Qual foi a sua cena preferida de «Paixões Unidas»? Não se lembra? Ah: não se lembra de um filme com esse nome? Ok, não vale a pena preocupar-se: o contrário é que seria motivo para espanto.

Estreado em Portugal a 3 de julho, em plena febre do Mundial, o filme, rodado em França, Brasil, Suíça e Azerbaijão, propunha-se contar a história da FIFA e do Campeonato do Mundo, de 1904 até à atualidade. Com direito a exibição em 15 ecrãs, nas salas NOS-Lusomundo, saiu de cena sem deixar rasto, à segunda semana, apesar de três atores famosos como cabeça de cartaz: Gerard Depardieu (a fazer de Jules Rimet), Sam Neill (João Havelange) e Tim Roth (Sepp Blatter). Tinha atraído menos de mil pessoas às salas e gerado uma receita a rondar 5 mil euros. A média de 41 espectadores por sala, ou de
dois bilhetes vendidos por sessão, corresponde àquele patamar que muda categorias: «Paixões Unidas» não teve propriamente espectadores, teve testemunhas embaraçadas.

Não foi só Portugal a virar costas a este épico orçado em 24 milhões de euros: com estreia comercial em apenas seis países, «Paixões Unidas» rendeu até outubro 160 mil euros, com a maior parte da verba (114 mil) a provir do mercado russo. Não será coincidência: com o Mundial 2018 a caminho, a Rússia será um dos poucos países onde a cotação de Blatter ainda vai estando em alta.



Em junho, depois de uma estreia no festival de Cannes que não augurava nada de bom, Tim Roth demarcava-se da história e da sua personagem, em declarações ao The Times: «Quando li o guião pensei: onde está a corrupção, as traições as negociatas? Não foi fácil, tentei introduzir alguns desses aspetos, como pude», desculpou-se. Blatter, por sua vez, mostrava-se satisfeito com a sua versão melhorada no ecrã: «Neste caso, o casting foi bem feito, temos qualidades em comum», afirmou, naquele tom de brincadeira de quem se leva muito a sério.

A passagem do filme no festival de Zurique, neste fim de semana, não fez nada para lhe abreviar a agonia: por entre críticas demolidoras, apenas 120 espectadores compareceram numa sessão prevista para 500, tornando pelo menos duvidoso o seu sucesso nas salas suíças. Em França, esse problema nem sequer se pôs, já que «Paixões Unidas» não chegou a estrear-se, indo diretamente para o mercado de DVD. Em Itália, o filme teve estreia direta na TV, a horas mortas. E em Inglaterra, onde a cotação de Blatter bate recordes negativos, ninguém lhe comprou os direitos, o mesmo acontecendo nos Estados Unidos.

O gancho narrativo escolhido pelos argumentistas, Frédéric Auburtin e Jean-Paul Delfino, ajuda a explicar o flop. O projeto, financiado a 90 por cento pela FIFA, centrava-se na história dos dirigentes que a fundaram e lideraram, de Robert Guérin a Sepp Blatter. Em comum, como o título sugere, teriam uma paixão avassaladora pelo futebol e uma vontade de espalhar paz e harmonia na terra, com um inabalável sentido de ética e justiça, personificado pelo próprio Sepp Blatter.

A dada altura, a forma mais subtil encontrada para passar a mensagem foi pôr o dirigente, interpretado por Tim Roth, a dizer mesmo, textualmente: «Tudo o que fiz até hoje foi para o bem do futebol». E, mais à frente, a sua personagem deixa um aviso solene aos estrategas de marketing da FIFA: «Atenção, a mínima violação à ética será duramente punida». Entusiasmado com a descrição? Pois: se a perspetiva de fechar-se num quarto durante 110 minutos para ver secar a tinta nas paredes lhe parece mais estimulante é capaz de ter razão: os 715 espectadores que se dignaram avaliar o filme no site IMDB deram-lhe a nota média de 3,2 em 10.

Veja o trailer e julgue por si mesmo: