Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

A malta quer é golos (Bélgica-Holanda 2000)

A presença da Jugoslávia no euro 2000 era garanta de golos. Em quatro jogos viram-se 21, mas apenas oito na baliza certa. As soluções ofensivas eram boas, quase tão boas como as defensivas eram más. Dos dois lados da equação havia jogadores bem conhecidos dos portugueses.

Na baliza morava um ex-portista propenso a tremideiras: Ivica Kralj, o preferido do veterano selecionador Vujadin Boskov, nunca se percebeu bem porquê. Havia também Ivan Dudic, um lateral direito que nunca convenceu no Benfica, nem em qualquer outro clube. Do meio campo para a frente a coisa mudava de figura: o talento goleador de Milosevic disfarçava a má forma da estrela Mijatovic e ambos eram alimentados pelos cruzamentos milimétricos do extremos Drulovic, então ainda no FC Porto.

A entrada em cena foi memorável. No reencontro com a Eslovénia, que pela primeira vez se apresentava num grande palco como estado independente, os jugoslavos deram três golos de avanço em 57 minutos. Depois, Drulovic e Milosevic conjugaram esforços para uma fantástica recuperação ao sprint: de 0-3 para 3-3 em seis minutos num empate empolgante, com honra para as duas partes.

Mas algo de mais incrível estava para acontecer. Depois de uma vitória discreta sobre a Noruega (1-0), o jogo com a Espanha foi ainda mais inesquecível. Desta vez, o ataque da Jugoslávia brilhou primeiro.

O ritmo foi constante: 1-0, erro defensivo, empate. 2-1, erro defensivo, empate. A ganhar por 3-2 no minuto 90, a Jugoslávia ganhava o grupo e Espanha estava eliminada. Mas com Kralj, Dudic e companhia, nenhuma vitória era certa. Já nos descontos, Mendieta fixou nova igualdade, de penálti, e no último lance do jogo, Alfonso, à meia volta, deu a vitória e o apuramento aos espanhóis.

O diário espanhol «Marca» faria então uma das manchetes mais eufóricas da história do jornalismo, homenageando a sua seleção com um enérgico «Viva la madre que los parió!» A Jugoslávia, ainda assim, seguia para os quartos de final, apenas para ser humilhada por uma Holanda insaciável, em Roterdão (6-1), com a maior goleada na história dos Europeus.

Nos 31 jogos desse fantástico Euro 2000 marcaram-se 85 golos. Neste Euro 2016 já houve 102. O número de jogos do mais alargado Campeonato da Europa de sempre, envolvendo 24 seleções na fase final, já foi, porém, de 48.

Com 16 países na fase final do Euro 2000, a média de golos por jogo foi de 2,74. No presente Europeu, os 102 golos conseguidos em 48 jogos que incluíram pela primeira vez oitavos de final dão uma média de 2,12 golos por partida.

Os números continuam a ser bons, mas ainda longe da fantástica marca do Europeu da Bélgica e da Holanda. Agora, em França, vamos ver o que nos reservam as meias-finais, que começam nesta quarta-feira.

E ver quem vai festejar. É uma boa oportunidade para recordar como os holandeses assinalaram a passagem à final o Euro 1988, na próxima história do «Doze Euros no Bolso».

Os holandeses divertem-se (Alemanha 1988)

A noite da vitória da meia-final de 1988 durou até à manhã seguinte. Milhões de holandeses celebraram como nunca um triunfo com bónus, por ser sobre a Alemanha, com sabor a acerto de contas antigas, futebolísticas e históricas. Mas também para a própria equipa, que festejou até de madrugada, numa discoteca de Hamburgo, que o capitão Ruud Gullit fechou para a ocasião.

«Conseguem imaginar? Estarmos em pleno torneio e fazermos uma festa noite dentro, com toda a gente?», ri-se ainda hoje Gullit. O impulso de comemorar como qualquer adepto, conta o número 10 da Holanda, surgiu quando os jogadores assistiram pela televisão às imagens dos seus compatriotas.

A onda laranja entusiasmou e conquistou fãs um pouco por todo o lado. Do futebol sedutor em campo à alegria descontraída nas bancadas, do humor dos adeptos com dreadlocks a imitar Gullit que invadiram os estádios alemães ao estilo cool dos jogadores, a começar pelo próprio capitão.

Gullit, futebolista com pinta de estrela pop, até tocou numa banda e, durante o estágio para o Europeu, gravou um tema reggae com um grupo holandês. Chamava-se «South Africa» e falava do apartheid, um tema caro a Gullit.

Quando ganhou a Bola de Ouro, em 1987, o jogador que foi o primeiro capitão negro da Holanda dedicou o troféu a Nelson Mandela, ainda preso na altura.

Assumir que há vida para além do futebol é outro dos legados da Holanda e de Rinus Michels, o treinador que deu luz verde à tal festa na discoteca em Hamburgo e também permitiu que os jogadores assistissem em Munique a um concerto de Whitney Houston, na véspera da final do Europeu.

Outra vez Gullit: «Ele percebeu como pode tornar-se desconfortável, mesmo num hotel, quando os jogadores vivem e treinam juntos. É muito importante que tenhamos outras coisas em que pensar e de que falar além do futebol.»