É difícil disfarçar alguma desapontamento, uma vez concluída a cimeira de líderes deste domingo. Depois de uma expectativa em crescendo, que culminou no magnífico e já quase esquecido espectáculo de um estádio da Luz a rebentar pelas costuras, 90 minutos demasiado amarrados a conceitos tácticos e a responsabilidades pesadas acabam por deixar a sensação de que a montanha pariu um rato.  

Não será inteiramente verdade, em especial se a situação for analisada sob um prisma axadrezado. A equipa de Jaime Pacheco deu, mais uma vez, uma demonstração de consistência e solidez competitiva e, a exemplo do que sucedeu em Alvalade, quando arrancou a ferros um nulo diante do Sporting, confirmou ter argumentos para travar qualquer adversário. Mas, que nos desculpem os materialistas, uma equipa que se limita a travar os adversários não chega, com toda a certeza, à liderança da I Liga. E não foi a jogar desta forma que a equipa de Jaime Pacheco chegou onde está - independentemente da homenagem que homens como Ricardo, Rui Bento, Pedro Santos, Litos e Pedro Emanuel justificaram uma vez mais. 

Pacheco trouxe a cartilha de Alvalade 

O exemplo de Alvalade não foi aqui invocado gratuitamente: assim que foram conhecidos os «onzes» iniciais, percebeu-se que Jaime Pacheco tinha intenção de repetir a cartilha desse jogo, abdicando de um ponta-de-lança para colocar Duda e Martelinho como homens mais avançados e Sanchez como apoiador à distância. A intenção, óbvia, era a de reforçar o meio-campo, uma vez que Rui Bento, destacado para vigiar Roger (o que fez de forma quase impecável) iria fazer falta noutras zonas do campo. 

Do outro lado, o Benfica mantinha a receita que tão bons resultados vinha dando. As baixas de Marchena e Escalona foram colmatadas de forma lógica pelo recuo de Meira e pela inclusão de Diogo Luís. Na frente, intocáveis, mantinham-se Van Hooijdonk e João Tomás, mentalizados para uma luta implacável com uma das mais sólidas duplas de centrais da I Liga. 

De forma irónica, os desenhos tácticos partiam da mesma base (um 4x3x1x2) para chegar a conclusões completamente diferentes: enquanto o Boavista tinha flanqueadores mas prescindia de peso no centro do ataque, o Benfica apostava na estratégia contrária, limitando-se a confiar nas capacidades de Van Hooijdonk (direita) e João Tomás (esquerda) descaírem para os flancos para abrir um pouco o jogo ofensivo. 

Diga-se claramente que essa opção não foi suficiente, em grande parte porque o papel de Roger como municiador foi claramente anulado pela marcação do meio-campo contrário - Rui Bento foi a referência do costume nos grande momentos. 

O início de jogo foi eloquente a esse respeito: o Boavista esticou o peito, cerrou os dentes, e aplicou um diabólico pressing que impediu o Benfica de encadear trocas de passes durante uns bons dez minutos. Passada a altura de mostrar o cartão de visita, os boavisteiros recuaram ligeiramente - ninguém, nem mesmo «a equipa que mais corre na Europa», como diz Capello, aguenta aquele ritmo o tempo todo - e deram espaço para que o Benfica se tentasse encontrar. 

Ricardo, para as excepções 

Um tiraço de Calado, que proporcionou a Ricardo a primeira grande intervenção da noite, foi o sinal de que algo havia mudado. O Benfica respirava melhor, passava a ter a bola do seu lado e tinha pela frente o desafio de encontrar as melhores soluções para o problema colocado por um adversário que, cada vez mais, entregava aos donos da festa a responsabilidade de fazer algo para mudar o curso do jogo. 

A inexistência do flanco direito no lado encarnado (apesar da clara subida de confiança revelada por Dudic em relação a outros jogos) congestionou ainda mais o trânsito a meio-campo, uma vez que Erivan, de forma inteligente, se adiantou no terreno, deixando Rui Óscar (quase sempre com João Tomás), Litos (solto) e Pedro Emanuel (com Van Hooijdonk) resolver os problemas atrás. 

