* com Pedro Morais

Nápoles, 1974. O FC Porto a gatinhar na Taça UEFA e a fruir dos primeiros prazeres da democracia lusa. Viajar pela Europa deixa de ser uma simples corrida para os braços da liberdade.

Os dragões passam a olhar com verdadeira ambição e profissionalismo os duelos nos relvados do Velho Continente.

Há 40 anos, corria a longínqua época de 1974/75, os dragões deslocam-se ao sul de Itália para disputar a primeira-mão da segunda eliminatória da Taça UEFA. O jogo termina com 1-0 a favor da equipa da casa, o Napoli.

O regresso aos ditames do San Paolo é uma ótima oportunidade para resgatar das caves do esquecimento essa primeira visita do FC Porto ao Nápoles. O Maisfutebol apanha boleia na memória inesgotável de Luís César e Leopoldo.

O primeiro é, à época, repórter da rádio Quadrante Norte. O segundo integra o lote de convocados do treinador Aimoré Moreira, mas não sai do banco de suplentes.

As recordações são coincidentes e fortíssimas: gás lacrimogénio, táxis loucos e um ambiente infernal numa viagem que nos transporta direitinho ao coração dos anos 70.

O resumo do Nápoles-FC Porto, época 1974/75:




Luís César viria a ser dirigente do FC Porto durante largas décadas. Dessa visita a Nápoles recorda pormenores curiosíssimos:

«Uma das coisas que mais me lembro é de andar com a maquineta atrás e de repente ficar com os olhos a arder. Houve uns distúrbios na bancada e foi tudo corrido a gás lacrimogénio», conta ao nosso jornal.

«Do jogo lembro-me que foi vivido e equilibrado, com o golo do Nápoles a aparecer no início da segunda parte». Luís César não esquece algum dos nomes da equipa do Porto que foi a Nápoles.

«A equipa não era nada fraca. Tinha o Flávio e o Cubillas, o Oliveira, o velho Rolando, o falecido Murça, o Lemos, era uma equipa boa. E nesse ano foi lançado o Fernando Gomes».

Leopoldo não é elencado pelo antigo dirigente, mas está lá e lembra bem a viagem «atribulada» para Nápoles. «A deslocação do aeroporto ao hotel foi feita de táxi e em hora de ponta!», refere o então lateral.

«Estava um trânsito absolutamente caótico. Havia muitas bicicletas a andar em cima dos passeios e assim». Mas Bacalhau, como é ainda conhecido, não esquece também o caos dentro do próprio San Paolo, onde a equipa azul e branca tem de enfrentar um ambiente difícil.

«O ambiente era assustador e agora ainda deve ser pior. Era muito barulho e eles eram fanáticos. E acredito que agora sejam piores, aquele povo vive muito o futebol e tem uma paixão imensa pelo jogo».

Um golo de Orlandini, aos 50 minutos, decide tudo na Itália. Em Portugal, o mesmo resultado, favorável ao Napoli: 0-1, golo de Clérici, aos 77 minutos.

Nada a fazer pelo guarda-redes Tibi e companhia.

«Os jogadores até croissants e batatas fritas comiam»

Não é difícil saber e perceber a evolução sofrida pelo futebol de 74 para cá. Medicina, alimentação, infraestruturas e scouting, nada no futebol é como era.

«Antes», avança Luís César, «para recrutar um jogador os clubes recebiam cartas dos empresários e contratavam os jogadores à experiência. Tinham de o ver».

«Hoje em dia as equipas fazem o seu próprio scouting, não estão à espera. Evoluiu o nível de competitividade, agora as equipas estão sempre em grandes viagens e utilizam-se voos charter, de um ponto ao outro. Antigamente era voo comercial e perdia-se muito tempo em escalas».

Até na alimentação, como escrevíamos, o paradigma sofre radical transformação. «Antigamente era o treinador quem fazia as ementas. As batatas fritas e os croissants eram permitidos e agora são proibidos, porque são nutricionistas a definir a ementa».

Leopoldo adiciona um dado interessante. «Antigamente não tínhamos noção do adversário, desconhecíamos completamente as suas fraquezas ou os seus pontos fortes, os seus jogadores mais influentes, o sistema em que jogavam. Hoje em dia tudo isso é conhecido, estudado e preparado e ainda bem que assim é».

«Quando fomos a Nápoles, não sabíamos nada, ou quase nada, deles».

Para o jogo de quinta-feira, 20 de março, Luís César e Leopoldo derramam otimismo. A equipa já não come croissants e batatas fritas, mas pode saborear um novo triunfo.

«O Porto tem sempre condições para passar, seja onde for. Acredito no empate a uma bola ou na derrota por 2-1, mas o Futebol Clube do Porto vai apurar-se para os quartos-de-final da Liga Europa».

O Nápoles-FC Porto está agendado para quinta-feira às 20h05.

No dia 23 de outubro de 1974, o brasileiro Aimoré Moreira utilizou os seguintes jogadores:

Tibi; Murça, Rolando, Gabriel e Simões; Rodolfo Reis (Seninho), Teixeira e Vieira Nunes; António Oliveira, Cubillas e Abel (Lemos).