*Enviado-especial ao Euro 2016

Há muito tempo que a imagem da Seleção Nacional é esta. Aliás, este é o perfil desta Seleção desde que chegou Fernando Santos: uma equipa de controlo, paciente, que raramente é apanhada em contra-pé e é até, por vezes, algo cínica na forma como concretiza.

O selecionador terá maturado esta ideia de jogo como treinador da Grécia pós-Rehhagel, uma seleção como se sabe com poucos recursos individuais e que ganhara com o seu catenaccio muito próprio o Euro 2004 em Portugal. Ter bola, gerir o jogo, tentando desmontar aos poucos, apoiando-se também em soluções diferentes acrescentadas a partir do banco – é a filosofia portuguesa há dois anos.

Essa filosofia estendeu-se ao Campeonato da Europa. Com a Islândia, a Seleção sentiu muitas dificuldades perante os blocos mais baixos e, sobretudo, o futebol mais direto dos nórdicos, mas construiu o suficiente para ganhar – talvez o golo de Bjarnason tenha atrasado a consolidação dessa ideia de jogo na zona-Euro. Dominou praticamente durante todo o encontro com uma Áustria que também se colocou num patamar de subserviência perante a equipa das quinas, apesar do talento que conseguiu acumular nos últimos anos. E, por fim, entrou na vertigem com a Hungria, após um primeiro tempo estéril para lá da assistência de Ronaldo e do golo de Nani. Foi esse jogo com os húngaros aquele que mais fugiu ao tom dado por Portugal na competição.

É verdade que não cumpriu o seu maior objetivo, que era terminar em primeiro lugar, esteve em segundo e do lado do quadro que tinha os tubarões até aos descontos do outro jogo do grupo e só caiu para terceiro e para uma lista de adversários teoricamente mais acessíveis porque a Islândia quis vencer o primeiro encontro da sua história numa fase final ao cair do pano. Tudo isto é indesmentível. Cumpriu então o seu objetivo menor: qualificar-se.

O controlo perdido frente à Hungria

Também não se pode negar que os sinais de falta de eficácia nos dois primeiros encontros pareciam colocar a estratégia em causa. Nani e também Ronaldo tinham falhado muito. Só que os dois reapareceram frente à Hungria, com o capitão a assistir e a bisar, acentuando um pouco a ideia natural (e normal) de alguma dependência de um jogador de topo como o é. Lá atrás, ao contrário dos embates anteriores, a defesa falhava de mais. A um jogador que deveria estar bem estudado, como seria o caso de Dzsudszák, permitiu o que este sabe fazer melhor: cruzar, rematar à baliza em terrenos frontais e conduzir a bola vários metros. Ainda lhe fizeram o favor de fazer uma falta à entrada da área mesmo à sua medida. O resultado: três golos sofridos, que poderiam ter sido quatro não fosse a finalização de Elek ao ferro quando estava 3-3.

Portugal tinha passado ao lado do controlo e conseguido um resultado satisfatório porque Ronaldo apareceu, tal como o cruzamento de Quaresma e a eficácia anterior de Nani. Tinham aparecido as individualidades, num jogo completamente partido, de parada e resposta. Até mesmo João Mário tinha surgido mais solto.

Adrien foi uma das novidades no onze, e dos que mais trabalhou, sobretudo no aspeto defensivo.

Saber com quem ir para a guerra

Havia, no entanto, que reequilibrar a equipa. Fernando Santos terá preparado o confronto com a Croácia a pensar num prolongamento, ou pelo menos nas fortes hipóteses que havia em lá chegar. Portugal ia baixar, sofrer e esperar a sua oportunidade. E, com isso, tinha de ter condição física na maior parte dos jogadores para 120 minutos. Foi a pensar nisso que escolheu Fonte, Adrien e também um pouco Cédric – mas neste caso com um pouco mais de estratégia, uma vez que era o endiabrado Perisic quem iria cair sobre o lado direito da defesa portuguesa e o lateral do Southampton oferece mais valências defensivas. Já Raphäel Guerreiro, uma das confirmações deste Euro, recuperaria o lugar com normalidade. Portugal ganhou sangue novo para manter o foco, e maior competência para os duelos e garantir que continuava vivo até ao último momento da partida. Foi o que aconteceu.

Montou o seu plano A, o de obsessão pelo equilíbrio e pelo controlo outra vez, e desta conseguiu aguentar a Croácia vencedora do Grupo da Espanha (e República Checa e Turquia), anulando a inteligência de Modric, os passes de rotura de Rakitic, o já falado Perisic e ainda a força de Mandzukic. O plano B foi lançado talvez mais cedo do que o previsto quando André Gomes – no onze mais uma vez em nome desse ponto de partida mais paciente, apesar das limitações físicas – esgotou as últimas reservas de energia, aos 50 minutos. E foi, mais uma vez, montado à volta da verticalidade de Renato Sanches e do talento de Quaresma – atravessa o melhor momento de sempre na Seleção, precisamente com Fernando Santos –, que seriam fundamentais no golo do triunfo.

Houve momentos felizes, claro – os três desperdícios de Vida e a bola ao ferro de Perisic, sobretudo –, algo que foi reconhecido pelo selecionador e pelos jogadores após o final da partida. Num desses momentos, foi duplamente feliz porque foi quando a Croácia esteve perto de ganhar que Portugal a feriu de morte.

As pequenas vitórias de Fernando Santos

Agora, segue-se a Polónia, que se apurou entregando a bola à Suíça depois de marcar primeiro e sobrevivendo nos penáltis. O selecionador vai ter pela frente de novo uma equipa muito física, que gosta de transições rápidas, construída à volta da sua maior referência, um jogador de classe mundial como Lewandowski.

A final parece à vista, deste lado do quadro, e a equipa é experiente o suficiente para não querer chegar lá antes de tempo. Fernando Santos voltou a ter resposta dos jogadores que se estrearam – Cédric foi dos que mais se destacou, fez uma exibição soberba no plano defensivo –, dos que não são titulares, mas entram muitas vezes e dos que jogam quase sempre. Ganhou vários dias para descansar, unidades importantes que descansaram e vê crescer o barómetro do moral. Sentiu também nas bancadas do Stade Bollaert-Delelis a primeira ideia de uma claque de apoio à seleção, precisamente por detrás da baliza em que marcou, em vez de uma massa heterogénea e desgarrada, importante mas desorganizada e, muitas vezes, incapaz de empurrar a equipa para a frente. Pequenas vitórias, que se podem revelar fundamentais daqui para a frente.

Não se iludam, a obsessão pelo controlo vai continuar. Não esperem vitórias folgadas, mas sim foco, capacidade de sofrimento e o assumir de algum risco com o plano B, quando o A estiver aquém do esperado. Esta é a estratégia de Fernando Santos, e tem três jogos para provar que chega para ganhar este Europeu, ou pelo menos para poder discuti-lo.