12 de outubro de 1996. Há vinte anos, no relvado do Estádio San Lázaro, assistiu-se a um fenómeno daqueles com que o futebol só muito raramente nos oferece. Aliás, assistiu-se ao Fenómeno em todo o esplendor dos seus vinte anos.

Naquela noite fria no coração da Galiza, Ronaldo Luís Nazário de Lima arrancou com pressa desde o meio-campo e num espetáculo de potência e habilidade demorou dez segundos até encontrar a baliza para consumar um golo de antologia.

Ao nono jogo pelo Barcelona (sétimo na Liga) aquela promessa imensa contratada ao PSV Eindhoven por quase 15 milhões de euros faria o seu quinto bis no início de época e rapidamente passou a certeza. Mas mais do que os números, era a arte que impressionava. Aos olhos do mundo, terá nascido ali o «Fenómeno».

Quase tão memorável como aquele que foi um dos melhores golos da história do futebol moderno, é a imagem do técnico Bobby Robson, de mãos na cabeça, incrédulo, bem como as palmas de reconhecimento do adversário, que brotavam desde as bancadas.

Não era caso para menos. Com a velocidade de um raio e com o 9 blaugrana nas costas, o jovem prodígio brasileiro de 20 anos ganha a dividida, controla, dribla e acelera, antes de na cara do guarda-redes Fernando atirar para o fundo da baliza.

Pelo caminho ficaram Passi, Fabiano (agora treinador do Estoril), Jose Ramón, Mauro, Chiba, Bellido e William, o último jogador de campo a ser batido, num golpe de rins.

William: «O golo tornou-se elemento cultural, que transcende o próprio jogo»

Duas décadas depois, o Maisfutebol encontra o ex-defesa-central – que em Portugal representou Benfica, Vitória de Guimarães e Nacional da Madeira – em Gibraltar, onde orienta agora o Mons Calpe, e com ele recorda aquele momento que ficou gravado na memória, num jogo para esquecer dos galegos frente ao Barça, que começou com logo com um autogolo do próprio William logo no primeiro minuto e terminou numa goleada por 1-5 (com bis de Ronaldo).

«O Ronaldo fez ali o que fazia como ninguém: avançar desde trás com a bola, embalado, driblar em velocidade, finalizar de forma esplêndida… A sorte também protege os audazes e naquela jogada ele beneficiou de todos os ressaltos possíveis. Depois do jogo, sentado no sofá, via a jogada e encontrava 50 mil opções para tentar pará-lo. Mas, em campo, naquela noite, não vejo que tenha tido algum demérito. Eu era o último homem, sozinho na área, era impossível pará-lo», recorda William, destacando o Barça «poderosíssimo» daquela época, com Robson no banco e José Mourinho na equipa técnica, com Vítor Baía, Fernando Couto e Luís Figo a fazerem parte de um plantel onde brilharia intensamente Ronaldo, que nessa época fez 47 golos em 49 jogos.

William agradece a oportunidade de poder lembrar o golo. «É um momento digno de ser recordado», constata: «No futebol, há que saber ganhar e perder e há também que saber reconhecer. Hoje, digo que tive a possibilidade de jogar contra um dos maiores futebolistas de todos os tempos e de ter ficado associado a essa história. Esse momento tornou-se num elemento cultural, que transcende o resultado do próprio jogo.»

O antigo defesa-central brasileiro, hoje com 48 anos, não chegou a cumprimentar Ronaldo naquela noite. «Depois de levar cinco golos em casa, não é fácil ter fair-play...» Nem voltou a cruzar-se em campo com o seu compatriota.

Quatro anos antes daquela noite em Compostela, William já havia reparado que havia qualquer coisa de fenomenal quando enfrentou aquele menino ainda com 16 anos num particular do Benfica diante do Cruzeiro, no Estádio da Luz, em 1993.

«Disse para o Mozer: ‘Que velocidade tem esse miúdo! E o drible…’ Além dessas qualidades o Ronaldo mostrava ter uma personalidade extraordinária. Não tinha medo de ter a bola nos pés, ia para cima dos centrais. Sofria falta, levantava e voltava a driblar… E a partir para cima dos centrais de novo. Era um fenómeno.»

Era, de facto, o Fenómeno, como o mundo inteiro ficaria a saber depois daquela noite em Compostela, há exatamente vinte anos.