não-estreante

Convém sublinhar que, até 1980, apenas quatro equipas disputavam a fase final de um Europeu, o que significa que duas vitórias eram suficientes para levantar a Taça. A partir de 1980, ano do primeiro alargamento, para oito países, a dificuldade aumentou. E nunca mais um estreante ergueu o troféu.

O melhor que se viu? Meias-finais. Sempre no período do «Euro dos oito». Quando, a partir de 1996, se passou a 16 e, agora a 24, acabaram os percursos longos dos debutantes. Desta feita, Gales e Islândia são os estreantes que restam e podem, ambos, chegar às meias-finais. A diferença é que os galeses têm feito um torneio mais impressionante. É o que dizem os números: três vitórias e uma derrota. Nunca antes uma equipa vencera três jogos na primeira participação de sempre num Europeu. A Islândia, para já, soma duas.

Portugal e Suécia foram os últimos a brilhar

Gales já é, então, a seleção que mais jogos venceu na sua primeira participação num Europeu. Mas não é a que foi mais longe desde que acabaram os campeões estreantes. Portugal, em 1984, e Suécia, em 1992, chegaram às meias-finais. Gales (e Islândia) poderá igualá-las.

A diferença está no trajeto claro. Para chegar às meias finais, tanto Portugal como Suécia «apenas» tiveram de passar a fase de grupos. Aliás, Portugal só venceu um jogo no Euro 84, precisamente o último do grupo, frente à Roménia, com golo solitário de Nené, depois de empates com Alemanha e Espanha e antes da derrota com França que enviou Portugal para casa.

Oito anos depois, a jogar em casa, os suecos fizeram ligeiramente melhor. Ganharam dois jogos e o seu grupo. Ao empate inaugural com França, responderam com vitória sobre a Dinamarca, futura campeã, e Inglaterra, antes de serem eliminados pela Alemanha na fase seguinte.

Gales e Islândia tornaram-se, assim, os primeiros estreantes desde 1972 a vencer um jogo a eliminar num Europeu.

E com isso, no caso dos galeses, ajudaram muito a piorar as finanças de Dean Saunders. Ou então pode ser que não. Já está a ser levada a cabo uma campanha de crowdfunding, iniciada pelo próprio cunhado do selecionador Chris Coleman, para ajudar a pagar a multa do antigo internacional galês. É que, a continuar assim, promete não ser nada simpática…