João Mário fez no domingo em Barcelos o primeiro jogo completo pelo Sporting. Aos 21 anos, 12 de Alvalade, foi titular pela primeira vez e o leão cresceu com ele. O miúdo em quem muitos já viam o futuro do meio-campo dos leões, que passou metade da época passada a crescer em Setúbal, parece ter acabado com as dúvidas. Chegou para ficar, desta vez?

No regresso de Barcelos, João Mário recebeu um telefonema especial. Do outro lado estava Wilson Eduardo, que fez esta época o caminho inverso, saindo do Sporting por empréstimo rumo à Croácia. «Não vi o jogo porque estava a jogar à mesma hora, só vi o resumo. Mas pelo que vi não fiquei surpreendido, nem pelas notícias que tenho visto acerca da exibição do meu irmão», conta Wilson ao Maisfutebol. «Sempre disse que a qualidade está lá, bastava ele ter a oportunidade para a demonstrar.»

«Ele está contente, naturalmente. Mas sabe que é o começo e tem de trabalhar para continuar da mesma forma», diz ainda. Palavra de irmão mais velho: «É o que tento sempre passar, apesar de sabermos que ele tem muita qualidade, ele sabe que tem de trabalhar, as exigências vão sendo cada vez maiores e não vai conseguir responder-lhes apenas graças à qualidade.» E um conselho: «O que lhe disse é o que ele sabe: elogios toda a gente dá quando tem que dar, mas quando não corre bem as coisas mudam muito rapidamente. Disse-lhe para continuar a trabalhar da mesma forma.»

João Mário tem a cabeça no lugar para enfrentar o que aí vem, garante Wilson Eduardo, falando de um jovem que é fora do campo parecido com o que vemos lá dentro. Calmo, tranquilo, maduro: «Fora de campo acaba por ser exatamente a mesma coisa. Muito calmo, mesmo nas férias não gosta de grandes festas. Vai aos sítios, claro, mas não gosta muito de sair, de ir para a noite. O que ele transmite dentro de campo é o que é também fora.»

Em Barcelos, João Mário confirmou todas as impressões de quem apostava nele há muito tempo. Era muita gente, diga-se. Em fevereiro de 2013, o Maisfutebol publicou um trabalho em forma de inquérito aos treinadores da Liga sobre quem seria o próximo produto da formação dos leões a afirmar-se como craque. João Mário, respondeu a maioria.

Nessa altura João Mário era referência da equipa B dos leões. Tinha tido até então duas oportunidades na equipa principal: a 14 de dezembro de 2011, com Domingos como treinador, entrou a 15 minutos do final na derrota frente à Lazio (2-0) que encerrou a fase de grupos da Liga Europa, partida que os leões jogaram com o apuramento já garantido. Só voltaria a entrar em campo na época seguinte: em fevereiro de 2013, de novo menos de 15 minutos na derrota frente ao Marítimo para a Liga, dias antes de Domingos deixar o Sporting.

«Podia ter tido mais oportunidades no segundo ano»

Passou o resto dessa temporada, mais uma época inteira, e agora ainda mais dois meses até João Mário ter uma oportunidade sólida na equipa principal dos leões. É inevitável passar por momentos de ansiedade, admite Wilson Eduardo, esta longa espera por um lugar ao sol. «Claro que sim. Depois da época que fez na equipa B, no primeiro ano de sénior, podia ter tido mais oportunidades no segundo ano.»

Não teve, e a melhor opção foi a saída temporária, diz o irmão. Passou seis meses em Setúbal. Chegou e foi desde logo aposta sólida de José Couceiro na equipa sadina. Fez 16 jogos, foi eleito em dois meses melhor jovem da Liga.

Cresceu em Setúbal. Fez-lhe bem, diz Wilson Eduardo, para quem a passagem pelo Bonfim deu ao futebol de João Mário «capacidade de trabalho». «Era algo que faltava ao jogo dele. É uma equipa que joga com uma base de organização defensiva, em contra-ataque. Coisas que equipas pequenas, com menos poderio no campeonato, fazem. Foi benéfico para ele.»

Vítor Paneira foi um dos treinadores que apostou em João Mário, no tal inquérito do
Maisfutebol, era então técnico do Tondela. Também ele acha que fez bem ao médio a passagem por Setúbal. «É um jogador com talento. Cheguei a defrontá-lo, via-se perfeitamente que era acima da média. Tem qualidade técnica, é muito evoluído, lê facilmente o jogo de rotura, é um jogador de último passe», analisa o técnico.

«Esses jogadores precisam de jogar. Acho que lhe fez bem ir para o V. Setúbal. Cresceu, é normal também, os jogadores vão percebendo os campeonatos em que estão a jogar», afirma o antigo internacional português, para quem a evolução de um jogador é um processo, que tem de passar por várias etapas. «E agora no Sporting a integração tem de ser feita aos poucos. É preciso esperar e ter paciência. O melhor timing? É sempre aquele que aparece na altura», defende.

A oportunidade para João Mário chegou agora, com Maribor como ponto de viragem. Na estreia do Sporting na Liga dos Campeões, na quarta-feira passada, com nulo ao intervalo, Marco Silva decidiu mudar o meio-campo. Fez sair André Martins, a principal opção neste início de época, e entrar João Mário. O impacto do médio foi positivo, no período em que os leões chegaram ao golo, antes do balde de água fria que foi o empate dos eslovenos ao cair do pano.

Quatro dias mais tarde, em Barcelos, João Mário teve finalmente a primeira oportunidade a titular. Foi o seu segundo jogo na Liga pelos leões, e foi em cheio. Jogou, fez jogar e fez as assistências para os dois golos que selaram a alegre goleada do leão.

Aos nove minutos iniciou sobre a esquerda o lance que resultou no primeiro golo do Sporting, um passe a indicar o caminho para acabar com as inquietações do leão, a entrar na quinta jornada com apenas uma vitória na Liga. Depois, fez um passe de veludo para Slimani marcar o 3-0, a seguir protagonizou uma grande combinação com Nani, que acabou no remate de Carrillo para o 4-0.

O futuro para João Mário é agora. Um talento português, numa altura em que tanto se fala de jogadores para a seleção. Presença sólida nos sub-21, chegou a estar pré-convocado por Paulo Bento para o Mundial.

São boas notícias para Portugal, neste cenário de indefinição e dúvidas em torno da seleção. E para Vítor Paneira é mais uma confirmação de que há talento, sabendo procurar e dar espaço aos jogadores. «A necessidade, ou seja, os problemas financeiros, têm levado os clubes a apostar mais em jogadores portugueses. Começa a haver mais oportunidades, a perceber-se que temos talento. Há clubes que já estão a fazer essa pesquisa no Campeonato Nacional de Seniores, como O V. Guimarães ou o Gil Vicente», diz o agora treinador do Varzim, esperando que esse caminho seja sólido: «É um debate que se faz há anos. Os talentos em Portugal são enormes. Mas, por várias razões, os clubes preferem ir buscar jogadores lá fora.»

Em Portugal, paradoxalmente, o caminho parece mais difícil para jogadores portugueses do que para estrangeiros. É histórico, diz Vítor Paneira, ele que passou por essa afirmação no Benfica. «É normal. Passei por isso como jogador. A prata da casa é sempre o elo mais fraco. É mentalidade», observa, acreditando que, aos poucos, vai mudando: «Acho que as pessoas cada vez mais estão a perceber que há talento e que têm de dar mais oportunidades aos portugueses.»