* e Henrique Mateus

Entrevista a José Mourinho, treinador do Chelsea

P - O fair-play financeiro está a resultar?
R - Há multas conhecidas, e se existem as multas existe controlo. Agora, se as multas são justas? Acho que não, acho que o que é justo é retirar pontos e retirar títulos. Se tens um capital importante, que te permite ultrapassar o fair-play financeiro, se depois ganhas títulos e és penalizado economicamente, segue e continua. Retiram-te um ou dois jogadores da lista da Champions? (encolhe os ombros) Tu em vez de ires com 24 vais com 22. Agora, dizer que começas o próximo campeonato com menos seis pontos, ou que não jogas a próxima Champions League e vais para a Liga Europa, é mais complicado.

- O que há não chega?
- A realidade é que os grandes beneficiados com isso são as equipas mais poderosas economicamente, com mais história e mais adeptos. As pessoas falam de departamentos de marketing e comerciais, mas isto tem tudo a ver com história. Ninguém tem um departamento de marketing que fatura milhões e milhões sem ter uma grande história. O Real Madrid é muito forte a este nível porque tem uma história incomparável e adeptos em todo o mundo. As equipas como o Real, Barcelona, Bayern ou United, historicamente diferentes das outras, são obviamente beneficiadas. Um novo dono, que quer fazer um clube crescer rapidamente, para que a sua equipa possa competir com estas, não pode. Nos moldes em que está, o fair-play financeiro acaba por ser um bocadinho confuso. Falando da minha experiência pessoal, gosto imenso de trabalhar num clube que tem o fair-play financeiro como mais do que uma obrigação legal, mas também como uma situação de orgulho próprio. Para podermos comprar temos de vender. Quem vamos vender, porque é que vamos vender, quando o faremos, qual será o próximo… Confesso que gosto de trabalhar desta maneira, com todas essas necessidades de gestão.

- Concorda que na atual conjuntura há um esvaziamento das Ligas nacionais, à exceção da Premier e da Bundesliga? Há mais dificuldades em manter o interesse competitivo em provas com duas equipas muito fortes e o resto muito lá ao longe?
- Que há um esvaziamento, há. Por um lado, acho que tem a ver com a atual situação económica e social. O futebol não é barato, é caro. E juntando a diferença qualitativa à situação económica e aos problemas familiares em tantos países, acho que é melhor, nas duas vertentes, ficar em casa e ver o Man. United contra o Man. City do que ir pagar quatro bilhetes para levar a família ao estádio para um jogo de expressão menor numa Liga nacional. Isso parece-me óbvio.

- Acredita que a prazo os clubes de topo podem caminhar para uma Superliga europeia, um pouco à imagem de uma NBA?
- Quanto à Champions League, mesmo sem ter os números, que vocês conhecem melhor do que eu, quero acreditar que se hoje transmitires o Liverpool com o Ludogorets vais ter números completamente diferente dos de um Real Madrid-Bayern Munique. Normalmente o Real Madrid-Bayern Munique não acontece nas fases de grupos. E por isso acho que até vocês, media, sentem perfeitamente onde está o centro de interesse e o foco da atenção. Nesta altura, as pessoas vêem futebol da mais alta qualidade na TV e acho que a TV, apesar de as boxes não serem gratuitas, é uma opção mais barata do que ir ao futebol em família. Em muitos países o futebol deixou de ser um desporto de família, precisamente porque três e quatro bilhetes são mais caros do que uma assinatura.

- O atual modelo de qualificação para o Europeu, apurando quase metade das equipas, faz sentido?
- Eu digo muitas vezes, quando me refiro ao Campeonato do Mundo – neste caso, ao da Europa – que para mim é um fenómeno mais importante do ponto de vista social e cultural do que do ponto de vista futebolístico propriamente dito. Aí, continuo a pensar que a Champions e os grandes campeonatos são espaços de maior qualidade. Portanto, ter tantos países apurados para essas três semanas de competição, se calhar faz sentido. Tu vês por exemplo os Jogos Olímpicos, e aí não estão só os que vão lutar pelas medalhas. Tens uma infinidade de países e atletas que vão e toda a gente sabe não terem a mínima possibilidade. Para os que lutam pelas medalhas, os mínimos olímpicos são fáceis, portanto, se tivermos um Europeu com tantas equipas é porque vão lá estar equipas que já sabem à partida que nem vão passar da fase de grupos. Faz sentido do ponto de vista sociocultural? Faz. Faz sentido sob o ponto de vista da evolução da modalidade? Não faz.

- Isso não vai acentuar a clivagem de interesses entre clubes e seleções?
- A calendarização anual é dura para os clubes, mas é um mal que sabemos que existe e com o qual temos de aprender a trabalhar. Eu, por exemplo, no regresso dos meus jogadores das seleções, a nossa maior preocupação foi, por um lado, na recuperação, e não na preparação do jogo seguinte. E, por outro lado, na reformulação mental dos jogadores, na preparação para a competição. Porque eles estiveram 15 dias sem competir, e eu disse-lhes isso: «vocês tiveram 15 dias de férias». Porque quando a Alemanha joga não sei com quem, já ganhou. O jogador já perdeu concentração e intensidade de treino, tudo aquilo que ganhou no clube numa série de tempo. Os jogadores saem e ficam imediatamente descontextualizados, quando eles vêm, temos de reformular outra vez um processo, e isso é complicado. Mas já sabemos que é assim, e agora ainda por cima é cíclico, com paragem em setembro, em outubro e em novembro, que temos de planificar entre a equipa técnica, e com os jogadores.