Esta é uma história insólita de amor ao clube. Gunnar Djupe era um fã do Malmoe que morreu na primavera passada, aos 73 anos. Discreto, como viveu. Nunca casou, não teve filhos e tinha uma vida espartana. Mas acumulou dinheiro e bens ao longo da vida. E bem antes de morrer decidiu que iria deixar tudo ao seu clube de sempre.

A paixão de Djupe pelo Malmoe construiu-se aos longo dos tempos, cimentada no período de glória do clube nos anos 70, muito antes de aparecer um tal Zlatan Ibrahimovic, que se revelou no Malmoe até sair em 2001 para o Ajax e para o estrelato. A paixão de Djupe pelo clube com mais títulos do futebol sueco vem de trás, numa era que culminou com o Malmoe a chegar até à final da então Taça dos Campeões Europeus, em 1978/79. O rival dos suecos foi o Nottingham Forest de Brian Clough, que ganhou por 1-0.

Gunnar Djupe viajava para acompanhar o clube, ele que vivia a mais de 200 quilómetros de distância de Malmoe. «Era obcecado pelo Malmoe. Tinha uma memória fantástica sobre o clube, lembrava-se de todos os jogos e resultados de há 30 anos», contou ao jornal sueco «Ostramaland» Karl-Gunnar Karlsson, que foi amigo de Djupe ao longo de quase toda a vida e relata ainda como o amigo comprava os jornais que traziam informação desportiva e colecionava todos os recortes sobre o Malmoe.

Karlsson estava presente quando Djupe redigiu o testamento, nos anos 90: «Ainda lhe disse, Gunnar, viveste em Nybro toda a tua vida, não queres doar também algo ao clube local? Mas era como bater numa parede.»

O Malmoe não é propriamente o exemplo de um clube necessitado. Tem o maior orçamento do futebol sueco, algo como 12 milhões de euros por ano, que lhe têm continuado a valer sucesso interno: foi três vezes campeão nos últimos quatro anos.

Djupe viajava de comboio para ver os jogos e levava de resto uma vida espartana, conta ainda o amigo. Viveu toda a vida num apartamento de três assoalhadas, embora fosse proprietário de uma urbanização de apartamentos nos arredores de Malmoe. «Era um milionário mas vivia de forma muito económica», diz Karlsson, que numa outra entrevista, ao jornal Sydsvenskan, resume assim o amigo: «Era um peixe estranho no aquário.»

Então, Djupe deixou ao Malmoe a tal urbanização, que  tem 24 apartamentos, todos alugados. É o seu principal bem e de acordo com a imprensa sueca está avaliado em 14.6 milhões de coroas suecas, algo como 1.5 milhões de euros. Mas o testamento descreve também os outros bens que deveriam ser leiloados, que incluem a sua mobília e vários quadros, incluindo um que se chama «Grindslanten». Uma obra do pintor sueco August Malmstrom, embora o mais provável é que esta na posse de Djupe seja apenas uma cópia. Mas há mais. «Deixo ao Malmoe todos os meus livros de futebol e os meus recortes de jornais», disse.

A contrapartida que Djupe pedia era que fosse criada uma fundação, a ser gerida pela administração do clube, e que parte do dinheiro revertesse para a formação do Malmoe. O «Fundo Memorial Gunnar Djupe», destinado a apoiar «jovens jogadores talentosos que tenham demonstrado boa camaradagem».

Os bens de Djupe já foram entretanto vendidos em leilão. E agora o jornal Sydsvenskan diz que o processo de avaliação e processamento da herança, que decorreu no tribunal de Kalmar, está concluído. Há apenas um último procedimento legal. Como Gunnar Djupe não tinha herdeiros, se não houvesse testamento os seus bens teriam sido encaminhados para o Fundo Sueco de Heranças, que atribui esse dinheiro a vários tipos de organizações. Esse fundo, acrescenta o jornal, ainda pode reclamar.

Entretanto, o Malmoe ainda não decidiu o que fará à herança. Antes de mais, agradeceu, lembrando a memória do adepto benfeitor. «Ele seguiu o Malmoe durante muitos anos e deu-se com alguns dos antigos jogadores. Nunca esteve formalmente ligado ao clube, mas foi um adepto genuíno», afirmou o presidente do clube, Hakan Jepsson, ao «Expressen», em novembro passado.

Depois, o dirigente explicou que o clube ainda terá de ver como gere a herança. «Não se trata de fazer entrar dinheiro na nossa conta, mas de uma propriedade com inquilinos, com cuja gestão temos de lidar», afirmou. «Mas é um ótimo princípio. Sempre trabalhámos muito a formação e queremos continuar a desenvolver jovens talentos. Ainda não discutimos em que moldes», acrescentou.