O telefonema encontra Gregory na Índia, para onde se mudou em setembro. Não é nada de novo, refira-se, há três anos que o faz: logo depois do encerramento do mercado na Europa, no último dia de agosto, pega nas chuteiras e viaja para Goa, para representar a equipa local durante os quatro meses que dura a Superliga indiana.

Ora esta história não teria nada de surpreendente se Gregory não tivesse encerrado a carreira de futebolista há precisamente três anos. Mas a verdade é que o fez.

Aceitou um convite do empresário Carlos Gonçalves para se juntar à ProEleven, a agência que representa Villas-Boas, Marco Silva, Paulo Bento, Rui Patrício e muitos outros. Tornou-se por isso agente de jogadores, sendo o responsável pelo mercado francófono, e pensou provavelmente que futebol nunca mais: mas a vida trocou-lhe as voltas.

«A direção do FC Goa gosta do meu trabalho e todos os anos me diz para voltar. Mais ou menos em fevereiro, março, abril, eles começam a fazer o plantel para a nova temporada e ligam-me a perguntar se quero voltar», conta Gregory.

«Eu respondo que sim e as coisas fazem-se rapidamente.»

Por isso há três anos consecutivos que em setembro faz a mala, pega nas chuteiras e viaja para a Índia, onde volta a ser jogador de futebol. Numa equipa orientada por Zico e que tem, por exemplo, o antigo campeão do mundo Lúcio na defesa.

Não é propriamente como brincar num jogo entre solteiros e casados.

«Não, nada disso. Posso até dizer que me surpreendeu muito a Superliga indiana, está muito, muito bem organizada», atira.

«É uma liga que pode enganar muito, porque as pessoas não dão grande crédito à Índia, mas é bem organizada, tem os estádios cheios e é muito difícil: os jogos são de três em três dias e por isso é preciso estar bem preparado fisicamente.»

Pelo meio, acrescenta, é jogada num ritmo mais lento do que acontece na Europa, o que colabora com os 36 anos que Gregory já conta.

Mas já lá vamos.

Antes disso, convém perceber como a entidade patronal reage a esta ausência de Gregory durante quase quatro meses do ano, numa altura em que os campeonatos já decorrem.

«Dou-me muito bem com o Carlos Gonçalves, é uma relação que é mais forte do que uma amizade e estou à vontade para o fazer», refere.

«Ele sabe que consigo jogar e fazer o meu trabalho com o profissionalismo de sempre.»

Ora isso, refira-se, é essencial: Gregory pode estar na Índia a jogar futebol profissional, mas não deixa de ser agente de jogadores. É o próprio quem o jura.

«Faço os meus contactos na mesma. Já aconteceu muitas vezes estar em estágio para um jogo a trabalhar para a agência. Sabe que neste mundo do agenciamento de jogadores não se pode parar. Os clubes exigem uma colaboração constante, temos de estar sempre a falar, sempre a fazer contactos, sempre a conversar sobre jogadores. Temos de estar sempre a alimentar a relação, porque se não, se paramos, quando voltarmos já não temos a mesma capacidade de chegar às pessoas», refere.

«Se eu parasse durante os quatro meses do campeonato, estragava a minha carreira de empresário. Por isso é normal quando estou aqui estar em contacto com os clubes, mandar mails, fazer telefonemas, preparar as coisas para depois fechar os negócios.»

Pelo caminho, garante, está sempre de olho bem aberto. Afinal de contas é isso que um empresário também faz: descobre pepitas de ouro para poder valorizar mais tarde.

«Eu não divulgo isto e nem toda a gente sabe que sou empresário. Muitos colegas meus não o sabem. Mas, claro, nunca deixo de ser empresário», atira.

«Por isso estou sempre a ver se encontro algum jogador interessante, sempre atento aos adversários e se vir alguém que vale a pena seguir, passo logo ao Carlos Gonçalves.»

Voltando atrás nesta conversa, convém então perceber como um homem que pendurou as chuteiras há três consegue voltar a jogar futebol profissional todos os meses de setembro. Tem um preparador físico? Faz algum tipo de treino no relvado?

«Não, nada disso. Tenho de visitar os clubes, fazer contactos, agendar reuniões, sobra-me pouco tempo. Sou obrigado a fazer uma pausa em tudo o que é jogar futebol», diz

«Mas eu não paro de fazer desporto. Quando volto para Portugal faço ginásio, corro todos os dias, mantenho-se sempre ativo. Claro que não consigo treinar ou jogar futebol, mas dá para manter o meu exercício físico. Durante o ano é isso que faço.»

Para além disso, acrescenta, continua a pensar como um jogador de futebol: para muita gente pensar como um jogador de futebol não é um elogio em parte nenhuma do mundo, mas na perspetiva de Gregory é essencial para poder continuar a sê-lo.

«Tenho muito cuidado com a alimentação durante todo o ano. Se me apresentasse com dois ou três quilos a mais, isso refletia-se no campo. Não pode ser, não posso perder rapidez. Sou profissional do início até ao fim, não sou semi-profissional», sublinha.

«Por isso durante todo o ano tenho a preocupação de comer bem, de descansar bem e de cuidar de mim. Sobretudo porque já não sou nada novo.»

Por isso, acrescenta, consegue adaptar-se bem às exigências do treinador.

«Chego, faço os treinos, faço os jogos e não acabo por exemplo mais cansado do que os meus colegas. Ainda ontem fiz noventa minutos e estou bem.»

De que outra forma, aliás, se conseguiria explicar que ano após ano o FC Goa o escolhesse para ocupar um dos lugares de estrangeiro? De que outra forma, aliás, se explicaria que jogo após jogo continue a ser titular, relegando muitas vezes Lúcio para o  banco?

«Tenho uma amizade muito forte com o Zico. Ele sabe que eu trabalho na ProEleven, mas não me dá nada: coloca-me a jogar porque sente que tenho condições para jogar.»

Em Goa, aliás, Gregory é um ídolo, a quem chamam A Muralha. O francês ri-se. «As pessoas estimam-me, sim», atira.

Para um miúdo que aos 22 anos jogava numa equipa amadora de França e que ainda foi a tempo de jogar, por exemplo, uma pré-eliminatória da Liga dos Campeões pelo Paços Ferreira, não pode dizer-se que o futebol tenha sido cruel com ele.

Afinal de contas deu-lhe uma carreira respeitável em clubes como o Marítimo, o Vitória Guimarães e o Sp. Gijón, de Espanha. Deu-lhe também o sentimento de ser desejado mesmo depois de encerrar a carreira. Sim, o futebol não foi cruel com ele: e se calhar é por isso que Gregory não consegue pendurar as chuteiras em definitivo.