* Enviado-especial ao Euro 2016. Pode segui-lo no Twitter aqui.

A qualificação terá caído dos céus para a Hungria, terceira adversária de Portugal no Euro 2016, no dia 22, em Lyon. Apesar de a UEFA ter alargado o lote de finalistas para 24 equipas, já poucos esperariam a festa no play-off depois de ter passado ao lado da qualificação direta, ficando atrás de Irlanda do Norte e Roménia. No entanto, quarenta e quatro anos depois do Campeonato da Europa de 1972, o alemão Bernd Storck, terceiro selecionador durante a fase de qualificação, levou mesmo a equipa magiar a nova fase final.

Não terá sido obviamente tudo sorte, mas foi necessário somar várias e estranhas parcelas para o sucesso húngaro. Depois de Kleinsheisler, um jogador sem futebol competitivo e lançado às feras no 11 de forma surpreendente no jogo mais importante da história recente do país, ter inaugurado o marcador em Oslo, os noruegueses Stefan Johansen e Pal Andre Helland acertaram na barra na mesma jogada, a três minutos do fim. Nesse mesmo dia tinha morrido, com 32 anos, Marton Fulop, que passou por Tottenham, Sunderland, Leicester e Manchester City, e não houve quem não pensasse em ajuda divina, encomendada pelo antigo guarda-redes internacional. A primeira mão, em Oslo, acabaria pouco depois, com um triunfo dos visitantes por 1-0, mas as curiosidades iriam prosseguir no segundo embate. Priskin, titular apenas uma vez nos encontros anteriores, entrou de início para inaugurar o marcador em grande momento individual. E houve ainda um autogolo, de Henriksen, no topo do bolo. Todos os santinhos, influenciados ou não por Fulop, parecem mesmo ter decidido ajudar a Hungria.

Início mais que tremido

O futebol do país não teve grande evolução nos últimos anos, embora a competitividade tenha aumentado um pouco com a redução do número de equipas.

O apuramento para o Mundial de 2014 tinha terminado com uma humilhante derrota frente à Holanda por 8-1 e com a demissão do selecionador Sandor Egervari. Pouco popular entre os adeptos e os jogadores, Attila Pinter foi o seu substituto e apenas durou uma partida competitiva: a derrota caseira com a Irlanda do Norte por 2-1. Num grupo que até parecia acessível, o início da fase de apuramento tinha sido péssimo. Sem saber muito bem o que fazer, a federação virou-se para Pál Dárdai, um antigo médio internacional que se reformara em 2011 e treinava os jovens do Hertha, emblema que representou durante 14 anos.

Os sete pontos conquistados em três jogos fizeram com que o acordo com Dárdai se prolongasse para lá do fim de 2014, a data prevista para abandonar o cargo. Só que em fevereiro o clube alemão nomeou-o treinador interino depois da saída de Jos Luhukay. Com a permanência alcançada, ganhou um contrato de longa duração e foi obrigado a deixar a equipa nacional. O alemão Bernd Storck, até aí diretor desportivo, foi escolhido então também como interino até ao fim da qualificação.

Curiosamente, Storck foi adjunto de Jurgen Rober que tinha levado o Hertha de novo à Bundesliga em 1997, e tornou-se responsável pela contratação de Pál Dárdai para o clube de Berlim. Dárdai retribuiu aconselhando a federação húngara a assinar com Storck para diretor desportivo. O mundo, mesmo o do futebol, parece às vezes surpreendentemente pequeno.

As «fezadas» no «play-off»

A Hungria teve oportunidade de terminar na segunda posição, mas não conseguiu bater a Roménia, historicamente o seu maior rival, em Budapeste (0-0), naquele que poderia ter sido o encontro decisivo.

Com uma equipa organizada atrás, mas com fraca explosão na frente, Bernd Storck tentou mudar alguma coisa no play-off. A mudança com maior impacto foi a aposta em Laszlo Kleinheisler, que tinha estado parado parte da época depois de se ter recusado a renovar com o Videoton. O Scholes húngaro – sim, ruivo, baixo e dinâmico! – jogou o último jogo oficial pela equipa B do clube, a Puskas Akademia, que está autorizada a participar na primeira divisão, a 23 de maio de 2015, participando apenas em mais três encontros até ao embate de Oslo, todos pela seleção sub-21: Liechtenstein (vitória por 6-0), Portugal (derrota por 2-0 em Penafiel, com golos de Bruno Fernandes e Gonçalo Paciência) e Albânia (2-2).

