A soberba francesa, orgulhosa do galo que o peito dos campeões do mundo exibiram ao longo de quatro anos de fantástica veneração, deu, subitamente, lugar à vergonha e humilhação, no jeito muito peculiar com que Warmuz, um guarda-redes absurdamente inseguro, transformou voos admiráveis em falhas inconcebíveis, «frangos» arrepiantes, ao género de parente pobre, distante e raquítico da orgulhosa ave doméstica que deixou o planeta boquiaberto.

Warmuz, o tal das mãos trémulas, fica irremediavelmente ligado à história do jogo e corre, inclusive, o sério risco de não ser dispensado do triste papel principal da eliminatória, que, por enquanto, tem um outro intérprete que se lhe pode comparar em termos de importância e desempenho, embora com a apreciável vantagem de se ter distinguido na face inversa, no lado bom do encontro.

Numa análise simplista, excessivamente redutora, poderia dizer-se que Warmuz e Postiga sentenciaram o jogo e a eliminatória. O segundo escolheu o lado e o primeiro ofereceu-o, inadvertidamente, por duas vezes. Mas fazê-lo, apesar de tentador, seria ignorar nomes como os de Costinha, Deco ou Derlei e, mais grave do que isso, esquecer que o F.C. Porto, por outros pés ainda, gerou um número incomensurável de oportunidades que poderiam provocar um rubor francês mais intenso e adequado a uma goleada triplamente vexante.

De outras maneiras e feitios

É inegável que Warmuz precipitou o desfecho, mas ficou igualmente claro que o F.C. Porto poderia marcar de muitas outras formas e feitios. Na emenda de Postiga, na cabeça de Derlei, no remate «de letra» de Deco, que, na «falta» de pé esquerdo, ensaiou sem êxito o número circense, depois de ter deixado um punhado de adversários perdidos no drible.

Ficou fácil de perceber que venceu a melhor equipa. Também não foi difícil concluir que os franceses, seguros (vá lá perceber-se por que razão) da sua superioridade, poderiam deixar as Antas, e a Taça UEFA também, vergados ao peso de uma derrota mais ampla, motivo de uma vergonha suprema para quem esteve perto de aceder à segunda fase da Liga dos Campeões e podia exibir como cartão de visita e entre outros dizeres e façanhas o facto de ter vencido o Bayern de Munique por duas vezes.

As credenciais não intimidaram Mourinho, que chegou a ironizar com a certeza francesa de que a eliminatória estava resolvida antes de ser jogada. Estrategicamente, não se deu ao trabalho de rebater as declarações sobranceiras e serviu-se delas para «espicaçar» o balneário ofendido. Terá produzido aí, ainda antes de Graham Poll soprar para o início da partida, aquela que, uma hora e meia mais tarde, considerou ser a melhor exibição portista da época, num misto de criatividade, pressão e orgulho.

Sono ou pesadelo?

Joel Muller, o treinador que temia adormecer no banco, depois de se ter queixado da hora para que fora marcado o jogo, viveu 90 minutos de sobressalto, entre pulos frequentes e vários gestos que lhe levaram as mãos à cabeça num automatismo incontrolável, como se estivesse a assistir a um filme de terror. E, quando finalmente adormeceu, quem sabe a meio do voo de regresso a França, em vez do projectado sono de bebé, ter-se-á visto, entre gotas frias de suor e despertares repentinos, num intenso pesadelo, que promete acabar com a carreira europeia do Lens.

Ao seu estilo, o inglês, Graham Poll deixou jogar e dificilmente foi enganado por encenações ou exercícios teatrais. Não deixou de cometer erros, apontando, algumas vezes, na direcção errada, mas com a vantagem de nenhum deles ser grave. A menos que Derlei tenha sido efectivamente derrubado na área defendida pelo Lens.