Helena Costa é uma cara conhecida dos portugueses, nomeadamente para quem segue com atenção o futebol feminino. Aos 36 anos, a treinadora já orientou as seleções femininas do Qatar e do Irão, para além de ter treinado nas camadas de formação do Benfica e mais recentemente colaborou com o departamento de prospeção do Celtic de Glasgow. Agora vai ser a primeira mulher a treinar uma equipa profissional de homens, quebrando uma enorme barreira ainda existente no desporto.

O anúncio feito pelo Clermont Foot, equipa que milita na Ligue 2 francesa, surpreendeu toda a gente e está a gerar uma onda de admiração no país, em grande medida pela aposta arrojada do clube numa treinadora, quebrando todos os preconceitos existentes em relação ao sexo feminino no futebol. A nomeação de Helena Costa surge três meses depois da romena Elena Gropolila ter sido escolhida para treinar a equipa masculina de andebol do Dijon. 

Até o presidente da FIFA exultou com a notícia.


A portuguesa substitui Régis Brouard, que comunicou na semana passada o adeus ao clube, que deixou no 14º lugar da segunda liga francesa. Em comunicado, o clube referiu que espera com esta nomeação inédita iniciar uma nova era com base no grupo de 17 jogadores atualmente sob contrato, ao qual serão somados mais jovens jogadores da casa.

A surpresa foi geral, mas a reação dos media foi extremamente positiva. Desde logo o L’Équipe, que promoveu o assunto a manchete no seu site, acompanhando o tema com vários textos. De resto, a imprensa mundial deu amplo destaque à contratação. 



O impacto da notícia é enorme e em França este foi um dos assuntos do dia. O presidente do clube, Claude Michy, deu várias entrevistas a explicar a opção, uma delas ao canal de notícias LCI, em que confirmou a oportunidade de marcar a diferença no panorama desportivo. Mais conhecido pela organização de eventos motorizados, Michy ganha destaque pelo arrojo na escolha de uma treinador para orientar a sua equipa profissional de futebol. 
 
«Toda a gente vai procurar razões para a minha escolha, mas eu sou um rural, um básico e isso já justifica. Faço todas as minhas escolhas por instinto e foi isso que aconteceu com a Helena», ironizou, deixando uma ideia mais concreta:

«Gosto mais de ser percursor do que seguidor. É um verdadeiro desafio, mas o mundo está sempre em mudança e se eu puder contribuir para esse movimento não vou deixar de o fazer. A vida é uma espécie de laboratório e quando nós podemos ter poder de escolha é um luxo».


Michy não vê razão para afastar as mulheres deste tipo de cargos, até porque noutras áreas elas estão presentes normalmente, como é o caso da política, onde até há uma chanceler alemã. Ainda assim, o presidente é um «rústico», nas suas próprias palavras, e isso levará a algum choque de mentalidades.
«Na primeira vez que falámos disse-lhe que sou macho e ela riu-se. É melhor que as coisas fiquem logo esclarecidas», contou em entrevista ao L’Équipe, explicando os objetivos para esta época: «Não fixei nenhuma meta. As pessoas que o fazem não têm noção dos caprichos e do lado irracional do futebol, mas quando estamos no desporto queremos fazer o melhor possível».

Os jogadores ainda não conheceram a treinadora, mas as primeiras reações são positivas. «Soubemos juntos esta manhã. Não sabemos muito sobre ela ou sobre a sua carreira, mas não posso esconder que ficámos surpreendidos. Ouvíamos falar de vários nomes e este veio do nada, por isso temos de esperar para a conhecer», referiu o avançado Remy Dugimont, acrescentando:

«É bom para criar buzz. Será uma experiência única, mas não tenho receio. Eu não sou macho. Claro que no início pode ser estranho, mas de certeza que passados uns dias tudo será normal».

Um outro jogador, o defesa Anthony Lippini, revela alguma ansiedade. «Estava a conversar com o meu fisioterapeuta sobre quando a primeira mulher foi para a tropa, enfrentando um ambiente muito machista. Claro que no início causou impacto, mas agora é algo natural. Tenho curiosidade para perceber como vai acontecer no futebol, por isso já só penso na próxima época para começarmos a trabalhar. Estou muito curioso. Vai ser uma experiência única».

Também nas redes sociais surgiram reações muito interessantes e sempre elogiosas para com Helena e o clube.




Mas a mais importante veio da ministra da igualdade, das mulheres e do desporto, Najat Vallaud-Belkacem, que elogiou Helena e o Clermont Foot.


Também o Celtic Glasgow, o último clube onde trabalhou a portuguesa, emitiu um comunicado a felicitá-la pelo feito histórico. 



Helena, a percursora

A treinadora ainda não foi apresentada e não prestou declarações à imprensa, querendo resguardar-se para a apresentação oficial no final da temporada, mas não deixará de ser um marco extremamente relevante na sua carreira, como admitiu em declarações exclusivas ao Expresso («Sei que isto é um passo histórico no futebol mundial e só demonstra muita coragem por parte do Clermont»). A 17 de maio de 2013 Helena escreveu na sua conta de twitter que vai demorar muito tempo para que algo desta magnitude aconteça em Portugal.

Um pouco antes, quando treinava a seleção do Qatar, explicava à TVI como lidava com a mudança: «Todas as novidades têm sempre resistência».



Helena já está na história do futebol e o futuro dirá que trajeto seguirá e que portas poderá abrir a outras treinadoras. O que está a fazer no futebol é inédito, apesar de em dezembro de 2013 ter surgido a notícia de uma treinadora boliviana (Hilda Ordóñez) orientar a equipa do Sport Boys Warnes sem grande sucesso. Meses antes, uma outra notícia apontava a ex-modelo Tihana Nemcic como treinadora da formação amadora do NK Viktorija Vojakovac, da Croácia. Em 1999, a italiana Carolina Morace foi nomeada treinadora do Viterbese, da série C italiana, tendo sido despedida três meses depois.