Era fevereiro de 2014 e Portugal batia o dente de frio quando Martins Ventura apanhou um avião para o Brasil. A ideia era juntar o útil ao agradável: fugir do frio, viver o carnaval carioca por dentro e percorrer as comunidades pobres do Rio de Janeiro à procura de craques.

Martins Ventura é preparador físico, já esteve nos juniores do Sporting, por exemplo, e costuma trabalhar com jogadores profissionais que procuram melhorar os índices físicos.

Naquela fase viajou para o Brasil na companhia de um empresário musical brasileiro chamado Guina. Ambos têm uma paixão pelo futebol e por descobrir jovens promessas. Por isso queriam ver o maior número de jogos possível, descobrir jogadores e trazê-los para Portugal.

«O Wendel jogava numa equipa das favelas. Era um projeto de integração de jovens da comunidade onde vivia, que jogava com um equipamento que parecia igual ao do Vasco da Gama. Eu fui lá ver jogadores e aquele miúdo chamou-me logo a atenção», conta ao Maisfutebol.

«Logo das primeiras vezes que o vi pude reparar que já era um jovem diferenciado. Era muito novo, tinha 16 anos na altura, mas já era um belíssimo jogador, cobria bem a bola, segurava bem o jogo e tinha um remate forte. Então trouxe-o para Setúbal, para o apresentar a vários clubes.»

Não foi o único, de resto. Martins Ventura trouxe quatro jovens para treinar, num trabalho que faz por conta própria no Campo das Taipadas, no Montijo, propriedade do empresário Manuel Tomás, e no sintético do Playhouse, em Pinhal Novo.

«Escolhemos aqueles quatro, pagámos-lhe as passagens, alugámos-lhe um apartamento em Setúbal para ficarem, responsabilizámo-nos pela alimentação, enfim, pagámos-lhes tudo. Para além do Wendel, no grupo de quatro estava também o Matheus Alves, que agora joga no Santos.»

Wendel, que na altura era conhecido por Marquinhos, foi o único que pediu para trazer um familiar: na circunstância a mãe.

«Não lhe conheci pai nem irmãos, só a mãe. Ela veio com ele. O Wendel esteve cinco ou seis meses em Portugal, a trabalhar comigo, e a mãe esteve sempre com ele, a viver no apartamento.»

Pouco antes do final do ano, Wendel regressou ao Brasil.

«Não dava mais para ficar em Portugal. Estávamos a pagar-lhe a habitação, a alimentação, tudo. Não tínhamos mais forma de continuar a gastar tanto dinheiro com ele, não havendo perspetivas de assinar por um clube português», conta Martins Ventura.

«Foi muito triste daqui. Gostava de estar em Portugal. No Brasil vivia numa favela e claro que era muito complicado. Portanto isto aqui era uma oportunidade para escapar a uma vida de pobreza. Lembro-me que ele e a mãe não tinham nada, eram pessoas muito humildes. Não trouxeram, por exemplo, nada com eles: nós é que lhe comprámos equipamentos, chuteiras, tudo.»

Ora a ideia de Ventura, como já se disse, era apresentar os miúdos a clubes portugueses e Wendel foi levado para o Benfica, onde durante quinze dias treinou com a equipa de juvenis.

«Estava no Benfica o Armando Carneiro, com quem eu me dou bem, falei com ele e levei-o a treinar no Seixal. Esteve lá umas duas semanas e gostaram dele, mas a situação do Wendel era complicada. Tinha apenas 16 anos e as regras da FIFA são muito rígidas com menores.»

É certo que Wendel veio para Portugal com a mãe, o que até permitia que fosse inscrito por um clube português se a mãe tivesse um emprego e autorização de residência.

O Benfica, porém, não se entusiasmou com o miúdo ao ponto de assumir correr o risco de ferir as suscetibilidades da FIFA. Gostou dele, mas apenas isso.

«Não houve uma vontade forte de assinar com o miúdo. Por isso acabou por ficar lá apenas quinze dias. De manhã treinava no Seixal e à tarde trabalhava comigo no Montijo, num grupo do qual faziam parte também jogadores como o André Gomes, o Bruno Gaspar e o Ruben Vezo.»

Como assim?, pergunta-se.

«No verão, na altura de férias, os jogadores profissionais procuram-me para fazer um treino de preparação para a época que começa pouco depois. O André Gomes, o Bruno Gaspar e o Ruben Vezo, entre outros, fazem todos os anos esse trabalho comigo, para estarem no topo na altura dos testes de pré-temporada. Este ano tive 52 jogadores, de internacionais a jogadores da II Liga.»

Regressando ao verão de 2014, interessa dizer que passou junho, julho, agosto, setembro, e Wender não encontrou clube. Ao contrário de Matheus Alves, que assinou nessa altura pelo Sporting.

«Falei com vários clubes, mas não houve interesse. A única hipótese que havia era de ficar no V. Setúbal, se o Júlio Adrião ganhasse as eleições. Mas ele perdeu-as para o Fernando Oliveira e essa solução também não avançou. Por isso o Wendel e a mãe tiveram que voltar para o Brasil.»

Wendel regressou então com a mãe Jaqueline para o Bairro Carolina, uma comunidade pobre do município de Duque de Caxias, na área metropolitana do Rio de Janeiro.

E é no Brasil que o talento do reforço leonino é por fim valorizado.

Pouco depois começa a jogar no Tigres do Brasil, um clube modesto da Baixada Fluminense, ali mesmo ao lado da cidade de Duque de Caxias, mas por pouco tempo. Alguns meses depois, o observador Humberto Rocha sugere o miúdo ao Fluminense e ao Flamengo.

O Flamengo não se interessa por ele, o Fluminense acaba por vê-lo num jogo, o que foi suficiente para avançar para a contratação.

A partir daí foi sempre a subir: dois anos nos juniores e a estreia pela equipa sénior em 2017, para uma ascensão meteórica até ao futebol europeu. O PSG interessa-se primeiro, o Sporting contrata-o por fim, já depois de ter sido eleito o segundo melhor jovem do Brasileirão.

Entretanto já foi pai de uma menina, a quem quer dar o acompanhamento que nunca teve do pai dele, e entretanto também deixou o Bairro da Carolina e mudou-se para a zona chique da Tijuca, na companhia da mãe e de uma prima: a única família que ele tinha nessa altura.

O futuro agora é em Lisboa, e em Alvalade, onde muito se espera: ou não teriam dado 8,8 milhões por ele.

Martins Ventura fica feliz por saber que Wendel regressou a Portugal, mas não deixa de lamentar que só tenha acontecido agora: por vontade dele teria sido três anos antes. Nessa altura, porém, nenhum clube português quis arriscar num miúdo de 16 anos acabado de chegar da favela.

«Tinha talento e gostava muito de trabalhar. Estava na cara que ia chegar longe.»