«Quão grande precisará ser o cemitério da minha ilha?». A questão, desesperada, foi enviada por Giusy Nicolini, governante de Lampedusa, à Comissão Europeia. A dor é, mais do que compreensível, inevitável.

A pequena ilha italiana, 200 quilómetros a sul da Sicília (e a 100 da costa tunisina), é um mar de dor. A grande rota da emigração africana transporta consigo a calamidade e, só nas últimas duas décadas, oito mil pessoas pereceram nas águas limítrofes.

Lampedusa é uma tragédia quotidiana, dos nossos dias, mas esta reportagem não pretende olhar exclusivamente o teor social do problema. Aqui vamos concentrar o olhar no pequeno clube de futebol da ilha, o GSD Lampedusa, e partir desse epicentro para demais conclusões.

Uma vez mais, como em muitas outras, o futebol é uma exceção no tom negro, desgraçado. O futebol, tão maltratado noutras paragens, é em Lampedusa um pequeno bálsamo, um calmante. 

«Não há treinos há dez dias, estamos esgotados»

Partimos para a investigação determinados a separar desporto e política. Desistimos rapidamente. Ao iniciarmos a entrevista com Pietro Bartolo, presidente do GSD Lampedusa, percebemos que ele é também o delegado de saúde local.

No nosso diálogo de 20 minutos, Bartolo começa a falar sobre o GSD Lampedusa e acaba cada uma das respostas a lamentar o clima de luto reinante. «Não há treinos há dez dias. Os meus jogadores ajudam no resgate dos corpos e dezenas de caixões ficam nas instalações do clube. Estamos todos esgotados».

As instalações do clube limitam-se a um pequeno campo de terra vermelha e a um edifício administrativo, «a cair de velho». «Não tem havido tempo para pensar no calcio», explica o senhor Bartolo, lembrando que o último naufrágio ocorreu «há pouco mais de uma semana».

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Os relatos perturbam. «Uma embarcação oriunda da Tunísia trazia 500 pessoas a bordo e incendiou-se. O fogo propagou-se e mais de 300 dos tripulantes não resistiram», conta-nos Pietro Bartolo, ofegante.

Os dias passam, os sobreviventes aguardam a sua sorte no Centro de Permanência Temporária. Todos eles são devolvidos à procedência. A lei obriga-os a pagar uma multa de cinco mil euros. Uma bizarria insanável. «O pouco dinheiro que tinham foi gasto a pagar a viagem».

Os mortos, infelizmente, têm mais tempo. É duro, sim, e brutalmente real. «Continuamos a identificar cadáveres, através dos poucos documentos encontrados. O processo ainda demorará uns dias».

«Um dos jogadores é pescador, salvou muita gente»

Insistimos no futebol. Pietro Bartolo diz-nos que o GSD Lampedusa está a competir na Prima Categoria do futebol siciliano. Jogar nos escalões nacionais é um desiderato antigo e utópico.

«Não dá. Estamos isolados e só temos futebolistas de Lampedusa. Amadores, naturalmente. Um deles, por exemplo, é pescador. Foi dos primeiros a chegar a este último naufrágio e salvou muita gente», confidencia Bartolo, novamente a fugir do futebol.

«E não há um hospital em Lampedusa, só um centro de saúde. Não há também uma comunidade de imigrantes, ao contrário do que se pensa. Só os imigrantes mortos podem ficar, os outros são mandados embora».

A tragédia dá à costa frequentemente. Seres humanos fogem da miséria e buscam a existência possível na Europa. A grande maioria não chega onde quer. É aqui, nesta plataforma purgativa, que surge Lampedusa.

Mas a ilha mediterrânica é só isto?

«Não, não. É um paraíso para o turismo, cheia de praias belas e gentes amáveis. Em 2012 o número de visitantes aumentou 30 por cento. Nesse ano as notícias sobre naufrágios e mortes diminuíram. Está tudo ligado. Este ano é tudo pior».

Os mortos não veraneiam. Lampedusa voltou a ser, em 2013, um cemitério. Nem o futebol escapa às exéquias fúnebres.

GSD Lampedusa-Calatafimi, 4-1