Daqui por alguns anos, quando a presença de treinadoras e árbitras no futebol for um lugar comum, e quando assistir a jogos de futebol entre mulheres se tornar tão corriqueiro para o público luso como ver finais femininas do US Open, ou dos Mundiais de atletismo, talvez se olhe para este 22 de maio de 2014 como o dia em que algo de significativo começou a mudar.

Foi nesta quinta-feira que a apresentação da portuguesa Helena Costa como treinadora do Clermont Foot, da Ligue 2, oficializou a chegada da primeira mulher ao comando de uma equipa profissional masculina - depois do primeiro anúncio, a 7 de maio. Um marco histórico, sublinhado pela presença de 110 jornalistas na sala de imprensa, e pela cobertura da conferência por 16 câmaras de TV.

Claude Michy, o presidente do clube, deu o mote, tentando «normalizar» uma apresentação que, para todos os efeitos, não era normal: «Estou aqui para apresentar um treinador, evitemos o que é superficial», começou por pedir. A treinadora portuguesa, de 36 anos, também procurou reforçar para a tecla da normalidade, pedindo para ser avaliada pelos resultados, «como qualquer treinador, e não como mulher».

Alternando o português, o inglês e um francês ainda hesitante, que vai ter de aperfeiçoar nas próximas semanas, Helena Costa fez questão de recordar que não aterra numa realidade inteiramente nova: «Acompanhei o Clermont Foot e a II divisão francesa ainda antes desta possibilidade, como parte do meu trabalho para o Celtic», lembrou. Mas a tónica da normalidade é, por enquanto, uma causa perdida. Caso contrário a mudança de comando técnico no 14º classificado da última edição da Ligue 2, não teria a repercussão que teve nos principais meios de comunicação em todo o mundo, como aconteceu ao longo da tarde:

CNN


BBC


France Football



Fifa.com



Praticamente à mesma hora em que Helena Costa formalizava a entrada no mundo profissional, a Ligue 2 dava outro pequeno passo rumo à «normalização» da presença de mulheres no futebol masculino, com a nomeação de Stéphanie Frappart, de 30 anos, para o quadro de árbitros principais que vão dirigir jogos do segundo escalão em França. Embora o futebol francês já estivesse habituado a ver árbitras assistentes em todos os escalões, Stéphanie será a primeira a assumir a direção de encontros a contar para competições profissionais. Depois de se ter iniciado na arbitragem com 17 anos, Frappart ascendeu à segunda categoria em França ao terminar a época entre os quatro melhores árbitros da terceira divisão.


Stéphanie Frappart

Em declarações à France Presse, a juíza de campo explicou que, tal como Helena Costa, não espera ser alvo de avaliações particulares: «Talvez os jogadores se contenham um pouco mais no vocabulário com uma mulher, mas também serei avaliada pelas competências e quando errar ninguém me poupará a críticas», afirmou. Atribuindo a uma coincidência o facto de a sua nomeação coincidir com a apresentação de Helena Costa no Clermont Foot, Stéphanie Frappart não deixou de reconhecer: «Seremos avaliadas pelos resultados, mas é uma curiosidade interessante e uma boa ajuda para a feminização do futebol», concluiu.

A fechar um dia marcante, algumas horas mais tarde, 11.217 espectadores juntaram-se no Restelo para fazer da final da Liga dos Campeões o jogo feminino com maior assistência na história do futebol português. Sorte a deles: a decisão entre as alemãs do Wolfsburgo e as suecas do Tyresö não se limitou a ser a final com mais golos e com desfecho mais incerto desde o início da competição, em 2002.



Num cenário privilegiado – haverá estádio europeu com melhor localização do que o do Belenenses? – a revalidação do título por parte das alemãs chegou depois de duas recuperações notáveis, de 0-2 para 2-2 e de 2-3 para 4-3, e coroou um grande espectáculo desportivo. Nem a polémica faltou à oitava consagração de uma equipa alemã, em treze edições da prova: o terceiro golo, marcado por Faisst, ocorreu numa altura em que a equipa sueca esperava a devolução da bola, depois de o jogo ter sido interrompido por lesão de uma jogadora.

Autora de dois golos de enorme qualidade individual, a brasileira Marta esteve à altura da reputação de melhor do mundo: mesmo terminando no lado derrotado, foi a grande protagonista individual do jogo, superando a alemã Martina Müller, que também bisou e apontou o golo da vitória. A derrota foi o canto do cisne na aventura do clube sueco, que atravessa problemas financeiros insolúveis e vai perder a grande maioria das suas estrelas para o futebol norte-americano. A única nota negativa para um dia que fica assinalado a letras de ouro no futebol feminino - português e não só.