Uma camisola alternativa com as cores da Palestina, outra a dizer que os refugiados são bem-vindos. O Bohemian FC, fundado no longínquo ano de 1890 e que se orgulha de ser o clube mais antigo da Irlanda, quis ser também um clube de causas. E elas fizeram-no crescer e ganhar adeptos pelo mundo fora.

Daniel Lambert, diretor operacional do Bohemian, começa por contar ao Maisfutebol como o clube age em vários planos: «A nível local trabalhamos com várias instituições de solidariedade para pessoas sem-abrigo ou com deficiência. A nível nacional trabalhamos para tentar melhorar a situação dos migrantes. Todos os Natais temos presentes para 4500 crianças, as crianças no sistema de migrantes na Irlanda. Fazemos campanha por melhores direitos e por um melhor sistema para os migrantes. Também trabalhamos com vários programas para que membros da comunidade LGBT se envolvam no futebol.»

A camisola «Refugees Welcome», lançada em parceria com a Amnistia Internacional, faz parte desse trabalho. Como noutros casos, uma percentagem das receitas das vendas reverte para uma organização que trabalha com migrantes. Esse é um tema atual e transversal a toda a Europa, a que o Bohemian não quis ficar alheio, diz Lambert, invocando a própria história de imigração da Irlanda: «Acreditamos que a forma como os migrantes são tratados podia ser melhor. Os irlandeses deixaram a Irlanda ao longo dos séculos por muitas razões, guerra, fome, ou ainda nos anos 80, à procura de uma vida melhor. Pensamos que, entre todos os países, nós devíamos ser acolhedores para estas pessoas.»

O apoio à Palestina é uma das causas maiores do Bohemian e não é de agora: «Lançámos uma camisola em janeiro do ano passado, muito antes do atual genocídio, que revertia para as crianças da Cisjordândia, na Palestina. Neste momento fazemos muito trabalho em torno da Palestina.» A próxima iniciativa é um jogo amigável com a seleção feminina da Palestina em Dublin, marcado para maio: «É a primeira vez que elas jogam na Europa.»

«Fazer a coisa certa pode ser bom para todos»

Daniel Lambert, adepto dos Bohs desde criança, faz parte da direção do clube desde 2011, assumiu como responsável operacional em 2020 e é o principal rosto desta vertente solidária do clube, mas diz que o projeto surgiu de «uma ideia coletiva». «Acho que tem origem na nossa estrutura. Nós não temos um dono, somos uma organização cooperativa», observa, ele que acredita que faz todo o sentido o clube assumir uma responsabilidade social.

«Um clube de futebol, que no limite representa muitas pessoas diferentes, tem a capacidade de influenciar muita gente, sobretudo jovens, de uma forma positiva. Não sei como é em Portugal, mas na Irlanda agora há menos pessoas a ir à Igreja, as pessoas estão mais desligadas do que já estiveram. As pessoas têm de sair de onde são porque não conseguem pagar a renda, por exemplo. O clube de futebol pode ser um ponto de continuidade, uma constante na vida das pessoas», defende: «Se esse clube pensa que o sucesso se limita a ganhar jogos, parece-me um bocado tonto, porque há muitas equipas e só uma pode ganhar. Há muito mais do que futebol. Fazer a coisa certa pode ser bom para o clube e para as pessoas que ajudamos. Pareceu uma coisa boa para toda gente.»

«É muito bom para nós, por duas razões. Podemos evidenciar causas - e todas as camisolas têm uma organização como destinatária -, e também trazer uma receita importante, sobretudo para um clube que não tem um dono privado», continua, dando o exemplo das ações de apoio à Palestina: «Trabalhamos com uma organização chamada Palestine Sport for Life, a ajudar crianças a jogar futebol nos campos de refugiados. A camisola foi sempre um artigo muito forte na lógica de solidariedade. Desde o que aconteceu agora, temos vendido muitas camisolas e damos mais dinheiro do que o que tínhamos previsto a essa organização. É a coisa certa a fazer.»

Dez vezes mais sócios e muitos que já não conseguem lugar no estádio

E tudo isso também é bom para o clube, defende: «A maioria dos clubes de futebol depende de um dono rico e tentam estar sempre a mudar para ter um dono mais rico. Para nós, que não temos esse modelo, o nosso sucesso, não apenas no campo, depende de termos cada vez mais sócios. Acreditamos que se fizermos algo que as pessoas reconheçam que é positivo para a sociedade e não apenas para o desporto, teremos mais membros.»

