Nem parecia que o FC Porto estava a atravessar o maior jejum de golos da sua história. Nem parecia que, após quase três dezenas de remates à baliza do Sp. Braga e com o sexto empate seguido à espreita, equipa e adeptos enredavam-se numa espiral de ansiedade justificável a quem já não marcava há 520 minutos. Quando, primorosamente isolado por Diogo Jota, Rui Pedro picou a bola sobre Marafona para o fundo da baliza – garantindo a vitória ao FC Porto aos 90+5 – o Dragão explodiu de alegria, mas para ele aquele momento de classe e frieza fez-se com a naturalidade de quem jogava no recreio da escola em Castelo de Paiva.

A história do jovem avançado de 18 anos eleito como figura da 12.ª jornada da Liga para a redação do Maisfutebol, começou precisamente no recreio da escola, quando a professora de Educação Física Carla Pereira alertou o marido Luís, jogador do plantel sénior e treinador dos infantis do Sport Clube Paivense, conhecido no meio futebolístico por Parente, para o talento que aquele seu aluno tinha para o futebol.

«Ela chegava a casa e dizia-me: “Tenho lá na escola um miúdo a jogar futebol que é qualquer coisa de fenomenal…” Então, fui ver o torneio interescolas de futebol de 5 de Cruz da Carreira, em que ele participou, e fiquei impressionado: era ele a passar pelos outros miúdos todos. Convidei-o para vir treinar e mal começou no Paivense mostrou que era diferente. Tinha pormenores de classe, visão de jogo, qualidade na receção, velocidade... Mostrava frieza, inteligência… Tudo muito natural. Fazia coisas como encarar o guarda-redes e picar-lhe a bola para cair onde ele queria, precisamente como aconteceu agora na estreia a marcar pela equipa principal do FC Porto», recorda Luís Parente, detalhando ao Maisfutebol como as dificuldades financeiras da família quase hipotecaram as hipóteses de Rui Pedro no futebol. A tal ponto que as primeiras chuteiras do miúdo tiveram de ser emprestadas por Rui Picão, um médio do plantel sénior do Paivense – que chegou a representar o Penafiel na II Liga, em 1995/96, conta Parente:

«Ele não tinha chuteiras para treinar, mas calçava 40 e eu 43, pelo que tive de pedir umas emprestadas ao Picão, meu colega nos seniores. Passado uns tempos, num treino, ele disse-me: “Mister, está a começar a doer-me os dedos.” E fomos comprar um par de chuteiras numa loja de desporto ao lado da confeitaria em que tomávamos o pequeno-almoço. O pai e a mãe do Rui Pedro estavam desempregados e vivam com algumas dificuldades. Eu fui ajudando como podia. Ia buscá-lo a casa, pagava-lhe a mensalidade no clube... Até que ele no ano seguinte deixou de aparecer, porque vivia em Pedorido, na parte de baixo do concelho, a 15 quilómetros do centro de Castelo de Paiva e não era fácil arranjar transporte diário para os treinos.»

Rui Pedro esteve um ano parado, até que António Sousa, que treinava os iniciados, soube da história e convenceu o Paivense a abdicar da mensalidade e tratar do transporte para convencer o rapaz, então com 13 anos, a regressar para integrar a equipa.

Nem Rui Costa, nem o DVD o convenceram a ir para o Benfica

A aposta não podia ser mais certeira, como se provou logo no primeiro jogo: Rui Pedro entrou ao intervalo com o Paivense a perder 0-2 frente ao Feirense, marcou dois golos e fez uma assistência; só não deu a volta ao marcador por completo porque os visitantes acabaram por empatar 3-3 num livre em cima do final.

António Sousa conta-nos o episódio:

Ele entrou para a segunda parte e logo na primeira jogada sentou o guarda-redes e fez golo. Marcou outro e fez uma assistência. Mal o jogo acabou o treinador do Feirense veio ter comigo a dizer: “Está a gozar comigo ou quê? Então tinha um jogador destes no banco?!”. “Ele chegou só agora…”, justifiquei-me. Não demorou muito a aparecerem meia dúzia de clubes atrás dele. O coordenador do departamento de prospeção do Benfica veio propositadamente aqui a Castelo de Paiva vê-lo e ao intervalo disse-me: “Já está tudo visto. Este miúdo tem de ir para o Benfica…”»

Rui Pedro até vestiu a camisola encarnada num torneio particular no Seixal, onde foi o melhor marcador. Após esse teste, o Benfica enviou-lhe um DVD com fotos do torneio e mensagens dos capitães das outras equipas, como forma de o sensibilizar a assinar pelo clube e até Rui Costa, administrador da SAD encarnada, tentou sem sucesso convencer a família.

