Foram precisos 27 anos e 11 dias para Margaret Aspinall encontrar um simulacro de paz de espírito. Foi esse o tempo que passou entre a morte do seu filho James, de 18 anos, uma das 96 vítimas mortais na tragédia de Hillsborough, e o veredicto do tribunal que nesta terça-feira, em Warrington, nos arredores de Liverpool, concluiu pela total ausência de responsabilidade das vítimas no sucedido.

Aspinall, presidente da organização Grupo de Apoio às Famílias de Hillsorough, é, porventura, o rosto mais conhecido de entre as várias «mães erradas» que mantiveram, durante todo este tempo, um braço de ferro com as autoridades britânicas e, também, com boa parte dos media.

O combate jurídico, mas também de comunicação, permitiu desacreditar, primeiro na opinião pública, depois nos tribunais, as teses apresentadas pela polícia, segundo as quais teria sido o comportamento desordeiro dos adeptos a estar na origem das mortes por esmagamento. Aspinall, que em 1991 se recusou a recolher o certificado de óbito do seu filho, por discordar do veredicto de «morte acidental», não teve dúvidas em considerar que a decisão desta terça-feira vira irreversivelmente uma página: «Os adeptos de futebol podem ir para casa e sentir-se orgulhosos de si mesmos. Nenhum adepto fez algo de errado naquele dia, e o que fizemos depois disso foi por todos eles», afirmou à saída do tribunal.

Já o deputado trabalhista Andy Burnham, responsável político pela reabertura do processo, em 2009, congratulou-se com o desfecho, mas manteve-se duro nas críticas, designando o processo de responsabilização das vítimas de Hillsborough, e em particular a investigação à atuação das autoridades como «a maior distorção da Justiça dos tempos atuais»

Por uma maioria de 7-2, os membros do júri validaram, sem reservas, uma série de argumentos que as famílias das vítimas defenderam ao longo dos anos. No essencial, ficou provado que a tragédia resultou de erros de atuação e planificação das forças da ordem, que os oficiais mais graduados falharam em toda a linha nas indicações para lidar com o aglomerado de adeptos num espaço reduzido, e que a ordem para abrir um portão de acesso à zona crítica apressou o desastre.

Nas conclusões do tribunal, nenhuma das vítimas contribuiu de alguma forma para o sucedido, mas a atuação descoordenada da polícia e também das equipas de socorro contribuiu para aumentar o número de vítimas. O próprio dono do estádio, o clube Sheffield Wednesday, foi em parte responsabilizado, quer pelas falhas de segurança no acesso ao estádio – nomeadamente pelo mau funcionamento dos torniquetes - quer pela resposta tardia aos pedidos de suspensão do jogo, numa altura em que os adeptos já se amontoavam no acesso à tribuna Oeste, em Leppings Lane.

Embora uma reação oficial do governo britânico tenha sido adiada para esta quarta-feira, o primeiro-ministro, David Cameron, saudou o veredicto e não se eximiu a homenagear a luta das famílias:

Já do lado das autoridades policiais, o veredicto justificou um pedido de desculpas sem reservas, com o responsável pela polícia de South Yorkshire, David Crompton, a admitir que a força destacada para Hillsborough, na tarde de 15 de abril de 1989, reagiu de forma «catastroficamente errada» e, em consequência, a pedir «desculpas sem reservas» às famílias e a todos os envolvidos.

O veredicto do tribunal abre a porta a um processo de responsabilização ao ex-comandante das forças no estádio, David Duckenfield, que tinha assumido o cargo apenas 19 dias antes do jogo entre Liverpool e Nottingham Forest, relativo às meias-finais da Taça de Inglaterra. No seu depoimento, Duckenfield admitiu ter sido o responsável pela ordem de abertura dos portões, e reconheceu também que, devido à inexperiência, ficou paralisado pela indecisão a partir do momento em que a situação se agravou.

Mas Charlotte Hennessy, filha de uma das 96 vítimas mortais, reagiu desta forma à admissão de culpa do antigo responsável pela polícia: «Não aceito as suas desculpas, senhor Duckenfield, elas vêm com 27 anos de atraso.». Hennessy deu, desta forma, voz à opinião da maior parte das famílias, que responsabilizam Duckenfield e as forças policiais, não só pela tragédia como pela tentativa de encobrimento que, embora estivesse no domínio público pelo menos desde 2012, quando um novo inquérito decidiu pela razão das vítimas, só nesta terça-feira ficou oficialmente comprovada em tribunal.

Eis algumas reações do mundo do futebol ao anúncio do veredicto, através da hashtag #JTF96 no twitter (Justice for the 96)