Há histórias que parecem tiradas de um livro infantil, daqueles que os pais leem aos filhos para os deixar a sonhar com princesas e carros que falam: e esta é uma delas. Relata o conto de fadas de Paulo Costa, que foi da Pontinha a Manchester em quatro meses.

Mas vale a pena começar pelo início.

Paulo Costa é um miúdo de 15 anos que nasceu na Guiné e viajou para Portugal quando tinha apenas meses. A vida não foi fácil para ele, que ficou órfão de pai pouco depois. Por isso cresceu só com a mãe e com dois irmãos, no bairro da Serra da Luz, em Odivelas.

Como acontece com tantos outros miúdos nos bairros periféricos de Lisboa, cresceu sem documentos, praticamente na ilegalidade, mas com um talento especial para jogar à bola.

O futebol esteve sempre presente na vida dele, aliás, funcionando com um meio de fuga para as dificuldades de quem cresce com pouco. Agora, quando o miúdo atingiu os quinze anos, o futebol apresentou a fatura: está na altura de Paulo Costa devolver o que recebeu.

«Aconteceu tudo muito depressa, é verdade. Eu sabia que tinha talento, jogava com os meus amigos e percebia que era melhor do que eles. Mas nunca pensei que isto que me aconteceu fosse possível. Foi um sonho que tornei realidade», confessa Paulo Costa.

«Fui fazer um estágio de observação ao Manchester United, treinei cinco dias com a equipa sub-21 e joguei dois jogos particulares, num dos quais fiz dupla com Fellaini no ataque. Falámos só dentro de campo, ‘passa’, ‘vai’, ‘aqui’, essas coisas. Mas entendemo-nos bastante bem. Ele é um tipo muito tranquilo. Foi um sonho, incrível...»

Ora convém explicar, no entanto, que o conto de fadas de Paulo Costa começou antes de entrar num avião para viajar para Manchester: começou na Escola Básica da Pontinha.

Era lá que o miúdo jogava à bola, com amigos, quando o empresário Faustino Gomes o descobriu e o levou para o Sacavenense. Não aconteceu por acaso, de resto. Faustino Gomes já representava Ali Hassan, na altura avançado juvenil do Sporting, que lhe falou de Paulo Costa. O empresário deslocou-se então à Pontinha para observar o miúdo.

«Ele descobriu-me na escola a jogar futsal. Nessa altura fazia treinos no CAC da Pontinha, porque tinha lá colegas a jogar e era para não ficar parado, mas o clube não me podia inscrever porque eu não tinha documentos. Por isso só treinava», revela.

«Treinava no CAC da Pontinha e jogava numa equipa de futsal chamada Casal do Rato, para além de jogar também futsal na escola, nos torneios escolares. Ele viu-me num desses jogos e levou-me a treinar ao Sacavenense. Fiz dois treinos e fiquei no clube.»

Isto tudo, refira-se, aconteceu em janeiro deste ano.

«Sim, sim, nunca joguei federado antes. Depois no Sacavenense quiseram ficar comigo, mas como ainda não tinha os documentos não pude ser inscrito. Só me inscreveram em março, quando chegou o meu Cartão de Cidadão. A partir daí joguei na equipa sub-16.»

Foi num dos jogos da equipa juvenil do Sacavenense que Paulo Costa teve a sorte de ser observado por um olheiro do Manchester United. Seguiu-se um relatório, como é natural, e um convite do departamento de formação para o jovem treinar cinco dias em Inglaterra.

Tudo isto, é bom notar, aconteceu em apenas quatro meses.

Paulo Costa foi descoberto no início do ano, treinou no Sacavenense ainda em janeiro, recebeu os documentos no final de fevereiro e viajou para Manchester na semana passada.

«Foi bom. A experiência correu-me bastante bem. O Manchester United é muito diferente, é um clube muito grande. Sempre tive uma admiração muito especial pelo clube, desde que era pequeno e via o Cristiano Ronaldo jogar lá», confessa.

«Os meus colegas receberam-me bem. Não falo muito inglês, mas falo um bocado e deu para desenrascar. O primeiro treino por acaso não correu muito bem, faltou-me aquela intensidade que eles lá têm e estava também um bocado receoso. Mas depois disso correu-me bem. Fiz dois jogos, no primeiro marquei dois golos e no segundo um.»

Paulo Costa foi integrado na equipa sub-21 do Manchester United, ele que é juvenil, tendo participado num jogo treino de conjunto em que também esteve Fellaini: fez dois golos.

«O primeiro foi um chapéu ao guarda-redes na linha de grande área, com o pé esquerdo, que é o pior pé. O segundo foi um cruzamento e eu rematei sem deixar cair a bola.»

Na última segunda-feira, antes de regressar, participou noutro jogo particular, este frente aos Orlando Pirates, da África do Sul. Começou o jogo no banco, entrou na segunda parte e fez também um golo, com Van Gaal, Nicky Butt e Ryan Giggs a ver na bancada.

«Foi um golo fácil, cruzamento da direita e eu encostei ao primeiro poste», conta.

«Foi bom, até porque o Van Gaal estava a ver na bancada. Já estava à espera que os superiores do clube fossem ver o jogo, porque já tinha ouvido qualquer coisa sobre isso, e concentrei-me bem antes de começar. Por isso esse jogo correu-me muito bem.»

No final, acrescenta, até os colegas lhe deram os parabéns. Paulo Costa sorriu, despediu-se e regressou a Portugal com o empresário, tendo chegado na segunda-feira à noite.

No dia seguinte voltou aos treinos na equipa juvenil do Sacavenense e foi naturalmente o centro d as atenções: houve palmadinhas nas costas, brincadeiras e muitas perguntas. O miúdo foi satisfazendo a curiosidade dos colegas, sem conseguir matar a dele.

«Claro que ando ansioso, é normal. Estou nervoso para que chegue uma resposta do Manchester, para saber se me querem lá ou não. Tenho de esperar para ver.»

Para já, e enquanto espera, o avançado de 15 anos sorri ao lembrar as semelhanças desta história com a aventura de Bebé, também ele um dia jogar do Man. United.

«É curioso porque ele também é do meu bairro. De Serra da Luz? Não, de Casal de Mira, na Amadora, onde estou a viver agora. Mas ele saiu do bairro antes de eu chegar.»

No entanto, e apesar disso, há uma coisa que os desencontros não apagam da memória: o facto das duas histórias, a de Bebé e a de Paulo Costa, terem muito de fantástico.

Das ruas ao Manchester United em poucos meses, ou como vale a pena sonhar alto.