Em quase 18 anos de ligação ao jornalismo da área do desporto conheci um jornalista sem clube. No início de cada época o N. faz as suas contas, traça preferências e torce por duas ou três equipas Europa fora. Com a vantagem de poder trocar a meio do campeonato se os pressupostos se alterarem ou se simplesmente lhe apetecer.

Ora, admitindo que me terei cruzado com duas centenas de profissionais, o N., estatisticamente, representa meio por cento.

É óbvio que a generalidade dos jornalistas de desporto tem um clube pelo qual torce desde pequenino. Consta, também, que os jornalistas da área da política se atrevem a votar em eleições legislativas e os de sociedade acreditam numas causas e desconfiam de outras.

Em nenhum código deontológico está escrito que o jornalista tem de ser acéfalo e viver alheado da sociedade, como um asceta das convicções. Nem nas regras não escritas da arbitragem se defende que os árbitros não podem ter clube, quanto mais os jornalistas.

O que está escrito é que devem, no exercício da profissão, distanciar-se do seu gosto pessoal e procurar a isenção (não confundir com objetividade, que como se sabe é coisa que não existe). Compete-lhes apurar factos, relatá-los, analisá-los e, se for o caso, opinar sobre eles. Digam respeito ao clube e partido do "coração" ou a outra instituição qualquer.

Acreditem: não é nada complicado separar estas águas. E nem tem propriamente a ver com treino ou experiência. Com 19 anos, essa consciência surgiu em mim clara e natural, na primeira vez que me sentei no estádio onde até então costumava ir apenas como adepto. Aconteceu comigo e com todos os outros camaradas de profissão. Quase todos, pronto - há sempre exceções e nem todas são boas.

Perceber se cada um deve ou não divulgar o clube da sua preferência é outra discussão. À partida não me parece que acrescente ou retire algo de importante ao trabalho realizado e ao público que o lê ou escuta. Antes condiciona leitores e ouvintes, sem qualquer necessidade.

Pessoalmente, confesso, dá-me mais gozo ler os comentários que vão pingando perto dos meus textos e verificar a certeza absoluta de alguns leitores quando me "acusam" de ser do clube A, com a mesma veemência com que outros garantem que sou do B. São os meus atestados periódicos de isenção.

*Editor TVI

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