Na pele de defesa, Paulo Pereira era bastante ríspido e eficiente na marcação, mas também primava pela sua polivalência. No início da década de 90, chegou a actuar a lateral esquerdo para suprimir algumas lacunas no F.C. Porto, posição que lhe permitiu revelar uma invulgar tendência goleadora. Na época 1990/91, por exemplo, marcou sete golos e no grande clássico de 1993/94 teve o mérito de marcar dois golos ao Benfica, nas Antas, num célebre jogo em que a emoção encheu o anfiteatro portista num empate dramático a três bolas.

Na antecâmara de mais um clássico, o actual empresário de jogadores recordou ao Maisfutebol a célebre noite em que derreteu os encarnados e roubou-lhes uma vitória quase certa. Mas tudo tinha começado anos antes, precisamente pela mão de Artur Jorge, que descobriu uma táctica sensacional: «Por norma, o F.C. Porto atacava mais pelo lado direito do que pelo esquerdo, porque tinha um flanco muito forte por causa do João Pinto e do Jaime Magalhães e os adversários esqueciam-se de quem jogava no outro lado».

O ex-defesa portista tinha assim liberdade para subir no terreno, aproveitando-se de uma possível desatenção, aparecendo como falso ponta-de-lança para concretizar cruzamentos ao segundo poste: «O André como tinha menos velocidade cobria-me o lado esquerdo, isso permitia-me subir e marcar muitos golos. Eu acompanhava o movimento do Jaime Magalhães pelo meu flanco e surgia como terceiro avançado para cabecear os passes dele. Assim marquei sete golos na época 1990/91».

Nesse célebre jogo com o Benfica, curiosamente no ano em que os encarnados foram campeões pela última vez (1993/94), o treinador Tomislav Ivic viu-se obrigado a alterar o esquema táctico do F.C. Porto para surpreender o adversário. Possivelmente, inspirado no tal esquema de Artur Jorge coloca Paulo Pereira a avançado no segundo tempo: «Ao intervalo, disse-me que tinha de ir para a frente e para não me preocupar com a defesa, porque o Semedo passaria a ser o lateral esquerdo. Reduzi para 2-2, de cabeça, precisamente a concretizar um cruzamento ao segundo poste. Como estava cheio de moral marquei uma grande penalidade, a punir uma falta sobre Domingos», recorda-se.

O irrequieto João Pinto

Em oito anos no futebol português, Paulo Pereira defendeu as cores do F.C. Porto, mas também alinhou no Benfica época e meia. Pelo meio, ficaram duelos disputados em ritmos alucinantes em que teve de secar alguns dos melhores avançados do futebol português: «Marquei o Iuran, o Rui Águas, o Fernando Gomes, o César Brito e o João Pinto. De todos, quem me deu mais trabalho foi o João Pinto, sem dúvida». Há motivos para que assim seja. «Enquanto os outros eram jogadores de área, o João Pinto movimentava-se muito e houve um jogo frente ao Boavista em que me deu mesmo muito trabalho».

E falando em César Brito depressa salta à sua memória o dramático jogo, nas Antas, frente ao Benfica, em que o seu opositor marcou dois golos e os azuis e brancos perderam o título em 1990/91: «É a minha pior recordação dos clássicos», assegura o ex-jogador, que vê em Artur Jorge o exemplo do treinador perfeito: «Defendia muito os jogadores, apesar de não se aproximar muito deles. Não gostava de misturar amizade com trabalho, mas era o primeiro a zelar pelos nossos interesses». Um gesto que era prontamente pago por todos os futebolistas à base do sacrifício.

Por isso, o chamado núcleo duro do F.C. Porto fazia todos os sacrifícios, não só pelo clube como pelo treinador: «Eu, o João Pinto, o Bandeirinha e o André, por exemplo, jogávamos sempre, nem que tivéssemos os tornozelos partidos. Há um jogo em Santo Tirso em que o Bandeirinha levou uma pancada logo no início do jogo e aguentou-se até ao fim com o pé inchado. Era assim que pagávamos tudo de bom que o Artur Jorge nos oferecia», exemplifica Paulo Pereira, ex-jogador portista.

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