Será, por certo, uma das grandes expectativas do novo ano. Em 2002, Mantorras jogará como nas ruas de Luanda. Livre como um passarinho, de meias caídas e caneleiras invisíveis, distante de defesas que salivam e cerram os dentes só de o ver pela frente. No novo ano, o jogador do Benfica terá todo o espaço do Mundo para driblar metade deste e deixar a outra metade de boca aberta. Será a exuberância máxima de um talento que continua asfixiado por receios que assassinam a essência do futebol. 

Esta será a melhor notícia para árbitros e auxiliares. Vão, finalmente, ver-se livres dos suores frios que os dominam quando, incompreensivelmente, deixam o cartão no bolso após uma entrada digna de um episódio do «Dragon Ball». O sentimento de culpa, por outro lado, já não se apoderará das suas noites mal dormidas quando apenas amarelaram no minuto 90 um defesa que passou hora e meia pendurado em Mantorras. Um alívio. 

O maior suspiro, todavia, pertencerá inevitavelmente ao avançado. Acabaram-se as canelas esfoladas, terminaram os esforços cancelados pela deslealdade. Todas as suas congeminações, que nos sonhos findam sempre nos festejos de um golo, vão ter o êxito desejado. O fim que um menino de 19 anos, que nasceu jogador e nunca precisou de matreirices ou subterfúgios violentos para atingir o que dele esperavam, merece, num quadro de futebol romântico, sem críticas, quezílias verbais ou queixas da arbitragem. 

Vão deixar jogar Mantorras. Pulem os benfiquistas, chorem todos os outros. O talento deixou de ser reprimido, o treinador encarnado percebeu finalmente que tem de inventar uma companhia para o angolano. Só, perdido num ataque que chega a ser anedótico, era um alvo fácil de atingir. Quatro defesas para bater num único avançado foram sempre mais que suficientes. Para o anular, para o impedir de rematar, para o deixar próximo de um berreiro de bebé a quem, sorrateiramente, tiram um rebuçado já lambuzado. 

De agora em diante, no entanto, só dará fogosidade. Chamem-lhe Weah ou novo Eusébio e discutam. Discutam se o rodopio encantador podia ter sido elaborado para o lado contrário, se o toque de calcanhar devia ter sido substituído pela súbita rotação do corpo. Falem do futebol de Mantorras. E ponham o vídeo a gravar. Ele vai fazer coisas inesquecíveis.