Kai Havertz insiste em manter o nome intimamente ligado à Liga dos Campeões. 

O herói do título europeu do Chelsea, autor do único golo da final frente ao Manchester City, no sábado, no Estádio do Dragão, até só se estreou a marcar na prova agora. Mas fê-lo no momento mais importante. Ele que foi notícia na prova em março de 2017 por ter faltado um jogo dos oitavos de final da Liga dos Campeões para... ficar a estudar. Mas já lá vamos.

Entretanto deixou o Bayer Leverkusen onde se destacou de forma clara, tendo colecionado recordes de prematuridade na Bundesliga e sido terceiro classificado na eleição para o Golden Boy de 2019, apenas atrás de João Félix e Jadon Sancho.

Há um ano, Havertz brilhava nos farmacêuticos no regresso da Bundesliga após a paragem devido à pandemia, levando o Chelsea a fazer dele, aos 21 anos, o jogador mais caro da sua história, pagando cerca de 100 milhões de euros pela transferência.

Antes disso, numa altura em que o destino de Kai Havertz era discutido quase diariamente, o Maisfutebol foi em busca das origens do miúdo que Lothar Mathaus aponta como sucessor germânico na conquista do prémio de melhor jogador do mundo.

O golo que apontou no Dragão já será eterno na história da equipa londrina. E isso é apenas mais uma razão para recordar o início do percurso de Havertz. Vale a pena conhecer.

Nem o crescimento das próprias pernas o fez tropeçar

Kai Havertz nasceu na cidade de Mariadorf, na cidade de Aachen, perto da fronteira alemã com a Bélgica e a Holanda, no dia 11 de junho de 1999, no seio de uma família que o próprio descreve como «louca por futebol».

À semelhança de tantas outras crianças por esse mundo fora, Havertz começou a correr atrás de uma bola no jardim de casa, sobretudo impulsionado pelo avô.

O mesmo avô que, quando o pequeno Kai tinha apenas quatro anos, o levou aos primeiros treinos no clube local, o Alemannia Mariadorf, do qual… era presidente.

Porém, depressa o Mariadorf começou a revelar-se demasiado pequeno para o talento do canhoto, que jogou quase sempre no escalão acima, tal a qualidade que apresentava.

Kai Havertz (o número 7, à direita) nos tempos do Mariadorf [foto cedida pelo clube]

Nesse sentido, o salto para o maior clube da cidade, o Aachen, então na 2.ª Bundesliga, aconteceu naturalmente, em 2009, quando Kai tinha dez anos.

E também na formação do novo clube, a opção passou por colocar logo o miúdo a jogar no escalão acima, nos sub-12, no qual a qualidade de Havertz sobressaía apesar de ser mais novo do que os companheiros.

Isso fica claro se atentarmos nas palavras de Slawomir Czarniecki, então treinador da formação do Bayer Leverkusen, que recomendou o prodígio de Mariadorf aos farmacêuticos logo após um jogo do Bayer Leverkusen contra a equipa de Havertz.

«O Kai jogava pelos sub12 anos do Alemannia Aachen, sendo um ano mais novo do que todos os companheiros e adversários. Não me lembro exatamente como acabou o jogo, acho que ganhámos 8-3, mas ele marcou os três golos da equipa e deixou-me uma forte primeira impressão», recorda, em declarações ao site da Bundesliga.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

"Wie schnell die Zeit vergeht..." 💭👶🏼

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Além da clarividência em campo, o que sempre distinguiu Kai Havertz foi a técnica, que lhe permitia facilmente desembaraçar-se dos adversários, mesmo em espaços curtos.

Contudo, na adolescência o jogador passou por uma fase complicada, pela adaptação que o próprio corpo o obrigou a fazer.

«Aos 14 ou 15 anos, eu ainda era um dos jogadores mais pequenos da equipa. Mas depois dei um pulo em termos de crescimento que foi bastante dramático. Tive de me habituar ao tamanho das minhas pernas, e aquilo afetou a minha forma de jogar», recordou, numa entrevista ao site da Bundesliga.

«Definitivamente, foi difícil, principalmente nos anos de sub-15 e sub-16. Tive vários problemas com dores nos joelhos e nas costas. Na altura deixei de ser titular e passei mais tempo no banco», admite, ele que passou a morar na academia do clube, também por volta dos 15 anos, deixando a casa dos pais, a cerca de 80 quilómetros de Leverkusen.

Recordes na Bundesliga… com exames pelo meio

Apesar das dificuldades que admite ter sentido, Kai Havertz saiu mais forte do que nunca daquela fase.

De tal forma, que aos 17 anos deixou de ser uma promessa e passou a certeza do Bayer. Em 2016, no espaço de poucos meses, liderou o clube ao título nacional de sub-17, com 18 golos em 26 jogos, incluindo o primeiro da vitória por 2-0 sobre o Dortmund na final… e estreou-se na equipa principal dos farmacêuticos.

