«Apareci para gravar um anúncio de TV para a Pepsi, em Barcelona, no qual o realizador tinha os melhores jogadores do mundo à disposição. Ele era norte-americano e não tenho a certeza se ele sabia muito de soccer. Antes de chegar para filmar a minha parte, tipos como Ronaldinho tinham-no deixado estupefacto com o trabalho de pés enquanto o Thierry Henry tinha brilhado através de um exercício especial. O realizador estava visivelmente impressionado. Equipei-me, fui para o set e aguardei instruções.

- "Ei Frank", disse ele. "Faz o que sabes."

Fiquei a olhar para ele. "Faço o quê?"

- "Tu sabes. Os teus movimentos. Aquilo pelo qual és famoso."

Pensei durante um segundo.

"Faço desarmes. Remato. E marco golos de fora da área."

FRANK LAMPARD, em Totally Frank

Aos cinco anos, Frank Lampard já passava as tardes a trocar bolas com o lateral-esquerdo do West Ham. Noutras, ia até casa do tio, em Bournemouth, e ocupava o dia com uma bola e o futuro capitão do Liverpool: o primo Jamie. Dificilmente Frank James Lampard poderia ter sido outra coisa que não uma estrela da Premier League.

Camisola 8 do Chelsea durante 13 anos, só usou um outro número: o 18 no West Ham e no Manchester City. Também jogou no New York City FC, o último clube que representou. Nesta quinta-feira, anunciou o final de uma carreira brilhante e para a qual esteve sempre destinado. O próprio tio, treinador do West Ham e do Tottenham, o disse, quase zangado, quando o médio tinha apenas 18 anos: «Vai direitinho ao topo do topo.» 

Lampard no West Ham

A história é contada pelo próprio Frank Lampard em autobiografia. No primeiro jogo a que o pai o levou, com cinco anos, entrou em campo e causou impacto imediato. Numa imagem de marca, recebeu a bola, rodou e atirou para a baliza. Sem pedir licença e sem perceber que tinha feito um autogolo. «É a minha primeira memória a jogar futebol. A primeira e, até hoje, bastante dolorosa recordação.»

Aquela equipa em que jogou era o Heath Park, no Este de Londres. Os rivais eram o Senrab. Entre um e outro passaram nomes sonantes do futebol inglês. Ashley Cole, Ledley King, Lee Bowyer jogaram no Senrab, clube que também era de um tal John Terry (Lampard explica no livro que ouvira falar no miúdo, mais novo, mas que nunca defrontou o jovem Terry pelo Heath Park).

 

@franklampard 💙 LEGEND

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O tempo levou-o até ao West Ham United: o clube em que o pai, com o mesmo nome, atuou quase toda a vida. E onde o tio, Harry Redknapp, era agora treinador, depois de ter orientado o Bournemouth. O jovem Frank cresceu numa família de futebolistas e numa das melhores academias do país, mas sobrinho do treinador e filho do adjunto – o pai passara a ter esse cargo – houve quem achasse que o rapaz estava a ser favorecido.

Num fórum com adeptos, em 1996 (ver vídeo), Frank Lampard surgiu na mesma mesa do tio Harry, para responder a algumas perguntas. Um deles não se conteve e questionou o treinador sobre o jovem Frank. «Na minha opinião, não tem qualidade suficiente. E acho que deixou sair outros médios por uma ninharia, como Scott Canham ou Matt Holland.»

A resposta de Redknapp foi pronta: «Ele tem qualidade suficiente e de certeza que a terá no futuro. Deixei Canham sair, é um bom miúdo, tem 21 anos, o Frank tem 17 ou 18, mas está milhas à frente dele. (…) Sem qualquer sombra de dúvida, digo-vos, não haverá comparação entre aquilo que o Frank Lampard vai atingir no futebol e aquilo que Scott Canham vai alcançar. Não há favores, se calhar até o retraio injustamente. (…) Não queria dizer isto com ele presente, mas ele vai direitinho ao topo. Direitinho ao topo do topo.»

Lampard foi mesmo. Para isso, passou por Swansea primeiro, voltou ao Este de Londres e saiu do West Ham para o rival Chelsea em 2001. E encontrou José Mourinho.

Com o treinador português em Stamford Bridge, passou de um extraordinário médio, para um vencedor. Ganhou a Premier League, a Taça da Liga Inglesa, a Taça de Inglaterra e a Supertaça do país. Já com o clube transformado numa potência europeia, venceu a Liga dos Campeões e a Liga Europa, esta última numa final com o Benfica, o único clube português a quem marcou em toda a carreira. E Lampard marcou tanto pelo Chelsea que é o maior goleador da história do clube com 211 festejos em incríveis 649 jogos.

Não chegou aos 650, pois mudou-se para o Manchester City, pelo qual, na estreia, lhe aconteceu um dos momentos mais estranhos da História do futebol britânico...

...ele a marcar ao Chelsea, ele a marcar contra os antigos companheiros, ele a marcar contra José Mourinho no banco dos blues, ele a marcar contra os adeptos de uma vida.

Depois de 2004, ano em que Mourinho chegou ao Chelsea, Frank Lampard também começou a receber troféus individuais. Foi segundo no prémio FIFA em 2005 e na Bola de Ouro também. Foi Futebolista do Ano em Inglaterra em mais do que uma ocasião.

Para além da família, o nome de Frank Lampard andará sempre ligado a outros do futebol britânico: Mourinho, por tudo o que já está escrito, John Terry, companheiro de sempre no Chelsea; Steven Gerrard, o gémeo falso que tinha no Liverpool. O debate entre quem foi melhor médio persiste ainda.

Nenhum deles, porém, conseguiu ter sucesso com a seleção. Lampard chegou aos 106 jogos pelos Three Lions. Falhou o Euro 2000, o Mundial 2002, mas foi chamado para o Euro 2004. Marcou o 2-2 naquele fantástico jogo com Portugal na Luz nessa prova e em 2006 lá estava ele, também, na decisão de grandes penalidades entre as duas seleções.

Lampard tinha falhado apenas um penálti por Inglaterra até essa noite de Gelsenkirchen. Três semanas antes, em Old Trafford, num particular com a Hungria.

Daí até aos quartos de final com a seleção portuguesa treinou 50 penáltis. Marcou 48. Mas Ricardo defendeu-lhe o pontapé.

A autobiografia de Frank Lampard começa com uma longa descrição desse momento, desde a caminhada do meio-campo até à área, desde o jogo da Hungria até aos 50 penáltis. Um dos momentos mais amargos conforme o próprio recordou.

O momento da defesa de Ricardo

Lampard frequentou a Brentwood School, na qual terá tido nota máxima a Latim. Quando o Chelsea decidiu fazer testes de IQ no âmbito de um projeto, o médico que liderou a investigação admitiu que o resultado do médio era um «dos mais altos de sempre registados pela empresa» responsável.

Uma faceta desconhecida, tal como será, para a maioria, o facto de ser coautor de livros infantis. O nome da personagem principal? Frankie. Nome dele, nome do pai, nome do avô. Embora Super Frankie tenha havido só um. Aquele que jogou pelo West Ham, Chelsea, Manchester City e NY City FC.

Super Scott Canham brilhou por Torquay United, Brentford, Leyton Orient, Chesham Utd, Woking, Farnborough Town, Grays Athletic e Thurrock.