A aposta valeu a pena. Kleinheisler aproveitou a oportunidade, marcou o golo que valeu o triunfo e foi o melhor em campo.

Finalmente, acreditar!

A Hungria colocou um pouco de lado o pessimismo, e começou a acreditar. Depois de ter falhado todos os grandes torneios desde o Mundial de 1986 – e inclusive ter sido humilhada pela Jugoslávia no play-off para 1998 com um 12-1 agregado –, havia uma oportunidade a agarrar a todo o custo.

Os jogadores lutaram até à exaustão, seguraram os nórdicos como puderam e voltaram a vencer. Király defendeu praticamente todas as bolas, Guzmics e Lang formaram uma dupla coesa no eixo defensivo, Dzsudzsák correu quilómetros. E conseguiram.

Com um campeão da Europa no banco – Andreas Moller, vencedor em 1996, é adjunto de Storck desde que a antiga equipa técnica de Dárdai recebeu guia de marcha – dificilmente a Hungria poderá aspirar mais do que o terceiro lugar no grupo de Portugal. Por outro lado, nada tem a perder. Estar lá já é uma vitória.

Resultados da fase de qualificação:

07-09-2014, Budapeste, Hungria-Irlanda do Norte, 1-2
11-10-2014, Bucareste, Roménia-Hungria, 1-1
14-10-2014, Törsvollur, Ilhas Feroé-Hungria, 0-1
14-11-2014, Budapeste, Hungria-Finlândia, 1-0
29-03-2015, Budapeste, Hungria-Grécia, 0-0
13-06-2015, Helsínquia, Finlândia-Hungria, 0-1
04-09-2015, Budapeste, Hungria-Roménia, 0-0
07-09-2015, Belfast, Irlanda do Norte-Hungria, 1-1
08-10-2015, Budapeste, Hungria-Ilhas Feroé, 2-1
11-10-2015, Atenas, Grécia-Hungria, 4-3
12-11-2015, Oslo, Noruega-Hungria, 0-1
15-11-2015, Budapeste, Hungria-Noruega, 2-1

Confrontos com Portugal (e os outros):

Portugal nunca perdeu com a Hungria, que continuará a ter como adversário depois de julho na fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2018. Venceu sete dos dez jogos, e todos os que foram competitivos (5). Registaram-se ainda três empates.

Apenas por uma vez as duas seleções estiveram frente a frente numa fase final, no Campeonato do Mundo de 1966, em Inglaterra. Os portugueses venceram por 3-1 em Old Trafford, e ambas as equipas seguiram em frente, deixando pelo caminho Brasil e Bulgária. Portugal e Hungria voltaram a encontrar-se na qualificação para o Euro-2000 com dois triunfos (1-3 fora, e 3-0 por cá) e, depois, para o Mundial-2010. Na corrida para o torneio da África do Sul, um golo de Pepe valeu os três pontos em Budapeste (0-1), com Simão Sabrosa a bisar em Lisboa (3-0).

Os vizinhos Áustria e Hungria, que foram um país único entre 1867 e 1918, vão para o 138º embate da sua história desde 1902 (5-0 para a primeira seleção). O saldo é favorável aos magiares, com 66 triunfos, 31 empates e 40 derrotas.

O primeiro embate competitivo registou-se no Campeonato do Mundo de 1934, com a Áustria a bater a Hungria por 2-1 para chegar às meias-finais. Foi o único embate em fases finais. O apuramento para o Mundial de 1986 teve dois confrontos, com os húngaros a vencerem por 3-1 em Budapeste e 3-0 em Viena, os mais recentes em jogos a doer. O jogo mais próximo, há dez anos, em Graz, teve também a Hungria como vencedor (1-2).

Frente à Islândia verifica-se um empate técnico em jogos a valer apuramento. Os nórdicos venceram os três primeiros embates e os húngaros os últimos três. Os seis jogos dividem-se pela qualificação para o Europeu (1 triunfo para cada lado, 2-2 em golos) e para o Mundial (2 vitórias para ambos, 8-7 favorável aos islandeses). Curiosamente, os quatro amigáveis, o último em 2011, foram todos ganhos pela Hungria (0-12). Nunca empataram, e os magiares venceram os últimos cinco confrontos sucessivamente.