Caminhar no arame, dar espectáculo do mais fino quilate, sofrer até ao fim, ver o chão lá longe e sentir a ausência de rede. Sensações agoniantes, de frio na barriga, antes do alívio supremo, da chegada a território sólido. Ideais nobres os deste F.C. Porto. Empenhado no massacre, na ofensiva de erupções permanentes e... no adiar da felicidade estável.

Em 1974, um homem ousou afrontar o abismo. Philippe Petit atravessou o vácuo entre as Torres Gémeas do World Trade Center, a 410 metros de altura, no que foi considerado o crime artístico do século. Trapezista louco, equilibrista desvairado, génio tardiamente venerado. À semelhança de todos os génios.

Na recepção ao Setúbal, esse génio desvairado foi o F.C. Porto. Passeou repleto de classe, atingiu níveis qualitativos de excelência, atirou uma, duas, três vezes ao ferro e ameaçou desequilibrar-se. Seria uma injustiça, rude e intolerável. Mas podia ter sucedido. Ao F.C. Porto agora, como ao trapezista Philippe Petit há 37 anos.

Suster a respiração, andar na corda-bamba, ter a capacidade de gerir as ondas do medo. Não é para todos. O Porto soube-o fazer. Saiu mais forte e lúcido do que quando avançou para o arame.

Os Destaques: Belluschi é a Figura

Ao olhar para trás, os golos de João Moutinho (52 minutos), James (75) e Belluschi (87) tornam o atrevimento desmedido aparentemente uma fantasia. Não foi. Só no último quarto-de-hora houve paz e sossego no Dragão.

Importa dizer que tudo isto, até ao intervalo, se passou sem João Moutinho e Hulk. O médio entrou para ser decisivo. Abriu o marcador [primeiro golo em jogos do campeonato no F.C. Porto], empolgou a equipa, entendeu-se maravilhosamente bem com Belluschi e Steven Defour, encheu o campo.

Farto do nulo, Vitor Pereira experimentou um antídoto diferente. Abdicou do médio defensivo (Souza), ampliou horizontes, cresceu na ousadia, na confiança e - quase que o podemos prometer - o F.C. Porto chegou a correr pelo arame fora.

Vantagem alcançada, o grunhido passa a grito, o desabafo sustido demasiado tempo. Depois, o futebol de primeiro toque, movimentação vertical, entendimento telepático e fausto exuberante arrasou a ambição sadina.

FICHA DE JOGO E NOTAS



O Vitória, de resto, acreditou em demasia na raiva efervescente de Cláudio Pitbull. Manteve-se junto e deu fôlego à trela do avançado. Pouco, muito pouco, apesar dos bons primeiros 25 minutos.

Steven Defour foi gigantesco, Fernando Belluschi imponente, James Rodríguez um bandido incontrolável. Só Kléber e Cristián Rodríguez estiveram ligeiramente abaixo dos colegas. Hulk, 22 minutos em campo, chegou para dar a mão e içar a equipa do limbo. Valeu a pena.



Há quem busque o prazer e tema a consequência do excesso. Como se ao dobrar a esquina, o clímax se torne um pecado mortal. O F.C. Porto teve o mérito de manter o espírito sólido, a alma lubrificada e divertiu-se até mais não. Divertiu-se e divertiu.

Tudo isto sem cair do arame. Francamente bom.