No meio deste turbilhão, um teste em Inglaterra no Chelsea, sem convencer os responsáveis do clube londrino, outro no V. Guimarães, outro no Sp. Braga… Um interesse tardio do Sporting, alertado pelos relatórios de um olheiro da zona. E, claro, o FC Porto, que tal como o Benfica estava em cima do jovem talento desde o início desse primeiro ano como iniciado, em 2011/12, em que Rui Pedro começou a ser representado pelo empresário paivense Armando Silva, ex-jogador do Beira-Mar, que trabalhava com Jorge Mendes.

Golos de Rui Pedro no FC Porto:

«Ele preferiu o FC Porto porque era o clube do coração dele e, além disso, era mais perto de casa. Aliás, nessa primeira época, o FC Porto queria contratá-lo logo em janeiro, mas em agradecimento ao que o Paivense fez por ele ficou no clube até ao final do ano», lembra José Luís Soares (19 anos), colega de equipa de Rui Pedro nos iniciados e atualmente lateral-esquerdo dos seniores do clube dos distritais de Aveiro, recordando ainda a alcunha do companheiro que agora brilha no Dragão: «Era o Falcao! Era o ídolo dele, porque tinha um estilo semelhante de jogar lá na frente e até usava o cabelo comprido.»

O grande salto e os passos seguidos pelo irmão mais novo

O «Falcao de Pedorido» fez logo 42 golos no primeiro ano nos sub-15 do FC Porto. Seguiu-se o Padroense, que funciona como equipa-satélite dos portistas para que os sub-16 evoluam mais rapidamente e possam competir no campeonato nacional de sub-17, e aí quem o conheceu garante que já todos sabiam que se tratava de um jogador acima da média.

Rui Pedro foi saltando escalões e Julen Lopetegui chamou-o a treinar com a equipa principal em novembro de 2014, quando tinha apenas 16 anos. Desde essa altura o prodigioso ponta-de-lança portista representou os Sub-17, os Sub-19, a equipa B e agora a equipa principal do FC Porto. Sempre a marcar. Neste momento, é o maior goleador da atual edição da UEFA Youth League (6 golos) e de poder estrear-se na Liga dos Campeões pelo FC Porto já esta quarta-feira na receção ao Leicester City.

A vida está a mudar a um ritmo vertiginoso. Recentemente, trocou o lar do FC Porto para viver num apartamento. O pai, Hernâni, e a mãe, Susana, recearam a mudança, que deixa mais por sua conta o jovem de 18 anos.

António Sousa, que após na época passada ter trabalhado na escola portista Dragon Force voltou aos escalões de formação do Paivense, tranquilizou-os e acredita que a humildade de Rui Pedro vai fazê-lo triunfar gradualmente, ultrapassando o pico mediático que o sucesso do golo ao Sp. Braga desencadeou.

Rui Pedro abraçado por André Silva, Diogo Jota e Rúben Neves. Os miúdos do FC Porto celebram o golo

«Acho que ele está imune às vaidades. Como jogador destacava-se pela qualidade técnica, velocidade, controlo de bola... Mas sobretudo pelo trabalho, pela humildade e por ter muito boa noção do jogo coletivo. Ele sabia que era craque, mas não queria resolver tudo sozinho», conta o técnico, que falou com Rui Pedro depois do jogo que o projetou para o estrelato e encontrou-o «confiante e feliz». «"Estamos sempre juntos", respondeu-me.» Em Castelo de Paiva, não faltam familiares e amigos que tenham felicitado o jovem pelo momento. A professora Carla também trocou mensagens com o seu antigo aluno.

Rui Pedro tem retribuído a atenção e no Sport Paivense esperam por ele para o jantar de Natal. Além da mão cheia de amigos que chegou ao plantel principal do emblema de Castelo de Paiva – incluindo o «cunhado» Vítor Almeida – a ligação ao clube fortaleceu-se por estes dias. Na segunda-feira da semana passada, o irmão mais novo de Rui Pedro fez o primeiro treino na equipa de benjamins do Paivense.

Tiago, de 10 anos, tem boleia e treinou com um par de chuteiras novas.