Para Mário Rui esta devia ser uma semana tranquila: a paragem das competições de clubes levou Maurizio Sarri a conceder três dias de folga ao plantel do Nápoles e o lateral esquerdo aproveitou para viajar com a família para Roma. A ideia era relaxar, passear, descansar.

Uma chamada de Portugal virou-lhe os planos do avesso, contudo.

«Durante a tarde ligaram-me da Federação a dizer que tinha sido convocado. No início foi um choque, porque não estava nada à espera», confessou ao Maisfutebol.

«Agora já caí em mim. Tínhamos folga até quarta-feira e decidi passear um bocadinho em família, viemos até Roma passar estes dias. Agora estou a tratar de tudo e viajo amanhã de manhã com a família para Portugal. De maneira que este dia tem sido muito agitado para nós.»

Mário Rui confessa, de resto, que a chamada à seleção aconteceu no momento certo. Ele já tinha dito, aliás, que a partir do momento em que assinara pelo Nápoles percebera que era uma questão de tempo até merecer uma oportunidade na equipa nacional.

«Acho que fui chamado na altura certa, porque estou a atravessar um grande momento, não só individual como coletivamente», garante.

«Sabia que mais tarde ou mais cedo isto haveria de acontecer, porque estou a jogar num grande clube como o Nápoles, que luta por grandes objetivos, e por isso se continuasse a ter o destaque que estou a ter, acabaria por ser chamado. Não sabia quando, mas seria mais tarde ou mais cedo.»

Ora não deixa de ser curioso que a estreia na seleção aconteça numa temporada em que volta a ser orientado por Maurizio Sarri. O lateral garante, aliás, que o técnico italiano o mudou para sempre.

Dois anos depois de chegar a Itália, o esquerdino transferiu-se para o Empoli, clube no qual esteve três temporadas. Em duas delas - as primeiras -, foi treinado por Sarri.

«Quando o conheci no Empoli, eu era apenas um lateral que queria correr e fazer cruzamentos. Ele chegou e disse-me que para crescer tinha que melhorar a fase defensiva», referiu há tempos.

«Com ele melhorei até o jogo aéreo. Sou um jogador baixo, mas ele fez-me trabalhar a concentração. Explicou-me que, com um bom jogo de cabeça, poderia chegar à bola posicionando-me melhor do que o meu adversário, chegando primeiro, fazendo as jogadas corretas antes dele.»

Trata-se, por isso, de um lateral esquerdo moldado pela intensidade do futebol de Maurizio Sarri que Portugal vai encontrar. Mas é também um homem tranquilo que chega ao grupo nacional, para fazer as coisas devagar e com os pés bem assentes no chão.

«Sinceramente, ser chamado nesta altura foi surpreendente para mim. A convocatória já tinha saído e eu não estava nela. Tive a felicidade de ser chamado agora, infelizmente por causa de um colega que se lesionou, mas são coisas que fazem parte. Estou muito feliz», admitiu.

«As expetativas são muito simples: quero conhecer os colegas e adaptar-me à equipa. Com calma, depois, pensarei noutros objetivos. Mas para já são estes.»

Mário Rui descreve-se, de resto, como um jogador de equipa: um rapaz que se entrega aos jogos de alma e coração, que tem fibra e uma grande vontade de vencer.

«Sou generoso, sempre disposto a ajudar os meus colegas. Sempre tive a filosofia que se der a mão a alguém com problemas, então fico com a esperança de que esse alguém também possa me dar a mão quando eu precisar de ajuda. Mas se eu não fizer isso…»

Quem o conhece desde a infância acrescenta outras qualidades. Por exemplo, a serenidade.

«Desde os dez anos que sempre foi um rapaz tranquilo, que não se metia com ninguém, estava sempre na dele. Em Alcochete, por exemplo, gostava de estar no quarto e de jogar na playstation dele», conta Januário Jesus.

