artigo atualizado: hora original 23:53, 29-03-2018

Não é comum, mas tem-se tornado mais habitual ver um jogador de futebol dedicar-se aos estudos, levá-los a sério e chegar longe. Neste caso, o exemplo vem da II Liga e de Barcelos: trata-se de João Vasco, jogador emprestado pelo Tondela ao Gil Vicente.

O avançado de 23 anos, que tirou Ciências do Desporto e Educação Física em Coimbra, decidiu acrescentar à licenciatura um mestrado, em Treino Desportivo para Crianças e Jovens, e obteve na tese - com o tema Futebol e Saúde Óssea - 19 valores.

«Foi muito bom, de facto, e sobretudo gratificante. Esta etapa foi difícil de conciliar, foi preciso muita dedicação, organização e responsabilidade. Ter tido essa nota foi ver tudo isso ser recompensado», contou ao Maisfutebol.

Foi uma semana de sonho, ao marcar o primeiro golo na II Liga, diante do Benfica B, e depois ao defender a tese, mas nada foi por acaso. «É tudo fruto de muito empenho», disse, separando as alegrias.

«Foram sentimentos diferentes (risos), porque também são áreas diferentes. Fiquei muito feliz pelo golo, mas acima de tudo pela equipa ter ganho e por ter contribuído para a vitória; e os 19 valores, bom… também foi muito bom!»

Orgulhoso do feito académico, João Vasco diz que é mais fácil «marcar um penálti, porque é uma jogada mais rápida» do que fazer uma dissertação sobre um tema ainda pouco debatido, mas sempre gostou de ir pelo caminho menos fácil.

João Vasco (o primeiro da direita), trajado com amigos da Universidade de Coimbra

Por isso, também se esforçou sempre para conseguir conciliar os estudos com o futebol. Numas alturas foi mais fácil do que noutras, até porque desde a entrada na faculdade passou por três clubes e três campeonatos diferentes.

«A licenciatura foi mais fácil, porque jogava no Mortágua (Campeonato de Portugal) e treinava à noite. Acordava às 7h00, ia treinar às 7h30 com um grande profissional e amigo - o João Pedro Duarte -, depois ia para as aulas, estudava e a seguir ia treinar, chegava a casa por volta das 23h00 comia e ia dormir», começou por dizer.

«No primeiro ano de mestrado, ainda no Mortágua, tinha mais tempo livre e também se fazia bem, mas depois neste segundo com a ida para o Tondela (Liga) e depois com o empréstimo ao Gil Vicente (II Liga) tornou-se mais complicado. Era ano de tese, tinha treinos durante o dia e com maior carga horaria», referiu, acrescentando: «Tive de me organizar mesmo muito e esforçar-me ao máximo para não dispersar e conseguir levar a tese avante.»

Desistir nunca esteve nos planos: «Sempre pensei na vida que vou ter depois de acabar a carreira de futebolista. Quero seguir nesta área do futebol e do desporto. Foi tudo a pensar no futuro. Ainda não decidi o que quero fazer, mas é por aqui e há várias coisas de que gosto.»

«Dependerá da carreira que tiver», disse, revelando o gosto pelo treino algo que, para além de ter sido área no mestrado, já exerceu ao ser treinador nas escolinhas do Benfica em Coimbra. «É a parte que mais gosto e que mais me fascina no desporto», esclareceu.

Voltar aos estudos também não está posto de parte, depois de defendida a tese: «Doutoramento? É uma possibilidade, mas se agora ou no futuro ainda não decidi.»

Mesmo assim, João Vasco não se sente diferente nem dos outros jogadores nem das outras pessoas. Ainda que goste de quebrar o estigma de que os jogadores de futebol não são inteligentes, o avançado disse acreditar que se deve tudo mais à falta de tempo e não à falta de objetivos noutras áreas ou à falta de capacidades.

Defende-o com conhecimento de causa: «As pessoas põem esse rótulo, mas os jogadores são pessoas normais. E, tal como noutras áreas da sociedade, há pessoas que levam os estudos mais a sério do que outras. Obviamente que há muitos jogadores com capacidade para isso, o problema é o tempo que gastamos com o futebol entre os treinos e o trabalho complementar.»

«É normal que muitos jogadores não consigam ir para a faculdade por causa disso e não por não terem objetivos ou não serem inteligentes», justificou, ainda que considere importante fazer-se o esforço: «Acho que é importante formarmo-nos porque a carreira acaba muito cedo e temos de estar preparados para viver sem o ordenado do futebol.»

O certo é que, para já, está no tempo de desfrutar do futebol enquanto jogador e João Vasco também sabe muito bem o que quer: «Como qualquer jogador, depois de já ter estado num clube da Liga [não se estreou, jogou apenas na Taça da Liga], quero regressar. Trabalho todos os dias para isso, mas o futuro a Deus pertence.»

«Um clube? Pertenço ao Tondela e nenhum em particular me atrai porque representarei todos com a mesma entrega e dedicação que tenho hoje em dia no Gil Vicente e que tive por onde passei. Não ligo a nomes, vou sempre representar da mesma forma qualquer que seja o clube.»

«O que quero, acima de tudo, é fazer uma carreira gratificante e com humildade», disse.

No Gil Vicente apenas desde o mercado de Inverno, por empréstimo do Tondela que o foi buscar ao Mortágua no verão passado, João Vasco soma 10 jogos e um golo. Num momento diferente no Gil, que desde há meses sabe que voltará à Liga, o avançado defende que os maus resultados dos últimos tempos não se devem à notícia da subida.

«Esse tema já foi muitas vezes abordado, estamos fartos de ouvir isso. O facto de o Gil ir para a primeira não quer dizer que neste momento não tenhamos objetivos ou que nos tenhamos desviado deles», começou por dizer, defendendo: «Temos um plantel com muita qualidade e, acima de tudo, sério que trabalha todos os dias a pensar na manutenção.»

O profissionalismo continua e o foco também, daí esta esta entrevista não ter também sido feita lna sexta-feira (23/03), por causa do jogo no domingo frente ao Arouca que, a terminar em vitória da equipa gilista, resultaria na saída dos lugares de descida.

«Os maus resultados explicam-se com momentos que todas as equipas têm e pelos quais todos passam. Foi um mau momento, como já tivemos outros bons, e agora estamos a reagir e a melhorar jogo após jogo. Tenho a certeza que esta época ainda vamos dar muitas alegrias aos adeptos», sentenciou.