Fernando Santos era um homem só.

Um tipo sozinho no meio de onze milhões. Mas isso era em 2014. Em 2016, já tinha convencido 23 e mais uns quantos de que era possível. Faltava uma multidão, ainda. Um povo, melhor dizendo. Mas ele lá foi, inabalável na fé e nas escolhas. Levou uma equipa até França e a seleção a um título inédito.

Fez Portugal viver uma epopeia de emoções e levou o país à Terra Prometida.

Esta é uma história cujo desfecho é conhecido, mas que continua a ser tão surreal, quanto era improvável. E como as infantis, leva-nos para um sorriso de um final feliz, embalados num pontapé de Éder. 

Esta é a nossa história.

A história de um país de futebol. Que naquela altura já estava unido à fé do engenheiro e a meteu toda num só chuto.

Acabámos a gritar de euforia. Até a voz doer e as veias do pescoço incharem. Até as lágrimas secarem. Até sorrirmos. E hoje, amanhã, para sempre, quando lá voltarmos, àquele pontapé, sorriremos. E embalamos para mais um sonho... como foi este que lhe contamos a seguir. 

 
O desafio
 
Eram muitos, mas muitos, milhões mesmo, aqueles que não acreditavam que Portugal poderia ser campeão europeu em França.
 
Fernando Santos não era um deles. O selecionador nacional acreditava. Foi dizendo a cada intervenção, muito antes do tempo, e sublinhou-o também quando deu a conhecer a lista de convocados a 17 de maio, dia em que foi também criticado por levar Éder e deixar, por exemplo, André Silva de fora.
 
Ele lá sabia quem é que devia levar. Ele lá sabia a fé que tinha. Ele lá acreditava. Dizia que os jogadores também, mas quem acreditava mesmo era só ele.
 
Os jogadores foram acreditando com o passar do tempo e depois fizeram-lhe a vontade. Mas nem o tempo foi bom. Portugal fez uma fase de grupos muito aquém do esperado e ao fim de dois empates lá veio de novo Fernando Santos: «Já disse à família que só volto dia 11, e vou ser recebido em festa.»

As dúvidas

Portugal era favorito no grupo F do Europeu. Afinal tinha pela frente a Hungria, Islândia e Áustria. Nenhuma delas, à partida, seria melhor do que Portugal e nenhuma delas tinha Cristiano Ronaldo e muitos outros jogadores com nome no futebol europeu e mundial.
 
Logo no primeiro jogo ficaram as dúvidas se Portugal seria mesmo favorito. Na estreia da Islândia em Campeonatos da Europa, as duas seleções empataram a uma bola. Nani marcou primeiro, Bjarnason empatou aos 50 minutos. Não chegou jogar melhor contra os islandeses.
 
Seguiu-se a Áustria, quatro dias depois, a 18 de junho. E, para surpresa de todos, mais um empate. Este a zero. De-ses-pe-ran-te!
 
Depois destes primeiros sinais tão negativos, os poucos que acreditavam, devem ter ficado na dúvida. Mesmo assim, a seleção portuguesa dependia de si, mas com sinais muito pouco animadores.
 
Dois empates, um golo marcado e outro sofrido. Hungria e Islândia já lideravam o grupo com quatro pontos e Portugal tinha apenas um.

O sinal

Terceiro jogo. Seguia-se a Hungria. Portugal sofreu o primeiro golo logo aos 19 minutos e esteve em desvantagem no marcador por três vezes. Finalmente lá apareceu Cristiano Ronaldo, marcou dois. Ainda assim, ficou 3-3.
 
Não foi um jogo bonito, foi sofrido.  Esqueçam a cabeça e as táticas, só foi lá pelo coração e só deu para o «mal menor». Só deu mais um ponto, mas dava para ficar em terceiro lugar se o resultado do Islândia-Áustria fosse favorável. E foi.
 
A Islândia venceu no último minuto, marcou aos 90+4 minutos, (obrigado, Traustason) e além de confirmar Portugal como o melhor terceiro classificado, ao fazer o golo da vitória, tirou a seleção nacional do lado dos «tubarões».
 
A partir dali já se sabia: seguia-se a Croácia e «grandes» europeus só mesmo na final.

O milagre
 
Oitavos de final e encontro marcado com a Croácia, líder do grupo D, que teve Espanha, Turquia e República Checa. A dificuldade a aumentar e mais 90 minutos de sofrimento. Os croatas tiveram três vidas e esgotaram-nas todas. Para azar deles, sorte nossa.
 
O jogo acabou como todos os que Portugal já tinha feito: empatado. Foi preciso ir a prolongamento e aí deu-se o primeiro grande milagre português em França.
 
Ao minuto 116 Perisic rematou à baliza de Rui Patrício, a bola foi ao poste com a ajuda do guarda-redes, acabou por chegar depois a Renato Sanches que correu para o contra-ataque. Ronaldo rematou, Subasic defendeu, mas Quaresma marcou na recarga.
 
Golo e só três minutos para jogar. Os quartos de final logo ali. Pareceu fácil, pareceu rápido. Ou parece agora, cinco meses depois.