Ora Januário Jesus é algarvio, foi para Alcochete com Mário Rui, quando ambos tinham dez anos, e tornaram-se melhores amigos. Os dois falam a todo o tempo: Januário Jesus não conversa com o Maisfutebol, por exemplo, sem antes perguntar a Mário Rui se não havia problema.

«Éramos muito novos quando chegámos ao Sporting. Abandonar os pais aos onze anos é muito complicado. Sentimos muito a falta de casa, do carinho dos pais, enfim, chorávamos muito. Mas fomos atrás do sonho», adianta o atual avançado do Moncarapachense.

«Os nossos pais acompanhavam-nos. Sempre que podiam ir ver-nos a Alcochete, iam. Geralmente jogávamos de manhã, depois íamos almoçar com a família e ficávamos à tarde com eles. Umas vezes iam os pais do Mário Rui e eu passava a tarde com eles, outras vezes iam os meus pais e o Mário Rui passava a tarde connosco. Éramos quase família.»

Para trás Mário Rui deixou a Sines natal, onde deu os primeiros pontapés na bola. Muito à boleia do irmão Fábio, que jogava andebol e que era o ídolo dele, o lateral esquerdo começou por se dividir entre o andebol e o futebol. Mais tarde decidiu dedicar-se em exclusivo ao futebol, começou a jogar no Vasco da Gama de Sines e com 10 anos foi descoberto pelo Sporting na seleção distrital.

Durante um ano continuou a viver com os pais e a jogar ao fim de semana no Sporting, quando chegou aos onze anos mudou-se para Alcochete. Para nunca mais voltar a Sines.

Ao longo de sete anos jogou no Sporting e diz que aprendeu tudo lá: aprendeu sobretudo a cultura de ganhar, numa geração que foi campeã em vários escalões. Aos 17 anos cometeu alguns erros de comportamento e o Sporting acabou por aceitar transferi-lo para o Valencia.

«Durante muito tempo o nosso pensamento só está em chegar à equipa principal do Sporting. Não é uma coisa que falemos todos os dias, mas todos treinamos no duro para isso. Mas depois chega a uma altura em que se torna complicado. Começámos a ficar saturados, perdemos a estabilidade, acabámos por ficar desmotivados», explica a propósito disso Januário Jesus.

Certo é que Mário Rui seguiu um ano para o Valencia, depois regressou a Portugal para durante um ano jogar nos juniores do Benfica, seguiu também uma época para o Fátima e ficou livre.

Em 2011, nas vésperas do Mundial sub-20 de 2011, o lateral estava sem clube, quando o empresário Nélson Almeida lhe apresentou uma proposta do Parma.

«Estávamos em estágio para o Mundial e nem pensei: assinei logo», confessou Mário Rui.

Em Itália fez sempre um trajeto de crescimento, cumprindo um curto calvário pelos clubes da Série B, para onde o Parma o emprestou, até à Série A, e da Série A à luta pelo título: primeiro na Roma, clube no qual não foi feliz, e esta temporada em Nápoles, onde reencontrou a felicidade.

Apesar disso, Mário Rui não deixou de ser o rapaz simples que deixou Sines aos onze anos. Por exemplo, não liga nada às redes sociais e aos 25 anos ainda não conduz.

«Ando à boleia, a maior parte das vezes com a família. Mas estou a pensar tirar a carta de condução. Devagar, devagarinho», sorri.

«Redes sociais só tenho o instagram e utilizo muito pouco, muito pouco. Não sou um rapaz tecnológico. O que por vezes até é uma vantagem.»

A seleção, de resto, era um sonho, mas não era o único.

Mário Rui confessa ter dois ídolos: um deles é Roberto Carlos, o lateral esquerdo que o inspirou, o outro é Cristiano Ronaldo, o avançado que o enche de orgulho quando no balneário percebe o respeito que os colegas têm pelo compatriota.

«Falar de Ronaldo é muito simples: é o expoente máximo do futebol português. Por isso vai ser um sonho estar ao pé dele. É o melhor jogador do mundo e alguém apreciado em todo o mundo.»

Agora é tempo de cumprir sonhos.