21 de maio de 2003.

Um dia que provavelmente os adeptos do FC Porto não vão esquecer tão cedo. Faz no próximo domingo vinte anos que a equipa então orientada por José Mourinho conquistou em Sevilha a Taça UEFA, frente ao Celtic, numa das finais mais ricas da história do futebol.

Como inclusivamente foi reconhecido pela própria UEFA.

No fundo foi o início da internacionalização de José Mourinho, que venceu o primeiro título internacional. Foi uma prova de fogo, para uma equipa a quem tudo aconteceu: Hélder Postiga estava castigado. Jankauskas lesionou-se no último treino, Costinha lesionou-se antes dos dez minutos, Nuno Valente foi expulso, Jorge Costa e Alenitchev arrastaram-se numa altura em que não havia mais alterações.

Depois, claro, as reviravoltas. Marca o FC Porto, empata o Celtic. Marca outra vez o FC Porto, empata o Celtic. E no prolongamento por fim a vitória.

No fundo, lá está, foi um jogo emocionante, cheio de reviravoltas, numa cidade que logo de manhã já atingia trinta graus e que por aqueles dias era tudo menos espanhola. Com 50 mil escoceses, muitos deles a dormir na rua, e 25 mil portugueses, era na verdade uma loucura.

Portugal não tinha uma equipa numa final europeia, de resto, há treze anos: desde que o Benfica tinha perdido frente ao Milan em 1990. Por isso o entusiasmo era enorme e evidente. O Estádio das Antas, recorde-se, encheu-se de milhares de adeptos à procura de um ingresso dois dias antes de as bilheteiras abrirem. Tudo junto, tornou Sevilha inesquecível.

Em forma de recordação, venha daí lembrar algumas das histórias mais engraçadas.

Revistas e crochet para ajudar a passar o tempo na fila por um bilhete

Os primeiros sócios à procura de um bilhete para Sevilha chegaram ao Estádio das Antas por volta das 23 horas de segunda-feira, munidos de cobertores e tendas para acamparem no local. As bilheteiras iriam abrir apenas às 10 horas de quinta-feira. Os primeiros quatro adeptos fizeram uma lista para salvaguardar a ordem de chegada, que depois foi entregue ao clube e evitou problemas maiores. Maria de Lurdes, de Castelo de Paiva, ocupava o primeiro lugar, ela que depois iria ceder o lugar ao marido para comprar os dois bilhetes permitidos. Até lá, pensava passar o tempo com revistas e crochet.

Filas atingiram quilómetro e meio, até Mourinho foi às Antas confirmar com os seus olhos

Estava previsto as bilheteiras abrirem apenas às 10 horas de quinta-feira, mas na quarta-feira a fila já tinha oito mil pessoas e estendia-se por quilómetro e meio. Por isso o FC Porto antecipou o início da venda umas horas. Para dar ânimo a quem já mostrava algum cansaço, Mourinho e a família foram às Antas visitar os adeptos que estavam na fila e conviver um pouco com eles. Pelo meio apareceram empresários de circunstância a vender comida, cadeiras e até a oferecerem-se para ocupar o lugar das pessoas na fila por 150 euros. Até que 38 horas e 40 minutos após o início da fila, foram vendidos os dois primeiros bilhetes.

As três avozinhas ultra a caminho de Sevilha

Na noite anterior ao dia de jogo, o Estádio da Antas foi ponto de encontro de vários adeptos que decidiram viajar nos autocarros fretados pelos SuperDragões. Entre centenas de jovens, destacavam-se três idosas: Maria Nair, Maria dos Anjos e Maria de Fátima Maia não são ultras tipo, mas confessavam que gostavam de acompanhar o FC Porto para todo o lado. Sevilha, claro, não podia faltar. Por isso lá se fizeram ao caminho, com o habitual farnel feito em casa: galinha estufada, pastéis de bacalhau, sandes, croquetes, rissóis, vitela assada e, claro, bom vinho português, porque whisky é coisa de escoceses que usam saias.

