Penteado imaculado e barbas à António Variações, figura excêntrica na cultura pop dos 80s. Podia pensar-se que José Sá presta vassalagem ao culto da imagem. Mentira, diz quem o conhece.

Por trás dessa máscara criada pouco antes do EuroSub21, o rapaz nascido na freguesia de Palmeira (Braga) - numa vivenda próxima ao campo de futebol - faz questão de manter a reserva e a humildade originais. Sem ponta de pecado.

O FC Porto contratou um atleta «muito humilde e viciado no trabalho». Um atleta que, no entanto, até já podia estar completamente afastado do futebol.

José Carlos Antunes, treinador de José Sá nos modestos Palmeiras FC e Merelinense, ainda se recorda dos dias em que Sá «andou fugido» dos treinos.

«Nos juvenis, o Zé Sá ficou desmotivado e pensou abandonar o futebol. Desapareceu uns tempos. Tive de telefonar várias vezes para casa dele e obriguei-o a voltar. Nunca desisti dele e fiz bem. Ele acabou por voltar e fez uma temporada extraordinária».

Sá começara como lateral direito, mas aos 12 anos foi «obrigado» para a baliza. No Palmeiras, ali ao lado de casa dos pais, esteve sete anos e pensava continuar «a vida toda». José Carlos Antunes, uma vez mais, foi o responsável pela mudança e evolução.

«Ele era muito agarrado aos amigos da freguesia de Palmeira. Nesse ano de 2009 eu fui treinar os juniores do Merelinense e quis levá-lo comigo. Recusou. Passado um mês, apareceu-me num treino noturno. Vi-o encostado ao muro, com o saco no chão, e perguntei-lhe: ‘o que andas aqui a fazer, pá?’ Disse-me ‘quero trabalhar consigo, mister’. Passei a dar-lhe boleias e a ter muitas conversas com ele no caminho de casa para os treinos e dos treinos para casa».

José Sá era, por esses dias, «um guarda-redes diferente dos demais». «Já era um dos mais altos dos distritais de Braga, mas nunca perdeu a agilidade. Era um gato, ia buscar qualquer bola. Até hoje, pelo que vejo, não perdeu essa característica».

«Sem surpresa», no final de uma temporada «excecional do Zé», o Benfica apareceu a bater à porta do Merelinense. «Ele tinha 17 anos, queria continuar a estudar e incentivei-o muito. Disse-lhe que em Lisboa a vida seria tão boa ou melhor. Tudo dependeria dele. Fui um segundo pai para ele, mantemos contacto até hoje».

«O Cafu era o companheiro preferido para a brincadeira»

No Benfica, José Sá chegou «envergonhado» e «com muita vontade de aprender».

«Dava-se bem com toda a gente e acabou por adaptar-se bem ao clube e à equipa. Era muito trabalhador e nesses dois anos [2010 a 2012] teve uma evolução muito grande», conta Miguel Herlein, colega de equipa de José Sá nas temporadas feitas de águia ao peito.

Nunca se impôs nos sub19 do Benfica e os culpados foram Ederson Moraes (o atual suplente de Júlio César) e Bruno Varela (cedido ao Valladolid).

«Nesse aspeto teve azar. Numa época apanhou o Ederson e noutra o Bruno Varela, ambos também excelentes guarda redes. É uma posição complicada, onde só pode jogar um, mas o Zé quando tinha oportunidade demonstrava qualidade».

«Esse aspeto [ser suplente] também o fez crescer mais e trabalhar mais ainda. É jovem ainda, mas já demonstrou ter maturidade suficiente para assumir projectos mais exigentes», acrescenta Miguel Herlein, um colega próximo de José Sá.

Herlein lembra o «rapaz bastante divertido» no balneário e que tinha em Cafu - «agora no V. Guimarães» - o companheiro favorito de aventuras.

«Nessa altura ainda não usava a barba tão grande. Agora já é uma imagem de marca, já não o imagino sem ela».

PERCURSO DE JOSÉ SÁ:

. 2002 a 2009: Palmeiras FC
. 2009/2010: Merelinense
. 2010 a 2012: Benfica
. 2012 a 2016: Marítimo

Seleções: 30 internacionalizações (14 nos Sub20 e 16 nos Sub21)

Do Benfica, José Sá saltou para três temporadas e meio no Marítimo. Nunca se impôs como titular indiscutível nos insulares – 24 presenças na equipa principal -, mas saltou para as primeiras páginas e o radar dos granes clubes europeus com uma brilhante prestação no Europeu de Sub21, em 2015.

Sá integrou o onze ideal do torneio, mas no regresso ao Marítimo esbarrou novamente em Romain Salin. A titularidade continuou a ser-lhe vedada.

O FC Porto não se esqueceu do que fez com a camisola de Portugal e ofereceu-lhe um contrato de quatro temporadas e meia. Que papel os dragões têm no imediato para o rapaz da freguesia de Palmeira?

«Temos de ser honestos. Adoro o Zé, mas com o Casillas e o Helton… acredito que seja uma aposta a pensar no futuro. Hoje ainda não consegui falar com ele, mas é isso que lhe vou dizer», sentencia José Carlos Antunes, o homem que não deixou José Sá desistir.

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Ivo Vieira: «O Sá está num processo de evolução»

Salin foi o obstáculo de José Sá no Marítimo e nem o desempenho extraordinário no Campeonato da Europa de sub-21 alterou o cenário. Ivo Vieira explica a decisão e também cataloga a escolha do FC Porto como uma aposta de futuro.

«O Sá tem qualidade, estrutura e estofo. Está num processo de evolução sustentada. A minha escolha foi recaindo em Salin porque era o mais consistente. Nenhum jogador gosta de ficar sem jogar mas posso dizer-lhe: após o Europeu sub-21, no início da época, fiz questão de ter uma conversa com todos os guarda-redes para lhes dizer que partiam do zero. Ia tomar a minha decisão a partir dali», revela.

José Sá não conseguiu vencer essa batalha pela titularidade mas chegou, de qualquer forma, ao FC Porto. Juventude para contrastar com a experiência de Casillas e Hélton.

«O Sá pode ser o futuro do FC Porto. Para já, vai encontrar o mesmo problema que tinha no Marítimo: guarda-redes mais experientes. Nesse caso, Casillas e Hélton, que estão já numa idade mais avançada. Penso que é essa a lógica do FC Porto», remata Ivo Vieira, em diálogo com o Maisfutebol.

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