Há precisamente uma década andávamos a pendurar bandeiras nas janelas de casa, orgulhosos por termos conseguido acabar os estádios a tempo, preparados para receber muitos milhares de turistas e com a convicção de que era desta que íamos ganhar um grande torneio de seleções. Há precisamente dez anos vibrámos com a cerimónia de inauguração do Euro 2004 e assistimos à derrota com a Grécia. A primeira, no primeiro jogo. Menos de mês depois viria a segunda, no último jogo. Outra vez com os helénicos.

Naqueles dias tórridos de 2004 o mundo era diferente. Não havia crise, vivíamos «acima das nossas possibilidades», havia mais emprego, mais pessoas (aquelas que entretanto emigraram), mais dinheiro nos bolsos e uma certa confiança que nos embalava desde a Expo98. Construíamos, crescíamos, sorriamos e acreditávamos.

A «geração de ouro» esteve demasiado perto da perfeição, mas falhou.



Deco era uma das estrelas da equipa orientada por Luiz Felipe Scolari. O «mágico» do FC Porto campeão europeu não foi titular no jogo de abertura com a Grécia, a 12 de junho de 2004, mas entraria ao intervalo (para o lugar de Rui Costa), juntamente com Cristiano Ronaldo. Nessa altura Portugal já perdia por 1-0, devido a um golo de Karagounis logo aos sete minutos, mas as mexidas não resultaram e os gregos viriam a marcar logo aos seis minutos do segundo tempo. Cristiano reduziu aos 90, mas a derrota era uma evidência. Ou um sinal do que estaria para vir.

«A equipa estava bem. Nunca tínhamos tido uma competição assim em Portugal e o ambiente que se vivia era fantástico. Toda a gente ao nosso lado, numa união incrível. Antes do primeiro jogo sentíamos que era um jogo normal, que queríamos vencer, mas também havia uma pouco mais de ansiedade pela novidade, pela experiência», admite Deco, em entrevista ao Maisfutebol.

O médio acabaria por ser o quarto jogador mais utilizado na Seleção (depois de Ricardo, Jorge Andrade e Maniche), mas não conseguiu evitar a tragédia que viria a repetir-se a 4 de julho, no Estádio da Luz. As memórias daquele tempo são agridoces e é curioso que, talvez por ter vivido tudo tão intensamente, o ex-jogador nunca teve curiosidade em rever aqueles desafios do Euro2004.

«Nunca vi um jogo do Europeu. Aliás, normalmente nunca vejo e acho que da minha carreira terão sido um ou dois jogos aqueles que acabei por ver a gravação. Nunca tive esse hábito, mas ainda para mais no Euro, que foi uma enorme deceção. Claro que foi tudo fantástico, mas depois há aquela final», lamenta.

No fundo é o que todos sentimos, provavelmente não de forma tão intensa, porque ninguém se cansa de ver aqueles penaltis com a Inglaterra, em que Ricardo tira as luvas. Mas quando toca a música da Nelly Furtado… dá para entender o desabafo de um jogador que esteve muito perto de levantar o caneco:

«Não é que não me queira lembrar, pelo contrário. Temos de reconhecer que foi um acontecimento que dificilmente voltaremos a repetir, pelo contacto com as pessoas, o envolvimento, foi tudo fantástico, mas queríamos vencer. Teve tudo de bom, mas depois uma deceção enorme».

Deco venceu quase tudo na sua carreira. Foi campeão em Portugal, Espanha, Inglaterra e Brasil, ganhou taças e supertaças, ergueu a Taça UEFA e duas Ligas dos Campeões (pelo FC Porto e pelo Barcelona). Em 2004 foi considerado o melhor jogador da UEFA e ficou em 2º lugar na Bola de Ouro da France Football (atrás de Shevchenko).

O Euro2004 foi o título que lhe faltou? «Não digo isso, porque a minha carreira foi boa, mas esta geração merecia um título assim. Fomos à meia-final do Euro e à meia-final do Mundial, mas podiamos ter ido um pouco mais longe, pela equipa que era, pelos jogadores que tínhamos, pelo que provámos em campo. Era uma alegria que merecíamos e isso faltou, infelizmente».

Olhando com a distância de dez anos para o que aconteceu naquele campeonato é, de facto, cada vez mais difícil de entender como Portugal não conseguiu garantir o título europeu. Como é que foi possível deixar fugir a oportunidade quando havia jogadores como Fernando Couto, Jorge Andrade, Ricardo Carvalho, Costinha, Figo, Rui Costa, Maniche, Deco, Pauleta, Simão e Nuno Gomes?



Entre os dois jogos com a Grécia, a Seleção Nacional só somou triunfos e deu muitas alegrias ao povo. Depois da derrota na primeira jornada, Scolari ajustou a equipa, apostando num núcleo central de jogadores vindos do FC Porto campeão europeu, o que lhe permitiu vencer a Rússia (2-0) e a Espanha (1-0).

Nos quartos-de-final surgiu a Inglaterra, num dos jogos mais dramáticos da história dos campeonatos da Europa. O 2-2 no prolongamento atirou-nos para as grandes penalidades, as tais em que Ricardo brilhou. O guarda-redes defendeu o sétimo castigo máximo dos ingleses, batido por Vassel, e logo a seguir concretizou, ele próprio, o que colocaria Portugal nas meias-finais. Antes, já Hélder Postiga tinha marcado «à Panenka» o sexto penalti português.

Nas meias-finais, Portugal venceu a Holanda por 2-1, com Maniche a marcar aquele que seria considerado o melhor golo do Euro2004 (Cristiano Ronaldo marcou o primeiro), e garantiu um lugar na final. E sobre isso pouco mais há a recordar que não seja o golo solitário de Charisteas aos 57 minutos.

Ricardo concorda com Deco. O herói de tantos outros jogos não conseguiu parar aquele cabeceamento e ainda hoje lamenta não ter conseguido fazer melhor. «Vai haver sempre (amargo de boca) ao recordarmos como foi, o trajeto que foi e a derrota. Porque perdemos uma final em casa. Nós jogámos seis finais Começámos a perder e não pedíamos perder mais nenhum jogo. Tínhamos de ganhar os jogos para seguir em frente na fase de grupos e outros três para ganhar a final. E jogámos só finais», disse, em declarações à agência Lusa.

«Um dia vamos ganhar. Por que não neste Mundial?

Nascido no Brasil, Deco já está em Terras de Vera Cruz para apoiar Portugal, a sua pátria de adoção. Confiante, não arrisca um prognóstico, mas permite-se sonhar.

«Portugal está habituado, e muito bem, a estar em fases finais de Europeus e Mundiais. Tem feito boa figura, chegou a meias-finais destas competições, batendo-se palmo a palmo com outras grandes seleções. Quem sempre está lá, com jogadores de qualidade, com o melhor jogador do mundo, sabe que é possível sonhar», refere, concretizando a ideia:

«Pelo histórico não se pode colocar Portugal entre os favoritos, mas pela seleção que tem, pelos jogadores que tem, por estar sempre ali nas fases finais, que chega e quase pode, se calhar vai chegar o momento em que vai acontecer. E por que não neste Mundial?»