Porquê tanta rivalidade? Qualquer um de nós já se interrogou sobre a febre à volta de um Benfica-F.C. Porto em que as emoções à flor da pele sobrepõem todas as gotas de racionalidade. Domingo à noite, os dois inimigos reencontram-se, o ritual repete-se, a euforia instala-se, os apupos aumentam e a sede de vitória envolve os dois adversários como se de uma batalha se tratasse. Mas nem sempre foi assim. «O Benfica-F.C. Porto é um fenómeno recente, tem 20 anos. Ainda não ultrapassou as dimensões de um Benfica-Sporting, mas hoje é aquilo que é porque o F.C. Porto tem vencido muito nos últimos tempos», diz Toni, ex-jogador e treinador dos encarnados. É um facto. O 25 de Abril de 1974 varreu o país sobre o auspício da liberdade e «o Benfica deixou de ser o clube do regime», como adianta o sociólogo João Teixeira Lopes. Foi a génese de tudo.

Isto explica o braço-de-ferro entre os dois rivais que nas últimas décadas têm alimentado ódios que a própria razão desconhece. «Para os jogadores do F.C. Porto, os desafios com o Benfica são mais especiais do que com o Sporting, porque são os dois clubes portugueses com mais títulos. A intensidade destes jogos para o F.C. Porto foi-se diluindo pelas suas conquistas. Agora, será mais especial para o Benfica vencer o adversário do que para a minha ex-equipa», adianta o bi-bota de ouro Fernando Gomes. Mas o fenómeno em si esconde outra realidade que tem suscitado várias trocas de palavras. «Neste caso o que está em causa é a disputa da liderança regional. O Porto ganha cada vez mais no futebol, mas perde nas outras esferas sociais, políticas, económicas e culturais em relação a Lisboa. Isto agudiza o próprio jogo», defende João Teixeira Lopes.

Por isso, o futebol é muito mais do que um mero entretenimento. «A rivalidade é tanta que é doentia e gera violência. O futebol é o espelho da nossa sociedade», adianta Toni. É este o ponto-chave. A tão propalada guerra entre o norte e o sul galvanizada pelo próprio desporto. «As classes mais populares do Porto sentem-se desfavorecidas, porque vivem numa zona onde o desemprego e a precariedade são maiores e o poder de compra é menor. Atribuem a Lisboa a causa de tudo isso e fazem essa transferência para o futebol. Mas Lisboa não é a causa desta situação, o problema está no centralismo», considera o sociólogo. Logo, a temperatura aquece quando os dois clubes medem forças, um factor que não se verificava de forma tão aguda nos anos da ditadura. As dissimetrias regionais eram evidentes, mas os media camuflavam-nas e o poder político oprimia as diferenças. «Basta dizer que hoje há mais pessoas a ver o jogo à distância do que no próprio local», lembra João Teixeira Lopes.

Daí que as equipas das capitais suscitem grandes ódios de estimação por parte dos clubes periféricos. É assim em Espanha entre o Barcelona e o Real Madrid; em Inglaterra, entre o Arsenal e o Manchester United; em França, entre o Marselha e o PSG: «Este fenómeno é comum nas grandes cidades de vários países. Isso reflecte-se nas condições de vida e na forma como as pessoas representam tudo isso. O clube é o bode expiatório da sociedade em que vivem». É uma animosidade muito própria e diferente do calor dos grandes derbies citadinos como o Galatasaray-Fenerbaçhe, o Olympiakos-Panathinaikos e o Rangers-Celtic, por exemplo. Mas esta rivalidade entre dragões e águias já existe há algum tempo, embora tenha vivido fechada em si mesma por causa do próprio fascismo. «A antipatia existe desde sempre, mas foi aumentando ao longo dos tempos por causa da hegemonia do F.C. Porto. A semente foi lançada nos finais dos anos 70», adianta o ex-jogador Fernando Gomes.

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