Hilário foi o defesa que melhor marcou Mané Garrincha. A opinião é do antigo internacional brasileiro, tornada pública em Portugal há muitos anos num programa de televisão. O antigo jogador do Sporting e da Selecção Nacional recorda agora ao Maisfutebol alguns episódios das vezes em que defrontou um dos maiores génios do futebol, no 25º aniversário da sua morte, lembrada este domingo.
«Fomos entrevistados num programa de televisão, filmado num teatro ao lado do Monumental. Veio cá quando a mulher Elza Soares actuou em Portugal. Éramos bons amigos. Ele chamava João a todos os defesas que defrontava e, nessa entrevista, disse que eu era o João mais difícil que tinha enfrentado», conta, antes de deixar um pouco de lado o futebolista e falar da pessoa: «Era extraordinário, uma criança adulta, sempre a brincar com tudo. Nunca se enervava.»
O destino fez com que se cruzassem pela primeira vez em 1958, em Alvalade, com Garrincha no «escrete» e Hilário vestido de verde e branco, ao serviço do Sporting. Uma experiência inesquecível, de tão negativa que foi... «O Brasil tinha sido campeão do mundo, na Suécia. Era a selecção, com Garrincha, Pelé, Didi contra o Sporting. Levei um bailarico... Acho que perdemos 4-2, e claro que ele foi a grande figura. No dia seguinte, estava num barbeiro a fazer a barba e veio um senhor que me disse logo: Tens de ir ao Gama Pinto! Não entendi. Ao Gama Pinto? Sim, ao oftalmologista, para tratar dessa vista.» Hilário ficou chateado e prometeu a si mesmo não voltar a passar pelo mesmo.
A solução para travar Garrincha
O antigo leão chegou rapidamente a uma conclusão, apesar de ter consciência de que estava perante um fora-de-série. «Comecei a ver filmes do Mundial e percebi que a melhor maneira de marcá-lo era não fazer faltas, jogar sempre a bola. Todos os que entravam de forma violenta eram fintados com facilidade. A partir daí comecei a conseguir boas marcações», lembra, antes de relatar mais um episódio em que quem ficou mal na fotografia foi mesmo o «Pequeno Pássaro»: «No segundo jogo em que o defrontei, no Pacaembu, as coisas correram melhor. Eu e o Mendes começámos a brincar com ele. O Mendes passava-me a bola, ele vinha, eu passava-a ao Mendes. Ele sempre no meio. Não gostou nada, mas ria-se.»
Apesar de ter conseguido equilibrar os embates com Garrincha, Hilário reconhece-lhe um talento ímpar. E adianta que a morfologia estranha foi mais um trunfo do que um problema. «Era um génio naquela posição. Tinha umas pernas que não eram de um jogador de futebol. Tinha uma criatividade única, sentia prazer ao fazer aquelas suas jogadas, era um jogador fantástico. Ele fintava sempre para o mesmo lado, sim... Mesmo assim era muito complicado. Acho que as pernas tortas ajudavam. Saía com mais velocidade da finta. Depois tinha sempre a tentação de não cruzar logo, fazia sempre mais uma finta. Era isso que irritava os adversários.»
Garrincha ou Pelé?
Hilário não consegue escolher entre as maiores referências do futebol brasileiro. O antigo internacional também defrontou Pelé no Santos e na Selecção, e reconhece talento enorme em ambos. E muitas diferenças.
«Defrontei muitas vezes o Pelé e o Garrincha. Eram jogadores de estilos muito diferentes. Pelé andava por todo o lado, começava a pegar na bola na sua área, junto ao guarda-redes, com tabelinhas... Era muito bom na área, fintava bem, tinha um bom jogo aéreo. Garrincha era tudo criatividade.»