Os portugueses são esquizofrénicos na sua relação com o país. Ou, porque as generalizações são perigosas, direi que pelo menos os adeptos portugueses são claramente esquizofrénicos na relação com a seleção nacional de futebol.

Além das fases "macro" de maior ou menor entusiasmo por que tem passado (já lá vamos), há microciclos verdadeiramente impressionantes, às vezes com variações diárias: a 25 de maio a expetativa era enorme, a 26 de maio a equipa era uma vergonha por ter empatado com a Macedónia, a 1 de junho era engolida em Óbidos por milhares de pessoas em festa, a 2 de junho um conjunto de jogadores sem qualquer perspetiva de uma participação digna no Europeu, gladiadores feridos de morte prontos a serem engolidos pelos leões alemães numa arena ucraniana a 9 de junho.

Ora, parece-me que deve haver um meio termo interessante para equilibrar esta relação. E isso só se consegue trabalhando sobre a "macrorrelação". Não é fácil perceber que ter o melhor jogador do mundo não significa ter uma das melhores seleções do mundo, mas podemos tentar. Aliás já devíamos ter começado a fazer isso há um bom tempo. Vejamos: por incrível que pareça ao meu filho de oito anos, eu já era mais velho do que ele quando vi Portugal apurar-se, pela primeira vez, para a fase final de uma grande competição. Na vez anterior, e até então única, o meu pai era uma criança. É verdade que em 1986 vi quase a mesma seleção, da qual tanto nos orgulhámos naquela derrota por 2-3 com a França (grrrr...) apurada para a grande competição seguinte, mas essa correu menos bem.

Era uma fase "macro" em que obter a qualificação já constituía em si uma vitória. A partir de 1996 (mesmo falhando o França-98), habituámo-nos a estar presentes nos grandes acontecimentos e rapidamente desatámos a falar da seleção portuguesa como se tivesse a obrigação de contabilizar pelo menos dois Europeus e um Mundial no currículo. Mesmo sabendo que podíamos sempre encontrar a França (grrrr...) pelo caminho.

Ainda em 2010, com a confiança em queda por força de muita instabilidade na era pós-Scolari, achámos um fracasso ter passado a fase de grupos (com pouco brilho, é certo) e perder 0-1 nos oitavos de final com a que viria a ser a equipa campeã mundial.

O que se seguiu, nomeadamente o fim da carreira internacional de vários dos melhores futebolistas portugueses de sempre, fez o adepto tornar-se mais realista. Sabemos que já não há Figo, Couto, Rui Costa, João Pinto e tantos outros. E por isso somos cautelosos. Mas ao mesmo tempo temos um rapaz que luta diariamente com Messi pelo titulo de melhor jogador do mundo. E por isso somos ao mesmo tempo eufóricos, quando podíamos ser só esperançosos. O tal meio termo.

A derrota a feijões com a Turquia não nos transforma em cordeirinhos prontos para o sacrifício, como uma eventual vitória não faria de nós candidatos ao título de campeões europeus. Na Polónia e na Ucrânia podemos até tocar um destes extremos - afinal isto é futebol. Mas o que podíamos mesmo era parar com a esquizofrenia.

*Editor TVI

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