Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Há jogadores que deixam nas memórias uma imagem de marca, gestos com assinatura que se repetem pelo tempo. Mas poucos ganharam um lugar na história graças a um só momento de magia. E nenhum, além de Antonín Panenka, legou para a posteridade um lance com o seu nome.

A 20 de junho de 1976, em Belgrado, o médio ofensivo do Bohemians de Praga e da Checoslováquia tornou-se a maior estrela de um Europeu em que todos os prognósticos foram fintados. Na inesperada final, frente a Beckenbauer e companhia, os checoslovacos pareciam imparáveis: dois golos em 25 minutos puseram a Alemanha a correr contra o tempo para, como de costume, empatar o jogo em cima dos 90 minutos.

No desempate por penáltis, Hoeness, o quarto alemão, foi o primeiro a falhar, enviando um míssil para as bancadas. O quinto checo era Panenka, com o seu respeitável bigode de talhante que escondia um tecnicista refinado. Pela frente tinha Sepp Maier, talvez o melhor guarda-redes mundial da época. Jamais, até então, um simples pontapé valera tanto.

Com um descaramento nunca visto, Panenka correu em direção à bola e, no último segundo, atrasou o passo, arrastando pé direito como quem coxeia. Maier lançou-se para a esquerda e Panenka, que não esperava outra coisa, tocou a bola suavemente por baixo, em chapéu, fazendo-a entrar em câmara lenta, a meio da baliza.

O médio checo prosseguiu uma carreira respeitável: ajudou a Checoslováquia a chegar ao bronze no Europeu seguinte, em 1980, e ainda marcou dois golos no Mundial de 1982, quando já representava os austríacos do Rapid Viena. Até pendurar as botas foi sempre um temível especialista de grandes penalidades, embora só raramente usasse o truque que, por essa altura, já todos os guarda-redes conheciam.

O penálti à Panenka, que mistura arrogância e eficácia, já foi clonado por outros craques como Pirlo, Zidane (na final do Mundial de 2006), Djalminha, Totti ou Hélder Postiga (os dois últimos nos Europeus de 2000 e 2004). Do bigode à Panenka é que não voltou a haver vestígios em Campeonatos da Europa desde os finais da década de oitenta. Infelizmente.

É verdade, como se ouviu atrás: Antonín Panenka foi mais do que apenas o homem do penálti mais famoso de sempre. Mas nem ele nem o futebol seriam os mesmos sem aquele penálti à Panenka.

«Nem o Maier me assustou. O Hoeness tinha falhado e eu sabia que se marcasse éramos campeões. Decidi fazê-lo no mais belo dos estilos para que não me esquecessem.» E ninguém se esqueceu, como Panenka recordou há quatro anos numa entrevista ao Maisfutebol. Pelo contrário, tanto ninguém se esqueceu como se assinalam nesta segunda-feira 40 anos sobre esta lenda viva.

«As pessoas pensam que era doido, mas eu fazia aquilo muitas vezes. Fazia e voltei a fazer depois», explicou então o checo ao nosso jornal: «Treinava diariamente desde adolescente os penáltis, livres e cantos diretos. Nem sempre a bola saía bem, mas quase sempre.»

Ao site da UEFA, Panenka recordou «a ideia de que se atrasasse o pontapé e em vez disso picasse a bola por cima, devagar, um guarda-redes que se atirasse para um dos lados não tinha tempo de voltar atrás». «E essa tornou-se a base da minha filosofia. Comecei a testar lentamente e a colocar em prática nos treinos. (...) Comecei a usá-lo em amigáveis, em jogos de menor importância, e acabei por aperfeiçoar o remate e usei-o igualmente na primeira divisão. O ponto alto foi quando o utilizei no Europeu», sentenciou.

Se fosse nos dias de hoje, em que os inúmeros lances dos imensos jogos de futebol que são transmitidos são escrutinados ao milímetro, provavelmente Sepp Maier já poderia estar a par do penálti à Panenka. O guarda-alemão ficou a conhecê-lo da pior forma.

«Acho que o Sepp Maier não encarou muito bem. Talvez ainda esteja um pouco sentido e talvez ainda não goste sequer de ouvir o meu nome», afirmou o checo ao «UEFA.com» frisando que é tão simplesmente futebol: «Nunca foi minha intenção ridicularizá-lo. Não conheço ninguém que seja capaz de gozar com outra pessoa quando a conquista de um Europeu está em jogo. Pelo contrário. Bati assim o penálti porque percebi que era a forma mais fácil de marcar. Uma receita simples.»

Numa reportagem do «Canal+», Uli Hoeness – o homem que falhou o único penálti daquele desempate, antes de Panenka chutar para o título europeu de seleções – acabou por mostrar o fair play que o passar dos anos traz: «Decidi chutar muito forte e colocar a bola num lado, isso tentei. A bola saiu por cima da trave e acho que foram encontrá-la uns anos depois quando o estádio foi destruído devido à guerra na Jugoslávia. Acho que sim, que finalmente encontraram a bola.»

Antonín Panenka na entrevista para o «Canal+»:

«Confesso que treinei durante dois anos aquela forma de marcação. Achava que se atirasse mesmo para o meio com uma curva suave marcava de certeza. Porque se se remata com força há sempre a possibilidade de que o guarda-redes defenda graças aos seus reflexos. Sabia que nenhum guarda-redes teria a coragem de ficar parado na linha [de golo]. Ficavam todos à espera do último segundo e depois atiravam-se para um dos lados. É verdade que muitos companheiros me disseram que não marcasse o penálti assim, mas o treinador [Vaclav Jezek] disse-me: Olha, faz como achares melhor. Fica ao teu critério. Não estava cem por cento seguro de marcar. Estava mil por cento seguro. Houve algo muito misterioso naquilo tudo porque dois meses antes tive a sensação de que tudo acabaria daquela forma. Uma coisa muito estranha.»

O penálti à Panenka é agora quarentão mesmo que já se saiba que será eterno. Naquele que foi o primeiro anúncio a associar-se à presença da República Checa neste Europeu de França – como foi notado no «Euro 2016 Network» –, o campeão europeu de 1976 reaparece como inspiração à atual geração checa personificada por Vladimír Darida.