Maradona

Excêntrico, louco, impetuoso, irreverente. Tinha tudo de desprezível e indispensável para ser um génio. Tinha também o talento, muito especial, talvez até inigualável, que debitava num labirinto de curvas e contracurvas, no método sinuoso e imprevisível com que provocava defesas e expunha as canelas à fúria de adversários caídos e humilhados. Vociferava, insultava, gesticulava ao jeito de um maestro que se descabela enquanto dirige a orquestra, e deliciava em intervalos frequentes. Ganhava ao Mundo inteiro, carregava a Argentina no colo, ria dos derrubes a que escapava por uma nesga, divertia-se, nas folgas, a acariciar bolas minúsculas em milhões de toques e a inventar fintas que lhe permitissem escapar, ileso e na posse do couro, de uma cabina telefónica pejada de adversários. Se algum dia alguém se pôde gabar de ter tratado a bola por tu, esse alguém foi Maradona. Talvez ela já lhe tenha sussurado algo em troca...

Alberto Barbosa 

Maradona

Há mais (muito mais) coração que razão nesta escolha. Reconheço eventuais pecados nesta via, mas só entendo as paixões que se vivem. Pelé, Di Stefano, Eusébio, Garrincha, Cruyff, Beckenbauer, Yashine: desculpem-me, mas por motivos que escapam à minha responsabilidade só já pude saber o que fizeram por relatos de outrém e recordações em video. Com Diego Armando Maradona foi diferente. O génio e a fantasia dele acompanharam o meu crescimento e foram um dos mais importantes fios condutores desta irracional paixão pelo futebol. Nunca mais vou ver o pé esquerdo daquele gordinho de olhar espantado. Suspeito mesmo que nunca verei um que seja sequer parecido. O futebol continua, mas no meu tempo não voltará decerto a ser o mesmo. Na saudade do génio, torço agora pela sobrevivência do louco.

Alexandre Pereira 

Pelé 
Porque sim. Se o exercício for só de memória, lembro-me primeiro do génio de Maradona, da classe de Van Basten, da inteligência de Romário. Mas é de certeza injusto para muitos dos outros, de quem só vi alguns pormenores, em colectâneas ou evocações curtas. Por isso, pesados todos os argumentos, fica Pelé. Pelos golos, pelos títulos, pelo génio, pela universalidade.

Berta Rodrigues 

Maradona

Perpetuou em cânticos o nome de um Deus do novo ópio do povo. Dieguito perdeu o ar ingénuo, transferiu a solidão em permanente convívio com o pecado, mas nunca deixou de estampar o sorriso no rosto deslumbrado do mundo. Quebrou metade da Inglaterra e elevou um degrau no edifício dos insuperáveis, com o 10 cravado nas costas e os braços bem erguidos num arrufo de excelência. O Rei observava impassível, derrubado pelo irreverente, inesquecível e levado pela desgraça da vida. Diego Armando Maradona, o mais genial e fantástico futebolista do século.

Filipe Caetano 

Pelé

Quando nasci, Edson Arantes do Nascimento já tinha deixado de encantar os amantes do bom futebol, mas o argumento da idade não faz sentido numa votação que abrange um século inteiro. Pelé merece a distinção porque é o maior símbolo do futebol que mais admiro: o brasileiro. O domínio perfeito da bola, o talento só reservado aos sobredotados. Figura principal da selecção canarinha durante década e meia, Pelé levou o escrete à vitória em três Campeonatos do Mundo (58, 62 e 70). No primeiro deles, tinha apenas 17 anos. Era um tempo de um futebol livre de tácticas hiper-estudadas: um tempo em que os génios valiam por si mesmo.

Germano Almeida 

Pelé

«O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stefano. Recuso-me a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo.» (Ferenc Puskas) 

«Posso ser um novo Di Stefano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica.» (Johan Cruyff) 

Eles sabem melhor que eu. Eles viram-no jogar, maravilharam-se com pormenores que só ficaram na memória das pessoas e em uma ou outra frase de Nelson Rodrigues ou Armando Nogueira, que tratavam as palavras quase tão bem como Pelé tratava a bola. Eu vi os momentos. Escolhidos. Sabem a pouco. Vi bem melhor Cruyff e deliciei-me. Vi Maradona de perto fazer coisas rocambolescas. Mas Pelé é Pelé, não se marca mais de 1200 golos sem o ser.

