Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Foi há doze anos, no estádio de Alvalade, que Portugal superou a primeira meia-final da sua história. Diante da Holanda, um protagonista em comum com a vitória desta quarta-feira, em Lyon: Cristiano Ronaldo, pois claro. Aos 26 minutos, tinha sido ele, também após um canto (de Deco), a saltar mais alto do que toda a gente e a marcar o primeiro golo da tarde.

Depois, veio o momento alto do jogo – e do próprio Europeu. Mas poucos o viram em direto; apenas quarenta e seis mil privilegiados. O resto do planeta sabia apenas pelo ruído que algo de fantástico tinha acontecido. Alvalade vibrava, o resultado tinha mudado e o narrador gritava «golo», arrastando a voz num único fôlego, dando ainda mais intensidade a um momento único.

Um momento que mais ninguém vira, para lá do relvado e das bancadas: os espectadores de todo o mundo assistiam ainda, em imagem lenta, ao esforço de Stam para evitar um cruzamento de Cristiano Ronaldo e ceder canto. Enquanto durava a repetição, o mesmo Ronaldo tocou curto para Maniche, que deu três passos, rematou em arco e desatou a correr em festa. O futebol de multicâmaras perdera o grande golo do Europeu e a inexistência de imagens em tempo real aumentara a distância entre os mortais e os outros, aqueles que no relvado tinham conseguido algo eterno. No dia seguinte, o realizador da transmissão envergaria uma t-shirt bem-humorada, em jeito de mea culpa: «Fui eu que perdi o golo de Maniche».

Cinco minutos depois do momento em que o mundo estava a olhar para o outro lado, autogolo de Jorge Andrade. Provava-se que, às vezes, um encontr tem tempo a mais. Tudo devia ter acabado no voo impotente de Van der Sar, com Dick Advocaat, no banco, em fase de negação.

Ainda antes do intervalo, Figo tivera um momento de génio que esbarrou no poste. Com a braçadeira de capitão, o astro do Real Madrid assinava uma das grandes exibições da carreira, sentindo atrás dele, provavelmente, a força da população que saíra à rua para fazer a guarda de honra da Seleção. Mas, em Alvalade, Maniche tornava-se o justo herói dos portugueses, graças àquele míssil de trajetória impossível, na quina esquerda da área.

Portugal, que quatro anos antes se ficara pelas meias finais no Europeu dos Países Baixos, estava na primeira final da sua História. A Holanda cairia novamente diante dos portugueses, dois anos mais tarde, no Mundial da Alemanha. Nessa outra noite, no Frankenstadion, Maniche voltaria a ser pouco misericordioso com a «laranja».

Scolari abre as janelas

Quando cá chegou, no início de 2003, Luiz Felipe Scolari trazia na bagagem a fama de «Sargentão», um bigode de coronel e o título de campeão mundial pelo Brasil, por esta ordem de importância.

Depois do fiasco em 2002, os riscos de um mau desempenho no Europeu faziam dirigentes e adeptos tremer por antecipação. Para o sucesso da maior prova alguma vez organizada em Portugal era indispensável que a Seleção tivesse um desempenho digno, dentro e fora do campo. Não mais desacatos, como os sucedidos depois da mão de Abel Xavier, em 2000, ou da expulsão de João Pinto, dois anos mais tarde. E não mais derrotas humilhantes, como as de Suwon ou Incheon.

O primeiro ano não sossegou os espíritos. Definindo rapidamente um grupo de confiança, a aura de Scolari esbarrava nos maus resultados dos jogos de preparação. Havia mais dois obstáculos de peso: as relações tensas com o FC Porto, que dominava o futebol português e, nesses dois anos, também o europeu; e as dificuldades de comunicação com um público que tardava em acreditar no seu discurso simples e direto ao osso.

Tudo começou a mudar no último dia do estágio de preparação, em Óbidos, a uma semana do início oficial. A febre do Euro contagiou os portugueses, que não pouparam mimos e homenagens antecipadas à Seleção. Impressionado com a dimensão do apoio, Scolari pediu, na despedida, que a onda de bandeiras se estendesse às janelas de todo o país, em sinal de união. Cumpriu-se a sua vontade e, de um dia para o outro, Portugal amanheceu vermelho e verde. Nem a derrota na abertura, com a Grécia, fez baixar a temperatura: nas semanas que se seguiram, a «revolução das bandeiras» ganhou terreno, acompanhando uma equipa renovada que, passo a passo, começou a superar adversários e medos.

A derrota com a Grécia, no último jogo, foi o fim abrupto e doloroso de um mês irreal. Mas o país tinha ganho uma equipa, que voltaria a fazê-lo sonhar no Mundial da Alemanha, dois anos mais tarde. E Scolari, com todos os seus defeitos, estava definitivamente adotado pelos adeptos portugueses: em sentido literal e figurado, o «Sargentão» tinha aberto as janelas, demonstrando pela primeira vez que a seleção podia discutir títulos até ao último dia. Doze anos depois, a confirmação veio de França.