Bruno Moreira ainda não tem bem a certeza, mas acha que ganhou a Taça da Liga da Tailândia. A decisão ficou para a secretaria, porque o futebol jogado, esse, acabou abruptamente três semanas antes do final da época. «Foi estranho», diz o avançado português ao Maisfutebol, ao telefone desde Buriram, num país em estado de luto por causa da morte do seu rei.

Bhumibol Adulyadej tinha 88 anos e estava no trono desde 1946. Quando morreu, a 13 de outubro, o país entrou em luto profundo. «O povo tailandês respeita muito o rei. Tenho falado com colegas meus tailandeses, eles dizem que era um deus para eles. Esteve 70 anos no poder. O país parou», conta Bruno Moreira, que joga no Buriram United e ainda há semanas falava ao Maisfutebol sobre a sua experiência numa Tailândia bem diferente daquela em que vive neste momento.

As coisas mudaram em pouco tempo. «Agora foi decretado um mês de luto. Toda a gente se veste de negro, e vão diariamente rezar para junto de uma estátua na cidade, aqui onde estou, sempre à mesma hora.» Formalmente, o luto na Tailândia prolongar-se-á por um ano.

Até a rotina dos estrangeiros e dos jogadores de futebol se alterou. «Por respeito, tivemos por exemplo que estar presentes durante uns dias nessas homenagens, junto a essas estátuas», conta o avançado português. «Treinávamos da parte da tarde e no final do treino pediam-nos para nos concentrarmos na academia. De lá partíamos todos para o estádio, onde há uma estátua do rei, e prestávamos uma pequena homenagem.»

E no meio disto, «o campeonato terminou». Nos dias seguintes à morte de Bhumibol a Federação tailandesa suspendeu todas as competições. Depois de uma reunião com os clubes decidiu que a época terminava mesmo ali. Quando havia três jornadas do campeonato, quatro nalguns casos, por disputar, e duas finais de Taça para jogar.

«Foi um processo um pouco estranho. Foi a primeira vez que me aconteceu desde que jogo futebol, ter parado um campeonato antes do fim», diz Bruno Moreira: «Por norma o país devia parar durante um mês para o luto. Numa primeira fase pensámos que iriam esperar um mês, mas depois a Federação entendeu que seria melhor terminar o campeonato da forma que estava.»

Foi declarado campeão o Muangthong United, que na altura liderava com cinco pontos de avanço sobre o segundo, o Bangkok United. Duas das três equipas que desceram, o Army United e o Chainat Hornbill, ainda tinham hipóteses matemáticas de manutenção. E a equipa de Bruno Moreira também ainda tinha ambições de chegar a um lugar de qualificação para a Liga dos Campeões asiática. Ficou em quarto, enquanto o Ratchaburi de Yannick Djaló, o outro português na Tailândia, foi sexto.

«Não sei se é o mais lógico, acabou por favorecer umas equipas e desfavorecer outras, que descem de divisão e podiam ainda não descer», observa Bruno Moreira. «Como nós, que ainda podíamos tentar um lugar que desse acesso à pré-eliminatória da Liga dos Campeões, assim não conseguimos. Foi uma decisão um pouco estranha.»

«Só disseram que era por respeito ao rei, que não haveria qualquer tipo de competição desportiva na Tailândia durante um mês», continua. Há também uma questão de calendário, uma vez que a nova época começa em janeiro, pelo que seria difícil encaixar competição a partir de meados de novembro, quando terminaria o mês de luto: «O mês de novembro é de férias, o campeonato volta em janeiro. Consideraram que não seria possível terminar o campeonato quando todas as equipas já iam de férias.»

A decisão apanhou a equipa de Bruno Moreira em Banguecoque, à espera de jogar uma final. «Estávamos na final da Taça da Liga, estávamos concentrados, a dois dias do jogo, quando foi a decisão. Essa final foi a primeira coisa que cancelaram, antes de darem o campeonato por terminado.»

Segundo escreveu a imprensa tailandesa, a decisão tomada foi dividir o título e o prémio de vencedor pelo Buriram e pelo Muanghtong, o outro clube finalista, mas também circulou a informação de que haveria um sorteio para determinar o vencedor. Foi essa a ideia com que ficou Bruno Moreira. «Acho que fomos nós que ganhámos. Foi através de um sorteio qualquer, com bolas, acho que ficou definido o vencedor e acabámos por ser nós.»

Um dos clubes da Liga tailandesa votou contra a decisão de terminar o campeonato antes do fim e o caso pode não ficar por aqui, sendo que a FIFA ainda terá uma palavra a dizer nesta questão. Mas para já está assente e seguramente não há mais futebol de clubes este ano na Tailândia. Haverá um jogo de seleções de qualificação para o Mundial, a Tailândia frente à Austrália, que estava marcado para novembro. Esteve para ser cancelado, depois para ser jogado à porta fechada, mas vai acontecer, se bem que sem festa.

A Federação australiana avisou os seus adeptos para uma série de restrições determinadas pelas autoridades desportivas da Tailândia: deverão vestir roupas discretas – pretas, cinzentas ou brancas, não serão permitidos tambores, megafones ou outro equipamento sonoro, nem faixas, nem cânticos.

O rei Bhumibol era uma figura tutelar na Tailândia, num país com leis severas sobre a reverência à figura real. E as manifestações de respeito pela sua morte não se limitaram às fronteiras da Tailândia, mesmo no futebol. Talvez não tenha reparado, mas veja o que fez no fim de semana passado o Leicester, campeão inglês e propriedade de um empresário tailandês, no jogo com o Crystal Palace. Um minuto de homenagem de todo o estádio.

E o próprio treinador Claudio Ranieri no centro do ritual

Bhumibol, que não tinha poder executivo formal mas foi durante décadas o fator de equilíbrio na conturbada realidade política tailandesa e num país que passou por dez golpes de Estados durante o seu reinado, deverá ter como sucessor o seu filho, embora a questão da sucessão tenha sido adiada para já, à partida por um ano. O papel de regente está a ser assumido pelo antigo conselheiro real.

A morte do rei levantou receios de que o país, governado desde 2014 por uma junta militar, caisse numa situação de instabilidade. Para já, Bruno Moreira diz que, depois dos primeiros dias, o ambiente é de tranquilidade.

«Na altura estávamos em Banguecoque e a cidade parou. Tudo fechado, muitas ruas fechadas. Mas depois a cidade voltou ao normal, voltou ao caos de sempre», sorri: «Aqui em Buriram é mais tranquilo. Não se nota assim muita diferença, a não ser que se vê muitas epsoas vestidas de preto.»

Bruno Moreira ainda está na Tailândia, a treinar até ao fim do mês, e o que se passou nas últimas semanas não muda a sua vontade de ficar. «Tenho mais dois anos de contrato, tenho agora umas férias para descansar e para mais tarde começar a preparação. Tem sido bastante positivo, tenho gostado imenso de cá estar, rodeado de pessoas que me têm ajudado.»