Dois bilhetes pela cadela desaparecida (ou o desespero de um avançado)

John Hartson falhou a final de Sevilha por lesão, mas antes disso foi notícia por outros motivos. A cadela dele, Jessie, de sete anos, tinha desaparecido e corria a notícia de que o avançado do Celtic iria oferecer dois bilhetes a quem a encontrasse. Após muitos telefonemas desesperados para a família, foi o próprio Hartson a descobrir o animal, o que o levou a lançar um alerta: podiam parar de aparecer à porta de casa dele com informações falsas.

F.C. Porto levou para Espanha um «agente infiltrado»

Chamava-se David Skiller e apareceu devidamente equipado com um kilt e um cachecol do Celtic, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, entre centenas de adeptos portistas. Depois embarcou no charter do FC Porto, entre a comitiva liderada por José Mourinho. Seria provocação? «Não, nada disso. Os voos entre Glasgow e Sevilha estão esgotados, por isso viajei para Portugal na esperança de encontrar um lugar num voo que partisse daqui. Percebi que ainda havia lugar no charter da equipa do F.C. Porto e agora vou para Sevilha», explicou.

Com o dinheiro para universidade dos teus filhos não!

Um adepto do Celtic gastou 1400 euros das poupanças da família para comprar um bilhete para a final no mercado negro, o que deixou a mulher furiosa. Por isso, o adepto entregou o bilhete a um amigo, dono de uma loja de doces, para tentar vendê-lo e recuperar o dinheiro. «Ele está muito embaraçado com esta situação. É fanático do Celtic e comprou o bilhete sem pensar nas consequências. Mas a mulher foi explícita», referiu o amigo Gerry O’Connor.

SuperDragões ultrapassam... Sérgio Godinho

O entusiasmo entre a família portista pela final de Sevilha era tão grande que aconteciam até as coisas mais improváveis. Por exemplo: o álbum «Porto Campeão», lançado pela claque SuperDragões, chegou ao primeiro lugar do Top de Vendas em Portugal exatamente na véspera da final da Taça UEFA. Para atingir o topo, os portistas ultrapassaram «O Irmão de Meio», de Sérgio Godinho, e «Sing Me Somethimg New», de David Fonseca.

Rod Stewart arranja bilhete e suspira de alívio

Rod Stewart já tinha alugado um avião para viajar para Sevilha, mas ainda nada de bilhete, o que o levou até a lançar um pedido de ajuda aos adeptos. Foi então que no domingo, três dias antes da final, os dois ingressos apareceram por fim, um para ele e outro para a namorada Penny Lancaster. O que deixou o cantor completamente derretido. Refira-se, de resto, que o avião de Rod Stewart levou para Sevilha uma constelação de estrelas: Jim Kerr (Simple Minds), Billy Connolly (comediante), os irmãos Gallagher (Oasis) e os Westlife.

O adepto que ganhou um bilhete por cumprimentar Valentim Loureiro

A sorte por vezes vai ter com quem menos a procura. Paulo Sousa, empregado de café e sócio do FC Porto, não tinha planos de ir a Sevilha, até porque não tinha dinheiro para isso. Foi ao aeroporto despedir-se da equipa e desejar sorte aos jogadores, posicionou-se junto da porta de embarque e cumprimentou Valentim Loureiro. «Ele perguntou-me onde é que eu vivia, respondi-lhe que sou da Sé e depois, sem eu esperar, deu-me um bilhete.» Ali estava ele, aquele papelinho mágico, para o comprovar. «Agora estou a pensar numa forma de ir.»

Meteu férias do campo de petróleo e nem sequer foi a casa... depois é que foi pior

James Tolmie era um escocês de 45 anos, adepto do Celtic, que trabalhava em campos de petróleo há 27 anos. A final de Sevilha apanhou-o no Brunei, James conseguiu meter uns dias e viajar para Sevilha, o que enfureceu a mulher, que já não o via há meses. «Escrevi-lhe uma carta a explicar o quão importante isto é para mim. Ao fim de alguns dias de discussão, acordou-me às quatro da manhã a dizer que eu podia ir. Chorei como uma criança. Para a compensar, vou ter de ficar com as crianças enquanto ela vai de férias para a Índia», contou.