As contas de Pacheco poderiam ter saído furadas, se Maniche não tivesse desaproveitado uma boa solicitação de Van Hooijdonk, em posição central (24 m). Ricardo, uma vez mais, demonstrou por que razão foi chamado à selecção nacional, negando um golo que parecia feito. 

Por esta altura, o Boavista já se deixara dos tímidos ameaços iniciais, com excepção dos remates de Sanchez, que tinha ordem para soltar a bomba a partir dos 40 metros da baliza. Mas embora algumas dessas tentativas tivessem passado perto, tornava-se cada vez mais flagrante que o golo era apenas um objectivo muito secundário no esquema montado por Jaime Pacheco. E como o Benfica não encontrava um ritmo constante de circulação, o jogo encaminhava-se cada vez mais para um empate técnico, quando o intervalo apanhou toda a gente a meio de um bocejo. 

Nem de livre... 

No recomeço, parecia claro que teria de ser o Benfica a mudar algumas das coordenadas do seu jogo. Mas Toni entendeu não mexer na equipa, esperando por um rasgo luminoso de Roger e pela subida de rendimento de um Maniche com tanto de voluntarioso como de intranquilo.  

Nada de significativo aconteceu, à excepção de um cacho de livres perigosos nas imediações das duas áreas. Mas nem o filme tantas vezes anunciado ao longo da semana - os lances de bola parada como chave para um jogo engasgado - se cumpriu, porque os atiradores de serviço passaram um pouco ao lado da inspiração. 

E se a guerra de bancos começou cedo - com os suplentes a iniciarem em bloco o aquecimento - nenhum dos treinadores pareceu disposto a dar o primeiro passo, talvez angustiados com uma fase de jogo (entre os 55 e os 65 minutos) em que os passes acertados foram excepção nos dois lados. 

Quando Toni chamou Carlitos, para tentar dar vida ao flanco direito, já faltavam menos de vinte minutos para o final. O público aplaudiu a entrada do extremo, mas assobiou (vá lá saber-se porquê...) a saída de um Roger claramente desinspirado. Se fosse o público a fazer a substituição, teria saído Maniche, mas entre um e outro Toni optou por manter o português em campo, quanto mais não fosse por exibir uma mobilidade superior à de Roger. 

Carlitos, demasiado tarde... 

Então, num lampejo, foi possível intuir o que teria sido diferente neste jogo se o Benfica tivesse tido um flanqueador mais cedo. Numa das primeira intervenções, Carlitos trabalhou bem a bola, ganhou a linha de fundo, e fez um centro perfeito para a cabeça de Van Hooijdonk, que desviou a bola de Ricardo, mas não do poste esquerdo do guarda-redes axadrezado. Foi o melhor lance do jogo, um dos raros momentos de grande futebol em toda a partida. 

O Benfica cresceu durante três ou quatro minutos, chegou a dar a sensação de que iria dar tudo por tudo numa reacção tardia, mas o gás durou-lhe pouco. Apenas o tempo suficiente para dois ou três maus passes tirarem confiança à equipa. O Boavista, que neste segundo tempo teria, teoricamente, mais espaços para aproveitar o contra-ataque, podia então gerir os instantes finais sem demasiados sufocos, com a certeza de que o objectivo fundamental - a manutenção da liderança, estava ali mesmo ao virar da esquina. 

O apito final de José Pratas limitou-se a oficializar um empate que, no subconsciente de jogadores e espectadores, estava há muito definido. Sobram deste jogo a memória de um estádio com o bom sabor dos velhos tempos, e a sensação de que o campeonato sai a ganhar, pelo menos em termos de equilíbrio no pelotão da frente. Desculpem fazer de desmancha-prazeres, mas é demasiado curto para tudo o que este jogo promeuteu...