O chamamento

Haverá muita gente a lembrar-se de muitos pormenores do jogo com a Polónia que acabou com mais um empate a uma bola, com prolongamento e com golos de Lewandowski logo aos dois minutos, para ser ainda mais sofrido, e Renato Sanches aos 33’.
 
Mas de certeza que há mais gente a lembrar-se das grandes penalidades. «Anda bater, anda bater, tu bates bem», disse Cristiano Ronaldo a João Moutinho.
 
O capitão chamou Moutinho para bater um dos penáltis e o médio não falhou. Nem ele nem o próprio Ronaldo, Renato Sanches, Nani e Quaresma. Lewandowski, Milik, Gilk também não desiludiram, mas Rui Patrício defendeu o remate de Blaszcykowski e garantiu o 3-5 final.
 
E Portugal nas meias-finais, já agora. Será Fernando Santos o homem mais sortudo do mundo? Era a pergunta, mas ainda não havia resposta.

A última barreira
 
Portugal estava a um jogo da final. Pela frente o País de Gales, líder do grupo B de Inglaterra, Eslováquia e Rússia. Os galeses tinham eliminado a Irlanda do Norte e a favorita Bélgica. Seria o jogo mais difícil até ali, mas acabou por ser o mais fácil para Portugal.
 
Pelo que dizem os números, pelo menos.
 
Ao quinto jogo Portugal venceu e garantiu a final, com a primeira vitória em 90 minutos, construída sobre uma bola parada e um salto monumental de Ronaldo para o 1-0. O capitão abriu o marcador aos 50 minutos, Nani sentenciou-se aos 53’.
 
Foram os melhores três minutos de Portugal no Europeu. E já se começava a acreditar que pudessem haver mais momentos felizes.
 
Só que estava tudo marcado para o Stade de France, em Paris, com… a França.

O drama

Portugal na final do Europeu pela segunda vez na história (malditos gregos, que Fernando Santos conhece tão bem...). Os portugueses com más memórias dos confrontos com os gauleses, um dos mais marcantes em território belga com Abel Xavier e Zinedine Zidane como protagonistas, no Euro 2000. Zizou eliminou Portugal.
 
Mas desta vez quem tinha a figura era Portugal. Cristiano Ronaldo, o melhor jogador do mundo da atualidade, no relvado diante de uma seleção francesa favorita, com títulos europeus e a jogar em casa. Mas durou pouco. Payet entrou duro sobre o capitão nos instantes iniciais e arrumou-o do jogo.
 
Ronaldo foi assistido e tentou aguentar, mas não conseguiu. Caiu no relvado e chorou como um «bebé», como quase todos os portugueses. Pediu para sair e saiu. Sem ele seria muito mais difícil derrotar França e ainda faltavam, pelo menos, 65 minutos de jogo.
 
Entrou Quaresma, como depois entrou Moutinho e a última substituição foi Éder. Era com eles e já sem Ronaldo, Adrien Silva e Renato Sanches que Fernando Santos ia tentar ser campeão europeu.

O clímax

Com Éder, sim. O único verdadeiro avançado que Portugal tinha no banco. Era a única solução, ainda que ninguém acreditasse que poderia ser ele a marcar - já tinha falhado tantos! Fernando Santos, com as suas crenças, acreditava e meteu-o a jogar lá na frente: 1 por 11 milhões.
 
Gignac esteve perto de derrotar Portugal nos instantes finais da partida, mas a bola foi ao poste: 0-0.
 
Na primeira parte do prolongamento, nada de golos. Na segunda, com as duas equipas a jogar mais com o coração do que com a cabeça, Éder recebeu a bola no meio-campo, controlou-a de forma desengonçada, levou a melhor sobre Koscielny e rematou rasteiro fora da área… Lloris ainda se esticou, mas a bola entrou. Entrou mesmo.
 
1-0 aos 109 minutos e a partir dali já não havia mais nada. Uns minutos, vá.

A consagração
 
Segundo triunfo após prolongamento e Portugal campeão da Europa com golo de quem todos menos esperavam: do «patinho feio».
 
Uma imagem diz mais do que mil palavras. É uma frase feita, é, mas ainda hoje faltam vocábulos para exprimir esta imagem. E as caras dos jogadores também.

A celebração
 
No futebol é campeão quem põe a bola mais vezes dentro da baliza adversária, quem por consequência ganha mais vezes. Mesmo que nem sempre seja quem joga melhor.
 
Portugal marcou apenas sete golos, venceu uma só vez em 90 minutos. Não jogou tão bem como alguns antepassados futebolísticos jogaram. A isso encolheu-se os ombros.
 
 
A Taça é nossa. Esta ninguém nos a tira. Foi a fé de Fernando Santos, a vontade de 23 jogadores e a força de milhões de portugueses que escreveram esta história.
 
2016 foi incrível. Foi nosso. Não, o 10 de julho de 2016 não «é feriado, c******», mas foi o dia em que Portugal saiu à rua em festa. Foi Santo António, São João e São Pedro. Sem sardinhas, manjericos ou alho porro. Mas nosso. Tão nosso. 
 
Só nosso... porque só nós vamos poder continuar a sonhar assim. Embalados por um pontapé...