Foi uma daquelas surpresas que só acontecem no futebol: dois golos nos descontos que viraram por completo a história do jogo. Quinito voltou a falar, voltou a conviver, voltou até a chorar. Com ele chorou uma sala cheia de pessoas que o admiravam.

O futebol faz milagres.

O treinador, esse, surpreendeu toda a gente e surgiu esta tarde no Fórum Luísa Todi para ser homenageado pelos companheiros de profissão.

Desde logo, pela simples presença, humilde, discreta, quase tímida, Quinito emocionou os restantes treinadores: vários se deslocaram ao canto onde o setubalense se tinha sentado para o cumprimentar, para lhe dar uma palavra de coragem, para o ver apenas, até.

Quinito permanecia impávido. Agradecia com os olhos.

Quando o apresentador disse as quatro palavras marcantes – «Joaquim Lucas Duro de Jesus» – e Quinito foi chamado ao palco, o auditório irrompeu num aplauso.

Um grande e sonoro aplauso.

Com ele subiram ao palco Henrique Calisto, o Prof. Neca, Silvino Louro, Domingos Paciência, Quim Machado, Jaime Pacheco, José Alberto Torres e Paulo Sérgio, que lhe deram um forte abraço. Todos, obviamente, e sem exceção.

Depois Henrique Calisto pegou na palavra, ele que tinha tido a ideia à última da hora de promover esta homenagem, ideia essa que conseguiu tirar Quinito de casa.

«Há muitos como eu, mas não há nenhum como o Quinito. Ele transformava o mundo do futebol. Quinito, eu sei que houve uma tragédia, mas não nos deixes órfãos», atirou Calisto, entre soluços, segurando-se para não chorar mas colocando Quinito em lágrimas.

«O futebol precisa de ti. Peço uma grande salva de palmas para que ele volte ao futebol.»

Nessa altura a sala levantou-se num grande aplauso e Quinito ganhou coragem para falar ao público, explicando tudo o que lhe tem passado pela cabeça. O que se seguiu foi um tratado de humanismo: um ensaio sobre toda a enorme fragilidade do ser humano.

Sem medos das palavras, sem receio em expor o que lhe ia na alma, o treinador agradeceu a homenagem e explicou que a morte do filho foi mais forte do que o amor pela vida.

«É difícil. Passo uma situação complicada. Um grande sentimento de culpa», começou por dizer.

«Nós que andamos no futebol há tantos anos e vivemos o futebol vinte e quatro horas por dia, estamos longe de casa, fora de casa, não vimos crescer os nossos filhos.»

Nessa altura Silvino vira-se de costas e começa a chorar: o drama de Quinito não é só dele, é de todos os treinadores que muitas vezes passam uma vida fora de casa.

«Não vi o meu filho dizer ‘pai’ pela primeira vez, não vi o meu filho aprender a nadar, não vi o meu filho aprender a andar de bicicleta. Não o abraçava todos os dias, passavam-se até meses em que não o abraçava, e ele hoje não está cá: foi-se embora.»

Metade dos homens chamados ao palco já estava de costas para o público: depois de Silvino, também o Prof. Neca, Henrique Calisto e Domingos não seguravam as lágrimas.

Quinito continuava a falar. Num tom lento e triste. Como quem fazia uma confissão. O filho faleceu na sequência de um acidente de automóvel, em 2009, no Brasil, mas Quinito ainda não parou de se penitenciar pelo tempo que não viveu ao lado dele.

Parece que a tristeza é o caminho do Calvário que tem de cumprir.

«É difícil ter um filho e não o conhecer. Culpa do futebol. Portanto há um certo divórcio, sinto uma certa culpa de ter trocado conhecer o meu filho pelo futebol: porque na verdade não o conheci. Haverá dentro de algum tempo, tempo para o conhecer», referia.

«Muito obrigado, especialmente aos meus amigos. Não esperava uma coisa destas e isto vai dar-me força para tentar tirar um pouco a culpa que tenho dentro de mim, de ter um filho que era um menino maravilhoso e que na realidade não o conheci.»

Quinito continua a ser um mestre a dobrar as palavras e chegou à parte fundamental.

«O futebol saiu-me caro», atirou.

«Pondo no prato da balança as alegrias e estas amizades e não ter visto crescer o meu filho, que já não está cá, não sei qual pesa mais. É esta a dúvida que me assalta neste momento e que me dá cabo da cabeça. Vou tentar com toda a força sair desta situação, limpar este sentimento de culpa e chutar a bola para a frente.»

Foi nesta altura que por fim se sentiu uma réstea de esperança nas palavras de Quinito. O treinador ainda acredita na vitória, e esse é o primeiro passo para discutir o resultado.

«Neste momento estou a perder 50-0. Não valeu de nada o que ganhei, o que perdi, o que empatei, quando no fim sofro uma derrota por 50-0. Vou tentar tirar essa derrota por 50-0, para tentar ir a prolongamento ou a penaltis. Vamos ver. Muito obrigado.»

A sala voltou a levantar-se num grande aplauso, para dizer o essencial.

Nós é que agradecemos, Quinito. Obrigado por ter tornado o futebol um lugar mais feliz, mais divertido, mais fraterno. Coragem, amigo.

Quinito desceu do palco e seguiu de imediato para casa. Pode não ter essa noção, mas hoje voltou a ganhar: com dois golos nos descontos.

De reviravolta.