Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

De costas para Cruijff (Jugoslávia 1976)

A relação entre o melhor jogador europeu de sempre e as fases finais do Campeonato da Europa é um anticlímax perfeito: um jogo, uma derrota, zero golos marcados. Um buraco negro na fantástica carreira de Johann Cruijff, o homem que elevou à condição de mito o anónimo número 14.

Em 1976, Cruijff era rei de Barcelona e patrão incontestado da seleção holandesa, sedenta de desforra pelo Mundial perdido dois anos antes, na Alemanha. Tinha sido fundamental na qualificação da Holanda perante rivais de respeito como Polónia e Itália.

A «laranja» só superara os polacos na diferença de golos e Cruijff contribuíra com quatro. Nos quartos de final, a duas mãos, a Bélgica tinha sido despachada com 5-0 em Roterdão e 2-1 no Heysel. Neste jogo, Cruijff marcara um dos seus golos mais que perfeitos, com um chapéu a Pfaff quase da linha de fundo.

Mas a seleção holandesa que entrou no estádio Maksimir a 16 de junho, para defrontar a Checoslováquia, já não era a máquina trituradora e implacável de 1974. O início do jogo, duríssimo, baralhou os holandeses. Aos 20 minutos Panenka cobrou um livre na esquerda e o gigante capitão Ondrus bateu Schrijvers com uma cabeçada perfeita.

Já com as equipas reduzidas a dez, a Holanda salvou o primeiro match point a doze minutos do fim: na ânsia de evitar o remate de Cruijff, Ondrus desviou para a própria baliza um cruzamento da direita e fixou o empate.

Para Cruijff e companhia o pesadelo ainda não tinha acabado. Neeskens tinha sido expulso aos 76 minutos, Van Hanegem seguiu-lhe o exemplo na segunda parte do prolongamento. Cruijff era um general sem tropas, num exército desbaratado pelo rigor dos contra-ataques da Checoslováquia.

Nehoda e vesely, ao cair do pano, fixaram o marcador em 3-1 e evitaram o suplício dos penáltis. Cruijff despedia-se do seu único Europeu sem glória nem proveito. Irritado, nem alinhou na vitória da Holanda sobre a Jugoslávia, na final de consolação.

No ano seguinte, recusando-se a participar no Mundial da Argentina, fechava definitivamente a porta das grandes provas de seleções.

Onde é que já vimos isto? Precisamente na madrugada desta segunda-feira, quando Lionel Messi anunciou a despedida da seleção da Argentina.«Para mim, a seleção nacional acabou. Chega!»

Messi foi a maior estrela da seleção argentina desde Maradona. Mas desde o reinado de El Pibe de Oro que a albiceleste nunca mais ganhou uma Copa América ou um Mundial.

Messi, adeus ou até já? A história de uma relação atribulada

Agora, a Argentina ficou órfã do seu melhor jogador deste século. Como a vice-campeã do mundo Holanda ficou órfã de Cruijff para o Mundial 1978.

Ver seleções como aquelas sem jogadores como aqueles é como ter um Europeu sem adeptos.

O campeão sem público (França 1960)

Foi num cenário de pedra que a União Soviética ergueu a primeira Taça da Europa das Nações. Estavam 17.966 espectadores no Parque dos Príncipes, pouco mais de um terço da lotação. Do ponto de vista da adesão popular, a primeira final resultou num fiasco.

A eliminação da França na meia-final, frente à Jugoslávia, foi o último golpe nas ilusões de um arranque de sucesso para a competição idealizada por Henry Delaunay. Em conjunto, os quatro encontros da fase final tiveram 79 mil espectadores, menos de 20 mil por jogo.

A anos luz das 60 mil pessoas que encheram cada estádio alemão em 1988, no Europeu com melhor assistência de sempre. Ou do Euro 96, quando o primeiro Campeonato com 16 seleções levou, 1,2 milhões de adeptos aos palcos ingleses.

As coisas já tinham começado mal. Só houve 17 países a jogar a qualificação, oito dos quais representantes do bloco de Leste. Portugal disse presente e passou a primeira ronda, à custa da RDA. Matateu marcou o primeiro golo português para um Europeu. Aos 12 minutos de jogo, num encontro em Berlim.

A seleção nacional venceu essa partida por 2-0 e ganhou nas Antas por 3-2, tendo sido eliminada na ronda seguinte, a última de acesso á fase final, pela Jugoslávia.

Em termos desportivos, acabou por ser a adesão maciça do bloco de Leste, com algumas das seleções mais fortes e coesas do continente, a salvar a face do primeiro Europeu. A Jugoslávia deixou a anfitriã França pelo caminho, na outra meia-final a URSS venceu a Checoslováquia de Masopust, que havia de ser vice-campeã do mundo dois anos mais tarde.

A 10 de junho de 1960, Paris foi o palco da consagração de Iachine e companhia. Ainda que poucos franceses tenham dado por isso.