Dezasseis anos depois da última participação, o U. Almeirim está de volta aos campeonatos nacionais.

Após uma época demolidora na 1.ª divisão da AF Santarém – 19 vitórias em 21 jornadas disputadas – o clube ribatejano foi um dos beneficiados pelo alargamento do Campeonato de Portugal, anunciado há dias pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Líder com mais dez pontos do que o segundo classificado, o clube de Almeirim sentiu que tinha sido feita justiça ao mérito que a equipa teve no campeonato, num ano que tinha sido de mudança.

Isto, porque no início da época um investidor brasileiro decidiu apostar no U. Almeirim. E tão importante como a injeção de capital, foi a mentalidade vencedora que trouxe para o clube.

E é por aí que começamos.

Para tratar da injeção de uma mentalidade vencedora no clube da AF Santarém, o nome escolhido para presidir à SAD foi o de Jorge Ferreira da Silva. Assim, se calhar passa despercebido. Mas o caso muda de figura se recorrermos ao nome futebolístico: Palhinha.

Para os mais novos, falamos de um jogador 16 vezes internacional pelo Brasil (cinco golos), mas cujo currículo de títulos é muito mais extenso do que isso.

Só para resumir, podemos dizer que Palhinha venceu três Libertadores (1992, 1993 e 1997), as duas primeiras pelo São Paulo e a última pelo Cruzeiro; e foi duas vezes vencedor da Taça Intercontinental – o Mundial de Clubes -, ambas pela equipa paulista.

Ainda há gente que não está convencida? Acrescentamos que se trata de alguém que partilhou o balneário com nomes como Romário, Bebeto, Raí, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Cafú… a lista é interminável.

Mas a classe de Palhinha ainda é possível ver em alguns vídeos.

«Falhar o Mundial de 1994 foi o meu maior desgosto»

Antes de pedirmos a Palhinha para nos explicar como é que Almeirim lhe surgiu no caminho, não resistimos a convidá-lo olhar a carreira de jogador, que teve o ponto final em 2006.

E somos surpreendidos logo a abrir, quando lhe perguntamos qual a melhor memória que guarda de um percurso tão recheado e vitorioso.

«Para ser honesto, aquilo que guardo com mais carinho são os anos da minha formação. Apanhei treinadores de muita qualidade que me deram todas as ferramentas técnicas e psicológicas para eu estar preparado para o mundo do futebol», enaltece.

Ou seja, o homem que jogou nos maiores clubes brasileiros – Flamengo, Grémio, Botafogo, entre outros, e além dos dois em que foi campeão continental – tem as melhores memórias no Venda Nova, no Santa Teresa e no América Mineiro.

Mas a explicação que nos dá faz sentido.

«Esses eram clubes pequenos, mas foi lá que aprendi tudo aquilo que me veio a ser útil para agarrar a oportunidade quando ela me surgiu», justifica o homem que passou a ser profissional no América, com apenas 16 anos.

E a oportunidade de que fala Palhinha chamava-se São Paulo, equipa que o recrutou quando ele tinha 24 anos.

«Eu nem acreditava que tinha ido para o São Paulo, aquele clube gigante, campeão brasileiro e com todos aqueles craques», assume.

Porém, não Palhinha não se deslumbrou nem por um segundo. Chegou ao tal clube gigante e fez-se figura de uma equipa que acabaria o ano a conquistar a Libertadores, tendo-o a ele como melhor marcador da competição.

«Ah, eu sempre digo que um futebolista tem de estar sempre preparado. Porque esta é a única profissão do mundo em que um moleque pode deitar pobre e acordar rico», defende.

Dos anos em que desfilou classe pelos relvados, o antigo médio ofensivo não tem dificuldade em eleger o momento mais doloroso: a ausência da fase final do Mundial de 1994, nos EUA, onde o Brasil se viria a tornar campeão do mundo.

E a desilusão surge, não só porque tinha sido um dos jogadores brasileiros em maior destaque na Copa América do ano anterior, mas também porque fizera toda a qualificação para a fase final.

«Esse foi o meu maior desgosto, sem dúvida. Foi uma tristeza enorme, porque eu era o camisa 10 daquele time. Estive em todas as convocatórias da qualificação, estava na lista, mas acabei por não ser convocado», lamenta.

Apesar de ter ficado de fora do Mundial de 1994, Palhinha fez parte da caderneta de cromos

Apesar de acreditar que «tinha qualidade para estar lá», e da dor pela ausência, Palhinha não guarda rancor por não ter estado no Mundial. Até porque, garante, todos o fizeram sentir-se parte da comitiva.

«Só não estive junto no momento, mas também me senti campeão. Muitos dos meus colegas ligaram-me depois a dizer que aquele título também era meu», confidencia, ele que até foi convidado, em dezembro, para a reedição da final com a Itália, que aconteceu em Fortaleza.

