Paredes, Fabril e Sacavenense preparam os respetivos duelos contra os ‘três grandes’ na Taça de Portugal. Ao longo da semana, os protagonistas da prova rainha escrevem na primeira pessoa no Maisfutebol. Como são estes dias para atletas semi-profissionais e para plantéis que andam longe do foco mediático? A essência da Taça de Portugal nas palavras dos candidatos a heróis.

João Carmo: 30 anos, médio do GD Fabril
. 20 de novembro, a um dia do Fabril-FC Porto

«Deviam ser umas 5 e meia da tarde quando cheguei a casa e a minha namorada tinha a televisão ligada num canal que estava a dar o sorteio da Taça. Já tinham saído o Benfica e o Sporting: quando saiu o nosso nome com o do FC Porto, a primeira coisa que fiz foi gritar de felicidade. Sem dúvida que o jogo deste sábado será marcante na vida de cada um de nós, jogadores do Fabril, sobretudo para quem nunca jogou em campeonatos superiores ao equivalente à 3.ª divisão.

Hoje já é sexta-feira e a malta está desejosa que o jogo chegue. Durante as últimas semanas fomos falando algumas vezes do FC Porto, mas até agora tentámos estar focados exclusivamente no Campeonato de Portugal: é algo a que temos de dar mais importância, apesar de sabermos que a Taça de Portugal tem muita história. Mas ainda não ganhámos no campeonato e era importante não desviarmos o foco.

Será um jogo que toda a gente quer jogar. Infelizmente, nem todos vão ter essa oportunidade por causa da covid-19. Esta sexta-feira esperávamos ter recebido os resultados dos testes da véspera perto do meio-dia. Chegaram por volta das 3 da tarde e dá para imaginar a nossa apreensão durante essa espera. Felizmente não houve mais casos.

O meu nome é João Carmo e tenho 30 anos. Para além de jogador, sou comercial: trabalho com produtos de cosmética. Felizmente, o meu horário é flexível e permite-me andar à vontade. À vontade, sim, mas sempre com responsabilidade e a ter de cumprir tudo no final do mês. Não é fácil conciliar, porque muitas vezes temos marcações no final do dia e, como trabalho é trabalho, nem sempre é fácil encaixar tudo. Muitas vezes chego ao treino em cima da hora: é entrar no balneário, equipar rápido e acompanhar a malta. Saio do carro praticamente a descalçar-me.

O meu objetivo no futebol sempre foi chegar o mais longe possível. Fiz a minha formação nos clubes perto de casa. Estive no Corroios e com 13 ou 14 anos fui para o Benfica. Estive lá três ou quatro anos, até ao último ano de juvenil, quando fui para o Estrela da Amadora.

No Benfica tive um treinador que me marcou bastante: o mister João Paulo Costa. Tinha uma maneira fantástica de lidar e trabalhar com os jogadores. Motivava-nos para fazermos o que gostávamos.

Muitos dos colegas da minha geração, de 1990, estão agora no estrangeiro: o David Simão, por exemplo, e outros do Sporting com quem estive na seleção: Diogo Amado, Diogo Rosado, André Martins, Wilson Eduardo e Diogo Viana. Felizmente, muitos deles conseguiram vingar e desejo-lhes toda a sorte do mundo.

Claro que gostava de ter atingido outro patamar. No futebol há um fator que também é muito importante, que é a sorte. Eu, infelizmente, nunca tive a oportunidade de ter um empresário que me ajudasse de alguma forma num clube ou noutro. Nunca passei do equivalente à 3.ª divisão, mas não guardo mágoa quando olho para trás: tive a sorte de passar por coisas pelas quais outros não passaram e isso já foi muito bom. Quando deixar de jogar, terei recordações maravilhosas.

O que ainda me alimenta aos 30 anos? O espírito de grupo num balneário, onde partilhamos momentos incríveis que muita gente nem imagina: é lá que vivemos as maiores alegrias e as maiores tristezas. Tenho uma grande paixão pelo futebol: jogo desde os sete anos e não me vejo a chegar a casa ao final do dia e enfiar-me em casa sem ir antes para o treino. É um modo de vida que sei que um dia vai acabar, mas sempre que puder vou atrasar esse fim mais bocadinho.

Quando terminar a carreira, o momento será de grande tristeza: nesse dia gostava de olhar para trás e lembrar uma vitória sobre o FC Porto. Se possível, juntar a essa recordação a de um golo perto do fim que nos deu a vitória.

Por que não?! O futebol é mesmo assim: as surpresas acontecem e nós acreditamos que podemos fazer uma gracinha. No museu do Fabril temos um espaço para meter a nossa fotografia do jogo e isso dá-nos uma força extra.

Agora vou descansar. Tenho dormido bem nos últimos dias, mas vamos lá a ver como corre hoje. Não posso garantir nada.»