O União da Madeira deu um passo de gigante para conseguir a manutenção na Liga ao vencer, no domingo, a Académica em casa por 3-1. Élio Martins, que bisou e assistiu Gian para o terceiro, foi a grande figura do encontro.

Com isso, recebeu nota máxima (5) do Maisfutebol e acabou por ser eleito a Figura da Jornada 32. Islam Slimani, do Sporting, pela ação decisiva no Clássico do Dragão, recebeu nota semelhante, mas, como critério de desempate, optamos pelo madeirense porque o argelino, além de ter menos uma assistência, já foi o destaque de outras rondas.

Élio, apesar de uma passagem discreta pela Liga, numa temporada marcada por lesões graves que lhe roubaram minutos (e golos, sublinha o próprio), veio bem a tempo de ser protagonista nos momentos decisivos.

Aos 31 anos está a terminar o contrato com o União e espera para que o objetivo da manutenção esteja matematicamente conseguido (pode ser já para a semana) para decidir os próximos passos a nível pessoal.

Numa conversa sempre com boa disposição à mistura, brincou com a possibilidade de apanhar Jonas na lista de goleadores e deixou um pedido ao antigo rival das escolinhas Cristiano Ronaldo: um avião para a mãe, Dolores, ir ver mais jogos do União. «Ela dá sorte», explica.

Élio Martins festeja frente à Académica

Marcou dois golos, assistiu para o terceiro e recebeu nota máxima do Maisfutebol, na vitória do União sobre a Académica. Foi o jogo da época para si?

Sem dúvida alguma. Dois golos e uma assistência, num jogo que para nós foi como a final da Liga dos Campeões. Demos um passo quase certo rumo à manutenção. Não entramos em grandes festejos, porque ainda faltam duas jornadas e no futebol há muitas reviravoltas. Mas sentimos que está perto. Foi um passo muito importante ganhar à Académica cá em casa. Houve uma grande união entre todos, dentro e fora de campo.

Mesmo que não o admita, só uma surpresa muito grande inverteria o rumo que parece traçado, não é?

Sim, mas falta um ponto. A manutenção é um prémio justo para o União. Há que salientar que é uma equipa toda nova, um plantel todo novo num ano de regresso à Liga, muitos anos depois. Tem sido um ano ‘aos empurrões’, mas, graças a Deus, estamos mais perto da meta.

E que balanço faz, então, desta época, a duas rondas do fim?

A nível pessoal, vou ser sincero, podia ter sido muito melhor. Mas nós não conseguimos controlar o nosso corpo e, por azar, tive duas lesões graves, cada uma com paragem de dois meses. Uma foi rotura de ligamentos. Isso prejudicou-me imenso. Talvez pudesse ter ajudado mais o União. Talvez tivéssemos conseguido muito mais rápido os nossos objetivos porque estaria lá para ajudar com golos, com assistências…

Marca na primeira jornada e depois só marca outra vez na 30ª. E agora, num jogo, faz tantos golos como no resto da época toda…

Pois. Eu estava bem, estava a jogar e o treinador estava confiante em mim. Tive uma lesão grave em Guimarães e a partir daí as coisas nunca mais foram iguais. Voltei a sofrer uma lesão na véspera da receção ao Boavista. Depois é complicado voltar à grande forma.

A festa do União depois da vitória que permite chegar aos 29 pontos

A época está a terminar, na fase em que o Élio está melhor.

[Risos] Exato. Era bom que o União tivesse garantido a manutenção, mas ainda faltassem mais quatro ou cinco jornadas a ver se eu ainda encostava ao Jonas [mais risos]. Estou a brincar, claro, mas se não fossem as lesões teria muitos mais golos, de certeza. No ano passado marquei 15 na II Liga, sei que a Primeira é diferente mas teria mais certamente.

Qual é mais especial: ajudar a subir o União ou ajudar agora à manutenção?