Objetivo: futebol; destino: em Almeirim… depois da Califórnia e de Boston

Palhinha está em Portugal há sensivelmente um ano e meio. O convite foi feito por um amigo dos tempos de jogador que o desafiou a mudar-se para terras lusas para criar um projeto ligado ao futebol.

E para alguém que nunca se desligou do jogo e que estava há nove anos nos EUA – primeiro montou uma academia na Califórnia e depois fundou um clube em Boston -, o convite soou a boa aventura.

Os primeiros meses foram passados a reunir com vários clubes – desde Viana do Castelo à margem sul do Tejo – para perceber qual oferecia as melhores condições para o investimento. E a escolha recaiu no U. Almeirim.

«Visitámos muitos clubes das primeiras divisões distritais para começarmos a perceber como funciona o futebol português. E encontrámos no U. Almeirim o projeto que mais nos agradou para aquilo que queríamos implementar», resume Palhinha.

Mas que projeto é este?

«O nosso objetivo é trazer alguns jogadores do Brasil para Portugal, mas também apostar nos jogadores portugueses para os lançarmos para carreiras e ajudar a desenvolver miúdos para se tornarem futebolistas», explica quem ajudou a montar uma equipa com nove brasileiros num plantel predominantemente português.

E como primeiro cartão de visita, na época de estreia do projeto, dificilmente se podia pedir mais ao U. Almeirim.

Ou talvez não seja bem assim.

«Tínhamos dito que queríamos vencer todos os jogos. Tivemos 18 vitórias consecutivas, mas depois no 19.º jogo perdemos. E nada a dizer, porque o adversário foi melhor do que nós», sublinha Palhinha.

Certo é que as vitórias ajudaram a dar credibilidade ao projeto. Ainda o dirigente diga que elas estiveram longe de ser a única razão para que a relação de confiança se sustentasse.

«Tudo aquilo que fazemos é conversado com os responsáveis do clube e temos tido uma excelente comunicação. E isso é fácil quando se fala a verdade», orgulha-se.

Ainda assim, quem mais sentiu as diferenças foram os jogadores.

«No primeiro dia, em agosto, eu perguntei-lhes se eles estavam prontos para a mudança. Todos responderam que sim, mas eu acho que só com o tempo eles foram percebendo que as coisas estavam mesmo a mudar», reflete.

A preocupação, explica-nos Palhinha, foi fazer com que os jogadores, apesar de amadores, se sentissem profissionais assim que passassem os portões do estádio.

«Damos muita atenção aos detalhes. E isso significa não só termos um roupeiro que se encarrega de ter tudo pronto para os jogadores só terem de equipar, mas também a qualidade da relva, a preocupação com a alimentação, ou termos dado a vacina para a gripe a todos os jogadores», detalha Palhinha.

«Vamos escrever no balneário ‘objetivo: II Liga»

Apesar da felicidade vivida ao longo da época, durante dois meses tudo pareceu condenado a ruir.

Os campeonatos não profissionais foram cancelados e a FPF chegou mesmo a informar que não haveria subidas nem descidas das distritais. Algo que prejudicava equipas como o U. Almeirim, líder destacado no seu campeonato.

Palhinha confessa que já não acreditava que veria a equipa nos campeonatos nacionais na próxima época.

«Eu já tinha perdido a esperança. Foram os piores dois meses que eu poderia ter imaginado, com uma agonia enorme e a tristeza de ver que todo o trabalho poderia ser desperdiçado», revela, partilhando a euforia com que recebeu a notícia por parte do presidente do clube.

«Quase enfartei! Foi uma sensação incrível. Sabe, quando você pula, deita, senta, chora, ri?! Foi tudo isso junto», descreve.

Mas o tempo para festejar já passou, garante também. Até porque a indefinição deixou a preparação da próxima época pendurada. E os objetivos vão ser fortes novamente.

«Quando as pessoas se habituam a ganhar – e nós vencemos 19 dos 21 jogos – é muito difícil desabituar. Por isso vamos seguir nesse caminho», aponta, sem medo de revelar ambição máxima.

«Vamos tentar montar uma equipa forte para subir já na próxima época à II Liga. Temos de ter objetivos fortes, porque se não for para ganhar nem vale a pena ir para dentro de campo», acredita.

Nesse sentido, há mudanças que já se perspetivam e uma delas passa por querer ter jogadores com disponibilidade total para o futebol.

«Vamos ter de mudar isso. Porque vamos querer treinar de manhã e à tarde. Vai ser vida de futebolista de verdade e o couro vai doer», alerta, avisando que vai ser clara para todos a ambição do clube.

«Vamos deixar escrito no balneário ‘objetivo final: II Liga’. E vamos lutar por isso», remata.

Fica dado o aviso.