Hugo Vasconcelos 

Maradona

A finta, desenhada com o pé esquerdo, aproximava-o de Deus, a mesma entidade que lhe serviu de desculpa para um célebre golo ilegal e a única testemunha ocular de todos os devaneios que cometeu. Maradona inventava futebol, surpreendia quando todos achavam que tinha esgotado a magia. Buenos Aires viu-o quebrar vidraças com a elegância de sempre, Barcelona lançou-o, Nápoles amou-o. Sevilha foi apenas uma passagem, uma passada interrompida no regresso à América do Sul. Nunca ninguém entusiasmou tanto, nunca ninguém despoletou tantos sentimentos antagónicos. Jogou quando os defesas já sabiam apostar no método da dureza, mas ria quando os deixava para trás, gozando com as marcações. Incomparável.

Jaime Teixeira 

Garrincha

Os outros precisaram de correr, ganhar coisas, chorar, rir, dar saltos e, imaginem, houve até quem precisasse de usar a mão para chegar mais perto de Deus. Ele, não. Bastou-lhe uma finta. Não uma, a mesma. Repetida uma, duas, tantas vezes que os defesas tiveram tempo de aprender. Mas não conseguiram. Garrincha ganhava muitas vezes sozinho, como poucos depois dele conseguiram. Mas, alegre monotonia, ganhava quase sempre da mesma maneira. A bola aqui, no pé, depois mais à frente, logo a seguir os braços no ar. Só vi na televisão, claro. Mas chega. No caso de Garrincha, quem viu uma viu todas.

Luís Sobral 

Maradona

Numa nesga de terreno, era capaz das fintas mais mirabolantes, sempre em movimentos repentinos e imprevisíveis, que deixavam os espectadores em pleno delírio. A forma como se movimentava no terreno jamais será apagada da memória: a bola fazia parte do corpo, como uma companheira inseparável, e o produto final do pé esquerdo era a presa apetecível dos repórteres fotográficos. Mas para além dos quilos de fantasia que fornecia aos estádios, a atitude evidenciada dentro das quatro linhas deixava o público boquiaberto. Diego Armando Maradona era um jogador batalhador, capaz de correr quilómetros, e a sua postura contagiava o comportamento dos colegas. O tónico vitorioso da Argentina, no Mundial de 1986, passou muito pelo número dez da selecção celeste, que se deu ao luxo de marcar um golo com a mão, o tal em que Deus serviu de desculpa.

Norberto A. Lopes 

Maradona

Desde que me apaixonei pelo futebol, muito miúdo, tive sempre a noção de que essa paixão era dirigida a uma coisa muito maior do que aquilo que os meus olhos começaram a coleccionar. Dito de outra maneira: por detrás de cada finta, cada golo, cada defesa, havia a sombra de uma outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Chama-se plenitude, ou epifania, e só se encontra quatro ou cinco vezes na vida, se tivermos sorte, diante das obras-primas absolutas. A primeira vez que a encontrei foi no Verão de 1986, diante de um ecrã de televisão que me trazia, para meu assombro, episódios de génio em estado puro, com hora marcada e 90 minutos de duração. E fui intensa, indiscritível e irracionalmente feliz. Dir-me-ão que Pelé, Di Stefano, Garrincha ou Cruijff fizeram sentir outras e ainda mais intensas emoções a muito mais gente, durante muito mais tempo. E eu acredito. Mas este é o meu voto, porque essas emoções foram genuinamente minhas e o meu século XX não teve cem anos.

Nuno Madureira 

Maradona

Ao seu nome relaciono de imediato a imagem de um estilo inconfundível com a bola nos pés. Com a camisola da Argentina, do Barcelona e, sobretudo, a do Nápoles. Na escala da memória, antes de todos os problemas relacionados com a droga, surge-me a forma como conduziu a Argentina a duas finais do Campeonato do Mundo e um clube do sul de Itália à conquista de dois «scudetti».

Ricardo Gouveia