Pronto, é oficial: Portugal está entre as quatro melhores equipas da Europa. A vitória sobre a Turquia (2-0) garante a esta selecção um lugar merecido nas meias-finais. O feito conseguido pelos Patrícios em 1984 está pelo menos igualado. Igualado não, superado: esta Selecção já teve de fazer mais um jogo, está a cumprir um percurso cem por cento vitorioso e, à excepção do jogo com a Roménia, continua a exibir um futebol de sonho. Agora, em Bruxelas, resta tentar o feito inédito, a presença na primeira final em selecções seniores. Para tal, vai ser preciso deixar pelo caminho a França ou a Espanha. Mas quem joga assim não precisa de pôr limites ao sonho... 

As previsões de um jogo tenso e sofrido revelaram-se perfeitamente correctas. Antes do festival da segunda parte, em que a fantasia e o puro prazer de jogar à bola tiveram rédea solta, Portugal teve de mostrar carácter e personalidade. O seleccionador turco, Denizli, cumpriu o prometido, pagando o tributo à «melhor equipa do Europeu» com um esquema muito defensivo. A ideia era suportar o assalto até criar condições para lançar o contra-ataque. Mas Portugal, numa versão ligeiramente mais ofensiva do habitual 4-2-3-1, com Sérgio Conceição como falso lateral-direito, soube aprender com a lição belga. E, embora sem rejeitar a iniciativa, soube tomá-la com lucidez e paciência. 

É verdade que nos primeiros minutos a circulação de bola não teve a fluidez desejada. Mas a determinação turca nos duelos ajuda a explicar essa dificuldade, mais do que qualquer avaria no carrossel protagonizado pelos habituais titulares, a quem o intervalo de uma semana trouxe grandes benefícios físicos. Lentamente, o jogo começou a assentar nas imediações da área do impressionante Rustu. E, por volta dos 15 minutos, ficou claro que o primeiro golo seria uma questão de tempo.  

Baía decisivo 

Costinha, por duas vezes, esteve perto de escrever mais uma página dourada na sua odisseia pessoal. Mas a dureza dos turcos, bem como o oscilante critério disciplinar do árbitro, provocaram algum enervamento, que só pareceu ficar desfeito à beira do intervalo, quando Figo surgiu na direita para alimentar Nuno Gomes com um cruzamento-caviar, bem concluído com uma cabeçada picada. 

Era, pensava-se, o momento da libertação, tanto mais que à passagem da meia hora, a expulsão de Alpay após um lance embrulhado com Fernando Couto, tinha apagado definitvamente as escassas ambições ofensivas dos turcos. Mas, como muitas vezes acontece, a vantagem numérica deu lugar a alguma sofreguidão e baralhou a colocação em campo.  

Apesar de João Pinto ter passado muito perto do 2-0 a passe de Rui Costa, a defesa portuguesa dava alguns indícios de febrilidade, que tiveram o momento mais preocupante no período de descontos, quando Couto chegou atrasado num «carrinho» sobre Arif, provocando a queda do turco. 

Um «penalty» ao cair do pano ameaçava tornar-se um ponto de viragem no moral das tropas. Mas foi então que Vítor Baía fez a sua primeira grande intervenção neste Europeu, travando o remate em força de Arif. O apito de Dick Jol, logo depois, mandava as equipas para as cabinas. Portugal tinha tempo para recuperar a calma, dispondo de boas razões para sentir-se invulnerável. 

A calma recuperada 

A troca de Costinha por Paulo Sousa terá tido alguma influência na renovada tranquilidade da equipa? O facto é que, no regresso das cabinas, a selecção deixou de lado as hesitações e começou a gerir uma posição de vantagem clara. Os espaços começavam a aparecer, e atrás deles vinha a técnica. Figo, em tarde inspiradíssima, ameaçou por diversas vezes, à direita e à esquerda, antes de arrancar o melhor lance individual do jogo.  

O passe que permitiu a Nuno Gomes o seu segundo golo do jogo foi de uma inteligência tão fulgurante que chegou a parecer arrogância. Apesar da barulheira infernal dos seus adeptos no estádio, os turcos assinaram aí a inevitável rendição. Com a certeza da vitória pelo seu lado, Portugal voltou a tirar da cartola as alegres combinações em movimento que infernizaram a vida aos alemães. Com mais de meia hora para jogar, a selecção portuguesa dava-se ao luxo de começar uma exibição para a plateia, ao melhor estilo dos «globetrotters». 

«Massacre» desperdiçado 

Nem tudo foi perfeito porque, ao contrário do sucedido com a Alemanha e a Inglaterra, faltou a eficácia ofensiva para completar o recital. Rustu, em várias ocasiões, a falta de pontaria, noutras, impediram que o marcador desse tradução prática ao festival.  

Também a saída de Nuno Gomes, cujo «hat-trick» ameaçava concretizar-se a qualquer momento, retirou alguma objectividade ao conjunto: Sá Pinto, muito mexido, não teve a precisão do companheiro, embora o seu estilo pressionante ajudasse a matar à nascença qualquer veleidade de reacção turca. 

Após um sem número de ocasiões perdidas - 11 remates à baliza, 11 ao lado e 11 cantos dão uma ideia aproximada do que foi o «massacre» - o jogo chegou ao fim, com Portugal a trotar alegremente pelo campo. O público agradeceu aquela meia hora de homenagem com um longo aplauso. Mas, no final, os sinais de insatisfação dos jogadores portugueses traziam um dado importante para os festejos que se seguiram: na meia-final, com um adversário incomparavelmente mais forte que esta limitada Turquia, será preciso outro rigor defensivo e mais avareza no aproveitamento das oportunidades. É bom sinal que os artistas portugueses tenham sido os primeiros a compreendê-lo. 

FICHA DO JOGO  
 
Portugal, 2-Turquia, 0  
 
Estádio Arena, em Amesterdão (Holanda) 
Árbitro: Dick Jol (Holanda)  
 
Portugal: Vítor Baía; Sérgio Conceição, Fernando Couto, Jorge Costa e Dimas; Costinha (Paulo Sousa, ao intervalo) e Paulo Bento; Figo, Rui Costa (Capucho, 86 m) e João Pinto; Nuno Gomes (Sá Pinto, 73 m). 
Treinador: Humberto Coelho.  
 
Turquia: Rustu; Fatih, Ogun (Sergen, 83 m) e Alpay; Tayfun, Tayfur, Okan (Suat, 60 m), Ergun e Hakan Unsal; Arif Erdem (Oktay, 60 m); Hakan Sukur. 
Treinador: Mustafa Denizli.  
 
Ao intervalo: 1-0 
Marcador: Nuno Gomes (43 e 55 m) 
Disciplina: Cartão amarelo a João Pinto (27 m), Fernando Couto (36 m), Rui Costa (37 m), Costinha (39 m) e Paulo Sousa (58 m); Okan (32 m), Hakan Unsal (56 m) e Ogun (81 m); Cartão vermelho a Alpay (28 m).