Bilhetes abençoados? Sim, também os houve

O padre John Creanor, da paróquia de Galashiels, teve uma ideia genial para arranjar fundos para compor o teto da igreja: promover um leilão de dois bilhetes, que lhe tinham sido oferecidos por um adepto de 19 anos, depois de o padre conseguir que a avó dele conhecesse o Papa em Roma. Dois dentistas chamados Kevin Deane e James McIntyre ofereceram 1200 euros cada um, ganharam o leilão e viajaram para Sevilha com um bilhete... abençoado.

De jebe tu de jebere seibiunouva majavi an de bugui an de guididipi

A música «Aserejé», das espanholas «Las Ketchup» foi o tema escolhido pela UEFA para banda sonora e foi tocada ao vivo no Estádio Olímpico, antes do início da final entre o F.C. Porto e o Celtic. «Aserejé», recorde-se, tornou-se famosa por ser acompanhada por uma coreografia... vamos chamar-se peculiar, e tinha sido um grande sucesso no verão anterior.

Celtic aterrou no meio da Feira do Cavalo de Jerez

O Celtic quis afastar-se do rebuliço de Sevilha nos dias anteriores ao jogo e instalou-se em Jerez de la Frontera, a 80 quilómetros do palco da final. Até aqui tudo bem. O problema é que o Celtic aterrou literalmente no meio da Feria del Caballo: uma conceituada feira equestre, que decorria do outro lado da rua do Hotel Jerez, onde estava sedeada a comitiva escocesa. O próprio hotel escolhido pelo Celtic, aliás, estava cheio de turistas que tinham ido para a feira.

Final podia ser acompanhada... até nos ecrãs do metro do Porto

Há vinte anos Portugal parou. No programa da sessão plenária da Assembleia da República, por exemplo, havia quatro petições, dois projetos de resolução e... um jogo de futebol. Metade dos deputados tinha viajado para Sevilha, a outra metade foi ver o jogo num jantar organizado por Marques Mendes nas Docas. Em Lisboa, de resto, houve também um miniestádio com lugar para 1500 pessoas, sendo que também foram colocados ecrãs gigantes no centro do Porto, no Casino da Póvoa, no Cais de Gaia e em dezenas de cidades. Até o sistema de ecrãs do Metro do Porto serviu para transmitir informações sobre o jogo.

Rei dos streakers invadiu relvado nu e tentou fazer golo a Vítor Baía

Estava tudo pronto para começar a segunda parte, quando algo imprevisto aconteceu: Mark Roberts furou a segurança e entrou no relvado todo nu. O Rei dos Streakers, como na altura era conhecido, já tinha avisado que o ia fazer, mas pelos vistos ninguém o levou a sério. Então o homem entrou no relvado, mostrou um cartão vermelho ao árbitro Lubos Michel, correu com a bola por entre os jogadores e tentou marcar na baliza do FC Porto. Vítor Baía não lho permitiu e logo a seguir apareceram os seguranças. Deve ter sido premonitório.

Pinto da Costa teve de receber assistência médica

Nem tudo foi perfeito na noite de Sevilha. Pinto da Costa, por exemplo, precisou de receber assistência médica a poucos minutos do final do jogo. Tudo aconteceu depois de Derlei fazer o 3-2, já no prolongamento, quando Pinto da Costa sentiu uma dor forte no peito. «Já estou bem. Senti uma dor intensa e fui assistido por um médico, mas estou recuperado para celebrar a vitória», disse ainda no Estádio Olímpico. Curiosamente, Pinto da Costa não esteve depois no Estádio das Antas, onde cerca de 30 mil adeptos se juntaram para receber a equipa. 

A maior invasão de adeptos da história de Sevilha

Sevilha recebeu para a final da Taça UEFA maior deslocação de adeptos desde sempre na cidade, segundo revelou Rafael Carmona, director do Estádio Olímpico de Sevilha. Foram cerca de 75 mil pessoas vindas de fora, entre 50 mil escoceses e 25 mil portugueses. Uma verdadeira loucura que rendeu 15 milhões de euros em turismo. Só nos três dias anteriores ao jogo, aliás, viajaram de Glasgow um total de 147 voos charter. Também de Portugal seguiram três centenas de autocarros e onze voos charter só no dia do jogo. Vinte mil escoceses e cinco mil portugueses não tinham bilhete e seguiram o jogo através de ecrãs gigantes.