São sensações diferentes. A luta para subir dá pica. Dá muita pica, mesmo. Até porque o União já não estava na Liga há 21 anos. Garantir a manutenção é como ganhar a Liga dos Campeões, autenticamente. Adoro viver com pressão, adoro estes momentos. Dá-me alegria jogar com pressão. E acho que merecemos cá ficar na Liga e vamos poder corrigir os erros desta época, porque esta equipa é inexperiente, e ver se para o ano não andamos cá ‘aos empurrões’.

E o Élio fica no União para ajudar?

Falta um ponto para o objetivo. Depois logo veremos. Acaba o meu contrato, mas foi opção minha assinar um ano apenas. No final veremos o que acontece.

É um dos poucos madeirenses do plantel. Fazem falta jogadores locais ou já é indiferente no futebol moderno?

O clube está a crescer e se Deus quiser as coisas vão melhorar daqui para a frente. Hoje as Divisões inferiores não são tão fortes como há uns anos, há menos meios financeiros e os jogadores são essencialmente amadores e fica complicado arranjar novos nomes nesse mercado. Mas os jogadores madeirenses têm sempre um perfume diferente no seu futebol [risos]. E também para integrar quem vem de fora. Os madeirenses são excelentes pessoas, gostam de ajudar.

Uma das surpresas para os estrangeiros deve ser o Estádio da Ribeira Brava, onde jogam, pelo envolvimento paisagístico nada habitual, não?

Um bocado. O Estádio fica, tipo, numa vala. É curioso. A paisagem é fenomenal. A Madeira tem evoluído imenso em termos de turismo e de desporto. É bom para a ilha. Ter três equipas madeirenses na Liga também é bom para o Turismo e toda a gente fica a ganhar com isso. É pena é termos de pagar para jogar. Somos a única equipa da Liga que paga para jogar em casa. Temos vindo a crescer, temos já um Complexo de Treinos e já é de louvar.

A paisagem envolvente ao Complexo Desportivo da Madeira

Diz que é bom ter três equipas madeirenses na Liga, o que contraria o desejo explícito do presidente do Marítimo, Carlos Pereira, que assumiu preferir que o União descesse. Como viu essas declarações?

Deve ter as suas razões. Não vou criar polémicas. Ele tem a sua opinião e eu tenho a minha. Vale a pena ter três equipas, porque só chama turismo e dá nome à Madeira. Com isso todos saem beneficiados. Ele lá sabe. Eu estou preocupado é com o União e não com o Marítimo.

Voltando um pouco atrás, na sua carreira destacam-se duas passagens pelo estrangeiro. Primeiro o Chipre depois a Bulgária. Boas experiências?

Fui para o Chipre por indicação do mister [André] Villas-Boas, que tem o mesmo empresário que eu. Ele era amigo do treinador do DOXA, o Niki [ndr. Nikodimos Papavasiliou], que jogou no Newcastle [ndr, entre 1993 e 1995]. Tiraram o curso juntos na Escócia. Eles precisavam de um extremo esquerdo. Eu tinha sido campeão com o Leonardo Jardim no Beira-Mar, tinha sido um dos jogadores revelação da II Liga e chegaram até mim.

Esteve com o Leonardo Jardim no Desp. Chaves e no Beira-Mar. Foi um treinador importante no início da sua carreira?

Sem dúvida. E podia ter sido ainda mais cedo. Quando estava no Machico, na II B, ele queria que eu fosse para a Camacha, mas não quis trocar. Depois quando ele foi para o Desp. Chaves lembrou-se de mim outra vez e aí aceitei. Fui jogar para extremo esquerdo. As coisas correram bem, subimos o Chaves para a II Liga, ele foi para o Beira-Mar e levou-me com ele. As coisas voltaram a correr bem, marquei 7 golos, um deles, de calcanhar, que até foi considerado dos melhores a nível mundial nessa época.

