A morte de Joaquim Meirim chocou o país futebolístico. Figura carismática, nem sempre bem-amada, Meirim foi, sobretudo, um homem diferente. Avançado no seu tempo, talvez por isso incompreendido, foi quase sempre visto como uma figura à parte no meio altamente competitivo dos treinadores de futebol em Portugal.  
 
A sua última experiência foi no Desportivo de Beja, há três anos, tendo orientado o clube alentejano na então designada Divisão de Honra e na II Divisão B. Mas a passagem pelo Alentejo foi apenas o último passo de uma carreira que, verdadeiramente, ja tinha acabado há muito. É que a fase de ouro de Meirim, a época em que conseguiu trazer algo de novo, e para melhor, ao futebol português ocorreu entre o final da década de 60 e o início da de 80.  
 
Esse foi um tempo de evolução no futebol português. Havia talento, como é óbvio, mas os métodos de treino e algumas mentalidades estavam ainda à espera de um 25 de Abril. Meirim inovou. Muitos ainda recordam a sua passagem pelo Varzim, que ficou conhecida como revolucionária. «A derrota é a mãe de todas as vitórias» era uma das suas frases mais conhecidas, de um treinador para quem os seus jogadores tinham que «se babar em sangue» dentro do campo.  
 
Virtudes de um auto-didacta  
 
Sem ter feito qualquer pecurso notório como jogador, Joaquim Meirim surge como treinador de futebol no Oriental, em meados da década de 60. Passa, depois, pela extinta CUF, na altura em que o clube do Barreiro era uma das grandes equipas do futebol português. Minhoto de raíz, nasceu em Monção e voltou ao norte para treinar o Varzim, convidado por João Fernando, então presidente do clube poveiro. Corria a época de 1969/70.   
 
E foi aí que o nome de Meirim começou a brilhar. Para alguns, de forma incómoda, pelo jeito estranho de trabalhar de um homem que não fazia parte do sistema. Era olhado um pouco de lado. O caso, também, não era para menos. Apareceu na Póvoa com ideias absolutamente novas: levava os jogadores para a praia, treinava-os de forma a incutir-lhes um espírito de união que fazia lembrar aluns métodos militares. Não parecia normal. Não era costume.  
 
Meirim era, sobretudo, um auto-didacta. Homem sem grandes estudos académicos, tinha a escola da vida. Antes de ser treinador, ganhou uma enorme experiência e conhecimento do mundo. Com espírito aventureiro, foi embarcadiço, correu mundo, voltou a Portugal, trabalhou em hotéis e restaurantes.   
 
Dos altos e baixos da vida, tirou ensinamentos que foi acumulando e que se revelaram muito úteis na sua carreira de treinador. Um dia, reuniu o plantel do Varzim, antes do treino, e em vez de mandar os jogadores correr ou rematar, mandou-os¿ pensar. É verdade. Durante cinco, dez minutos, todos os jogadores fecharam os olhos, puseram o futebol de lado, e reflectiram sobre a sua vida, a sua família, os seus sonhos. Meirim observava, silencioso. No final, decretou o fim da reflexão com uma forte salva de palmas e mandou quase todos começar o treino. Conta quem viu que chamou só três ou quatro jogadores e, sem conhecer nenhum pormenor previamente, perguntou-lhes um a um: «O que se passa? Por que é que estás preocupado?». Tinha acabado de acertar precisamente nos jogadores que estavam com problemas pessoais. Perante a estupefacção dos dirigentes do Varzim que assistiram à cena, Meirim explicou, com toda a naturalidade do Mundo: «É fácil¿ Depois de dez minutos a reflectir, quem abre os olhos e reage com um semblante alegre e motivado, está bem. Quem acorda triste e cabisbaixo, precisa de ajuda¿»  
 
Um homem diferente  
 
Truques de um homem com uma sensibilidade muito própria. Os adversários é que não gostavam desses poderes aparentemente tão fora do normal. A verdade é que Meirim apenas teve a ousadia de fazer coisas novas. Como introduzir os treinos antes dos jogos, por exemplo. Um dado que hoje parece adquirido, mas que na altura em que começou a praticar no Varzim, foi alvo de fortes críticas¿ Antes de um jogo em Belém, por exemplo, até impediram o acesso ao relvado aos jogadores do Varzim antes da entrada oficial em campo, com medo que Meirim quisesse¿ «embruxar» o terreno!  
 
Da fama de excêntrico, pelo menos, Meirim não se livrou. O que até é compreensível, se tivermos em conta que o treinador se gabava de ter ganho um jogo em meados da década de 60, pelo Oriental, frente à CUF, num Campeonato de Reservas¿ sem qualquer guarda-redes. A veracidade da história está por confirmar, mas tem tudo a ver com o treinador em causa. Contava Meirim que a confiança que tinha nos seus jogadores era tão grande nesse jogo abdicava do guarda-redes para poder ter mais um avançado. «Sem ninguém na baliza, eles até vão ter medo de rematar». Como tinha que inscrever na ficha do jogo alguém na baliza, meteu mesmo um avançado... 
 
«Não há livres indirectos! Todos os livres são directos, porque a tendência do guarda-redes é sempre para ir buscar a bola. Qual é o guarda-redes que permite que a bola entre na baliza?» Outra ideia do treinador, que não deixa de ser curiosa. Para Meirim, mesmo nos livres indirectos havia que tentar o golo, na esperança que o guarda-redes se enganasse e ainda fosse tocar na bola antes de ela entrar. Tem lógica... 

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