Com um europeu de sub-17 pelo meio – no qual se revelou um eficaz «remédio para a claustrofobia» -, no dia 15 de outubro, Kai Havertz tornou-se no jogador mais novo de sempre a estrear-se pela equipa principal do Bayer na Bundesliga.

Fê-lo com 17 anos, quatro meses e cinco dias – recorde batido no passado dia 19 por Florian Wirtz, também do Leverkusen, com 17 anos e 15 dias -, e na mesma época tornou-se também no mais precoce de sempre a marcar com a camisola do clube no principal campeonato alemão, aos 17 anos, nove meses e 23 dias.

Mas pelo meio de tantos recordes, Kai Havertz foi também sendo notícia por outros motivos. Como quando teve de ficar de fora da segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões diante do At. Madrid… por ter exame na escola nesse dia. Que correu bem, diga-se.

E de acordo com o próprio jogador, uma vez mais em entrevista ao site da Bundesliga, o pior momento que o futebol lhe proporcionou até ao momento não foi ter perdido esse jogo, embora envolva também um exame escolar.

«Houve um dia em que tivemos um jogo da Taça da Alemanha a meio da semana [outubro de 2016, diante do Sportfreunde Lotte]. O jogo foi a prolongamento e penáltis. Cheguei a casa muito tarde e tinha um exame no dia seguinte. Como correu? Não quero falar sobre isso!», relatou.

E neste ponto é preciso elogiar o clube alemão. Porque embora Havertz já fosse peça importante da equipa principal, a escola continuou a ser a prioridade que o Bayer Leverkusen escolheu para o jovem jogador. Ao ponto de, na mesma época, lhe ter dado três dias de folga para estudar para os exames finais.

A verdade é que essa atenção dada aos estudos não travou a evolução do jogador que, já na época seguinte, em abril de 2018 se tornou no mais novo de sempre a chegar aos 50 jogos na Bundesliga, com 18 anos, dez meses e quatro dias, superando Timo Werner, agora companheiro no Chelsea.

No final dessa época, na qual marcou sete golos e fez 15 assistências em 54 jogos, foi eleito o melhor jogador jovem do campeonato e estreou-se pela seleção principal, ainda com 18 anos.

Na temporada seguinte continuou o pecúlio de recordes, tornando-se no primeiro adolescente a marcar 17 golos numa só época na Bundesliga.

Falso nove? Verdadeiro talento!

Ainda antes do surgimento da pandemia, Kai Havertz , que jogava sobretudo como médio interior ou médio ofensivo, tornou-se num ‘falso nove’, um avançado móvel, pela mão do técnico holandês Peter Bosz, devido à lesão do habitual avançado Kevin Volland.

E a mudança pode ter transformado o jogador, tendo em conta a felicidade da adaptação do miúdo que ainda em março se tornou (também) no mais jovem de sempre a chegar aos 30 golos na Bundesliga e no mais novo da história a chegar às 100 partidas no principal escalão germânico.

E se antes da pausa os sinais da evolução de Havertz já eram positivos, após o regresso da competição aconteceu a explosão total do jovem jogador na posição, com oito golos em onze jogos.

Isto, apesar de colegas lhe apontarem aspetos que ainda precisa de trabalhar.

«Ele nunca quer fazer trabalho de ginásio. É sempre engraçado quando temos de fazer trabalho de força. Ele só quer ter a bola no pé, não gosta de levantar pesos», revelava Jonathan Tah, à DAZN, há pouco mais de um ano.

Alheio a isso, Havertz continuou a espalhar classe nos estádios da Alemanha. 

E o próprio jogador, após um triunfo diante do B. Monchengladbach, há cerca de um ano, assumiu sentir-se bem na nova pele.

«Nesta posição, eu tenho liberdade. Não sinto que tenho que ficar no meio dos centrais, posso recuar para o meio-campo, que sempre foi a minha posição. Por isso, não sinto que tenha mudado assim tanto, além, claro, de me ter tornado mais eficaz perto da baliza e de ter de entrar mais vezes dentro da área. Mas isso encaixa bem nas minhas características», aponta.

Foi também ali, numa poisção na qual não teve assim tantas oportunidades no Chelsea, que Havertz apareceu de forma decisiva a desviar a bola de Ederson para fazer o Chelsea novamente campeão europeu.

Isto, depois de uma época em que não brilhou ao nível que os adeptos do Chelsea esperavam, marcando nove golos em 45 jogos. Quanto à pressão de ter sido a contratação mais cara da história do clube. Isso parece estar pago, mas também não é algo que o preocupe. Ou como o próprio declarou após a final: «Estou a lixar-me para isso».

Ele quer é jogar futebol.

[artigo atualizado, originalmente publicado a 26 de maio de 2020]