* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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A campainha toca e do outro lado surge a voz de Bebeto: «Fica aí meu filho, vou abrir». Robinho, o pequeno cão, vem à frente e faz as honras da casa. Um abraço, uma pequena explicação sobre a exclusiva zona da Barra da Tijuca onde nos encontramos, «um paraíso».

«Nada me tira daqui. Isto é o meu mundo». Bebeto, 52 anos, mantém a aparência jovial, quase juvenil, do período em que era o principal avançado da seleção do Brasil. «Eu e o Romário, cara, eu e o Romário».

Elegante, enérgico e de uma simplicidade desarmante, Bebeto leva-nos ao campinho onde faz os treinos diários e à sala onde vê «todos os dias» os Jogos Olímpicos.

Campeão do mundo em 1994, 39 golos pela canarinha, 75 internacionalizações, medalha de prata e de bronze em Olimpíadas, ídolo do Flamengo, do Vasco da Gama e, principalmente, do Deportivo da Corunha.

A entrevista ao Maisfutebol serve para falar de Política – Bebeto é deputado estadual e está a um passo de ser vice-prefeito do Rio de Janeiro – mas, e acima de tudo, de futebol. Daquele futebol dos Mundiais em que esteve: 1990, 1994 e 1998.

Bebeto, um dos maiores atacantes de todos os tempos no Brasil, em exclusivo ao Maisfutebol, a poucos quilómetros do Parque Olímpico da Barra.

O seu primeiro Mundial é em 1990, aos 26 anos. Ainda foi a tempo de jogar mais dois.
«Precisamente. E em 1990 lesionei-me umas semanas antes e acabei por jogar pouco. Inicialmente jogava eu e o Careca na frente, nas eliminatórias. Tive uma lesão e no Mundial o Lazaroni apostou no Careca e o Muller. Eu e o Romário no banco, imagine. O Romário estava com um problema no tornozelo e sem condições nenhumas. Eu estava a voar, era o melhor marcador sul americano… mas fui pouco aproveitado. Quem perdeu essa Copa do Mundo foi o selecionador [Sebastião] Lazaroni».

Não gostou do trabalho do técnico?
«Teve opções estranhas. E a verdade é que o Lazaroni se tornou treinador porque eu sugeri o nome dele ao presidente do Flamengo. Ele era preparador físico lá».

Nesse Mundial o Brasil cai nos oitavos de final.
«Perdemos contra a Argentina, golo do Caniggia. O famoso jogo em que eles deram água envenenada ao Branco. Isso é mesmo verdade. Eu nem entrei, fiquei no banco. Joguei antes contra a Costa Rica, cinco minutos. Quase me recusava a entrar (risos). Depois fiz cinco golos num jogo-treino e é aí que levo uma pancada do falecido Zé Carlos, o goleiro. Uma joelhada na coxa. Desmaiei de dor. Estava a fazer gelo, cheio de dores, e o Lazaroni vem ter comigo e diz: ‘perdi o meu matador’».

Quatro anos depois correu melhor.
«Em 1994 o Parreirinha [Carlos Alberto, selecionador] apostou em mim e no Romário. As palestras dele eram simples: ‘gente, o importante é não sofrer golos. Na frente, o Bebeto e o Romário resolvem. Nem vale a pena falar com eles’».

Teve uma ligação especial com o Romário?
«Com o Romário saía tudo de olhos fechados, tudo naturalmente. E nós nunca fomos colega de equipa em clubes. Acho que somos uma das melhores duplas de sempre no futebol brasileiro. Inteligentes, rápidos, movimentação perfeita…».

E a final contra a Itália, nos penáltis?
«Coisa linda, não há melhor sensação do que ser campeão do mundo. Quando o Baggio atirou para as nuvens, lembro-me de ter abraçado o Taffarel a chorar».

Aos 34 anos volta a um Mundial e ainda marca três golos.
«Sim, mas para mim esse Mundial de 1998 quase se resume ao que aconteceu com o Ronaldo. Na véspera da final teve convulsões, um ataque no quarto. Eu dei a cara e disse ao presidente da federação que ele não tinha condições nenhumas para jogar a final. E ele não ia jogar. O Zagallo até chorou, de preocupação».

O que se passou em concreto com o Ronaldo?
«Ninguém sabia bem o que era. Ele teve convulsões, espumou pela boca. Acordei com toda a gente aos gritos. ‘Bebeto, Bebeto, vem cá!’ Eu estava no quarto com o Leonardo. Ele até pensou que eram adeptos da França, para nos acordarem, porque na noite anterior tinham lançado uns foguetes à porta do nosso hotel».

Entraram em pânico?
«Sim, todos. O Edmundo andava para trás e para a frente aos berros, a dizer que o Ronaldo estava a morrer… aquilo mexeu com todos nós. Levámos dois golos de bola parada do Zidane na final. Impossível».

E o Ronaldo acabou por jogar. De quem foi a decisão final?
«O que se passou foi o seguinte: o Zagallo e o Zico [adjunto] vieram ter comigo e perguntaram-me o que eu achava do Edmundo e se ele responderia bem se fosse titular. Eu disse: ‘podem ficar tranquilos, coloquem o Edmundo para jogar, tranquilamente’. O Ronaldo desapareceu, foi para o hospital fazer exames».

«O Edmundo fez o aquecimento, até veio ao meu lado no autocarro, para combinarmos movimentos. Quando estávamos a aquecer, o Ronaldo apareceu no estádio. ‘Zagallo, deixa-me jogar, por favor. Joguei todos os jogos, não me deixe de fora, por favor’. O garoto estava mesmo a chorar. Nós ouvimos isso e o Edmundo veio ter comigo: ‘vai sobrar para mim’».

E sobrou. Ele só entrou perto do fim.
«Sim, quando voltámos ao balneário, o velho Zagallo foi ter com o Edmundo e disse, ‘meu filho, desculpa, vai ter de esperar um pouco de fora’. O ambiente piorou. Era uma situação difícil, eu entendo. Se nós perdêssemos e o Ronaldo não jogasse, o país caía em cima dos técnicos».

O Brasil não teve hipóteses?
«Nenhuma. O jogo começa e logo no início o Ronaldo leva uma pancada e fica quieto no chão. Pensei que ele ia morrer. Foi para esquecer. Sem esse problema, acho que ia ser muito difícil para França. Assim ganharam sem problemas».

Além de três Mundiais, o Bebeto foi a dois Jogos. E não ganhou o ouro.
«Em 1988, em Seul, ganhei a medalha de prata. Em 1996, bronze. Estávamos a ganhar 3-1 à Nigéria, o Juninho fez o quarto golo e o árbitro anulou. Depois sofremos dois golos em falhanços escandalosos e perdemos depois naquela porcaria do Golo de Ouro. Foi o jogo mais fácil que tivemos e estragámos tudo. Doeu muito, eu era o capitão e tínhamos uma equipa-base fortíssima. Depois marquei três golos a Portugal, na atribuição do terceiro lugar».

Foi nesse jogo que acabam por não subir ao pódio?
«Não subimos ao pódio, mas os jogadores não tiveram nada a ver com isso. Disseram-nos que tínhamos de ir embora rápido, para o avião. Eu preferia ter subido ao pódio, claro».

O Mundial é muito mais importante do que os Jogos?
«Não há comparação possível. O Mundial é outro mundo. Mas o Brasil não tem nenhuma medalha de ouro no futebol e isso torna as coisas mais importantes».