Veio, então, o Chipre…

A situação financeira do Beira-Mar não ajudava e pedi para sair. Nem tinha ainda contado ao Leonardo [Jardim] que ia para o Chipre. Fui, então, através do Villas-Boas, que me conhecia de jogos treino do tempo da Académica e por termos o mesmo empresário. O Niki gostou de mim, mas as coisas lá era muito amadoras e em dezembro voltei ao Beira-Mar. A equipa já estava a lutar pela Europa, mas a direção queria era vender jogadores, não tinha condições financeiras para as provas europeias. Por causa disso, o Leonardo até saiu antes do final da época. Eu fiquei e depois ainda outro ano até que surgiu a hipótese da Bulgária.

E como foi lá?

O início foi complicado, mas depois as pessoas adoravam-me. Conquistámos uma Taça, marquei dois golos na final contra o Levski Sofia, que é o Benfica de lá, e ainda ganhámos a Supertaça e fomos à Liga Europa. Depois o meu miúdo ia entrar para o primeiro ano de escola e tive de pensar também nele e na família. Achei por bem voltar. Tive uma proposta do Marítimo, mas a do União, financeiramente, era melhor.

Élio em ação frente ao Sporting

Marca golos, joga como avançado, outras vezes atrás dele, já recordou que também pode ser extremo. Afinal que tipo de jogador é?

Sou um jogador mais coletivo do que individual. Se fosse mais individualista ou arriscasse mais, se calhar ganhava mais dinheiro.

[Risos]

Está a rir-se mas olhe que acho mesmo que tinha mais propostas…Mas pronto, fui habituado assim, sempre mais na raça, mais polivalente, mais coletivo, a pensar sempre primeiro nos objetivos do clube. Foi assim que aprendi com o Leonardo.

E os treinadores costumam gostar de jogadores assim…

Dizem que sim, mas quando é para contratar é mais complicado…[risos] Na hora de contratar querem é os que passam o pé por cima da bola e façam um truquezinho aqui e outro ali. O Leonardo Jardim é diferente. E parece-me, visto de fora, que o Jesus também. Gostam mais de jogadores polivalentes, que ajudam o grupo e com apetite ganhador. Olhe, o Vítor Oliveira também era assim.

Se calhar por isso é que tem o sucesso que tem na II Liga…

Exatamente. Ele adorava-me bastante e eu adorava-o também. Discutíamos algumas vezes, mas o normal.

Ele está quase a fazer outra festa…

É, está quase. É já para a semana…

Vítor Oliveira nos tempos do União

O União também é conhecido pelo patrocínio do Museu do Cristiano Ronaldo...

[Interrompe] Recebemos ontem a nossa madrinha [ndr. Dolores Aveiro] lá no balneário. Sempre que ela vem dá-nos sorte. A última vez tinha sido contra o Sporting e ganhámos. Ela tem de vir mais vezes. O Ronaldo tem de disponibilizar o avião para ela vir cá apoiar-nos.

E o Ronaldo, alguma vez mandou alguma mensagem?

Não, não. Tem mais em que pensar. O irmão, o Hugo Aveiro, apoia-nos muito. Está sempre a vir ao Estádio e a mãe, lá está, também vem de vez em quando. Sobre o Ronaldo, olhe eu devo ser dos poucos que joguei contra ele na altura em que ele estava no Andorinha e eu no Machico.

E já dava para ver o talento?

Vou ser sincero, era mentiroso se viesse para cá dizer: ‘ei o Ronaldo jogava muito à bola’. Não me lembro de nada. Quando ele começou a aparecer, fui então ver as fotos e aí sim: ‘ok este era o Ronaldo’. O Machico era uma equipa muito forte nas escolinhas e infantis, enviava muitos jogadores para os grandes da Madeira. Mas em termos financeiros era muito complicado e os jogadores da formação nunca eram muito bem vistos. Era um clube com muito, muito dinheiro. Para uma II Divisão B então…Há clubes na Liga que pagam tanto como o Machico pagava na II B, naquela altura. Outros tempos…