Essa filosofia já deu resultados. O número de sócios disparou e há lista de espera por lugares no estádio, o também centenário Dalymount Park, conta Lambert: «Nos últimos dez anos, quando nos tornámos mais ativos, o nosso número de sócios aumentou quase dez vezes. Mais pessoas do que nunca querem ser sócias do clube e não arranjam bilhetes para os jogos.»

São neste momento 3500 sócios e não dá para aceitar mais, porque não teriam lugar no estádio. Mas esse é um problema em vias de resolução, porque o Bohemian prepara-se para fazer uma remodelação profunda no Dalymount Park. O projeto para um recinto com capacidade para oito mil pessoas já tem aprovação municipal e estará em curso nos próximos três anos.

Nem todos os adeptos aprovam

O Bohemian envolve-se em causas sociais, sem associações políticas, realça Lambert: «Como clube de futebol somos apolíticos. Não apoiamos partidos políticos nem o faríamos.» Mas esse ativismo, admite também o dirigente do clube, não é bem visto por todos os adeptos. Há quem não goste, quem ache que o clube devia focar-se apenas no futebol.

«Há um número reduzido de pessoas mais vocais, que gostam de ir para o Twitter e para o Facebook. Sentem que nos devíamos concentrar apenas no futebol. Dizem: ‘O que é isto?’ Mas pode-se ver pelas nossas assistências e número de sócios que muitas, muitas mais pessoas se envolveram com o clube», diz Lambert, reforçando a ideia: «Não ganhamos um troféu desde 2009 e todo este crescimento aconteceu sem nenhum sucesso no futebol. Mas sim, há pessoas que sentem que isto não é o que queriam.»

Para lá da intervenção social, o Bohemian tem mais apostas de merchandising, a evocar também a história e a cultura do clube e da cidade. Lançou várias outras camisolas, uma delas dedicada a Bob Marley, em memória de um concerto histórico do jamaicano no centenário Dalymount Park, outra alusiva aos Thin Lizzy, banda lendária de Dublin. Artigos de culto, que atraem gente de todo o mundo.

«Todos os dias temos pedidos de todo o mundo»

E isso trouxe muito ao clube, também do ponto de vista financeiro. «Tornou-se uma parte muito importante do nosso rendimento. O merchandising costumava representar menos de 5 por cento e agora representa 15 por cento. As camisolas do Bob Marley e dos Thin Lizzy, a da Palestina, a dos refugiados, têm muita procura. Todos os dias temos pedidos, de todo o mundo.»

O Bohemian foi onze vezes campeão da Irlanda, a última delas em 2009, e já andou pelas competições europeias, mas é um clube sem grande expressão internacional. Foi esta vocação ativista que o tornou diferente, que o levou por exemplo às páginas do New York Times, numa reportagem recente. Ela é também, admite Lambert, uma boa estratégia de marketing. «Ao início não era. Percebo porque as pessoas perguntam isso, mas nós não pensamos nas causas pensando que serão boas para marketing», começa por dizer o responsável do clube.

Do «marketing social» às dificuldades desportivas no meio de «bilionários»

Mas elas ajudam de facto a potenciar o Bohemian, diz, e isso é feito de forma consciente: «No mundo há uma quantidade enorme de gente que gosta de futebol. Nós estamos num país pequeno, numa Liga pequena, somos um clube pequeno. Mas acho que, tendo valores que são universais, as pessoas internacionalmente podem ter respeito ou admiração por isso e podem querer comprar algo de um clube muito mais pequeno. Pessoas em partes diferentes do mundo, que nunca viram um jogo do Bohemians e nunca verão, podem ter uma ligação a nós baseada em direitos humanos. Não é marketing normal, mas talvez seja mais marketing social, ou o que lhe queiram chamar.»

No plano desportivo, o Bohemian vai competindo. A época atual não começou bem e esta semana o clube despediu o treinador Declan Devine, quando a equipa seguia em sétimo lugar entre os dez participantes na Liga irlandesa, com quatro pontos ao fim de cinco jornadas. A concorrência é dura, diz Lambert.

«Há vários bilionários na nossa Liga e é difícil para nós, que somos um clube detido pelos adeptos, mesmo com as vendas de merchandising fortes como temos», observa: «Na Irlanda, nas duas últimas épocas, foram vendidos sete ou oito clubes, em 20. Se tirássemos os donos privados e os clubes tivessem de existir com base no seu verdadeiro rendimento, estaríamos no topo da Liga. Há muita gente disposta a perder muito dinheiro e nós não podemos fazer isso. Isso torna o nosso trabalho muito mais difícil, mas não queremos desistir do modelo. Para mim, pelo menos, é melhor nunca alienar o clube de futebol do que dá-lo a alguém para tentar ter sucesso de curto prazo.»