O drama de uma ausência forçada na baliza quando não há mais substituições para fazer. Lesões ou expulsões de guarda-redes, quase sempre na reta final do desafio, obrigam ao improviso. Nessas alturas, é necessário levar um pouco do futebol de rua para o relvado. E assumem-se, então, os corajosos para o desenrasque obrigatória.

Quando um jogador de campo vai para a baliza não se lhe pede que seja brilhante, mas que faça o possível. Como na rua, lá está. Onde cada um faz o que pode. E a mais não é o obrigado.

Maicon foi o último exemplo. O central que o FC Porto cedeu ao São Paulo foi o guarda-redes improvisado da sua equipa no jogo frente aos bolivianos do The Strongest a contar para a Taça Libertadores.

A expulsão do guardião Denis, com substituições esgotadas, obrigou o São Paulo a jogar o período de descontos com guarda-redes improvisado e Maicon chamou a si a responsabilidade. Correu bem, a ponto de ter agarrado duas bolas bombeadas para a área, algo frequente nestas situações, à espera que a falta de rotinas para a posição prejudique a equipa. Mas Maicon manteve-se seguro.

E com isso juntou o seu nome ao de vários outros que já cumpriram a missão com sucesso. Nem é preciso sair deste mês de abril, por exemplo, para encontrar outro caso que correu mundo, este envolvendo um penálti defendido por Alex Revell, avançado do MK Dons, do Championship.

O Maisfutebol recorda alguns exemplos, começando naquele que é, provavelmente, o mais famoso de todos no futebol português.

-Paulo Sousa no Bessa

O Boavista-Benfica da temporada de 1992/93 foi um dos melhores jogos do campeonato. Os axadrezados começaram a vencer, mas o Benfica deu a volta e chegou mesmo ao 3-1, altura em que começaram a vacilar. Hélder foi expulso por acumulação de amarelos e, pouco depois, também o guarda-redes Neno recebeu ordem de expulsão, ao provocar um penálti.

Sem substituições para fazer, restava que algum jogador assumisse a baliza e foi Paulo Sousa a avançar. No penálti de Artur nem se mexeu, mas ainda fez uma defesa bem interessante a um remate de Bobó, segurando o 2-3 e a vitória do Benfica.

Numa altura em que as imagens perduravam por muito mais tempo, a de Paulo Sousa com a camisola de Neno vestida ao contrário ficou na memória de toda uma geração. Ainda hoje, quando algo do género acontece, é dos primeiros exemplos que, certamente, vem à cabeça de muitos.

-Oceano nas Antas

Ainda na década de 90 e na cidade do Porto, mais um médio internacional português a fazer de guarda-redes nos minutos finais. Agora foi Oceano, num jogo da Supertaça entre FC Porto e Sporting, que terminou empatado a dois golos.

Já com o resultado feito, António Rola, o árbitro, expulsou o guarda-redes Costinha, após um lance com Domingos. A situação gerou uma confusão enorme e, sanado o conflito, o capitão leonino avançou para a baliza.

Ciente da fragilidade alheia, o FC Porto foi tentando marcar, mas a proteção leonina ao seu guarda-redes de improviso ajudou a segurar a igualdade, numa altura em que o troféu se disputava a duas mãos.

-Tarnat, o único que Kuffour não derrubou

Na temporada 1999/00, o jogo entre o Bayern Munique e o Eintracht Frankfurt teve contornos quase dramáticos. O ganês Samuel Kuffour, central do Bayern, foi o protagonista inesperado ao deixar KO não um mais dois colegas de equipa! E logo os dois guarda-redes…

Primeiro Oliver Kahn, depois Bernd Dreher caíram após choques com Kuffour e não conseguiram seguir em campo. Sem outra solução para a baliza, tinha de avançar um jogador de campo e foi Michael Tarnat e assumir o desafio.

Faltava mais de meia hora para terminar o jogo, mas Tarnat conseguiu manter a baliza inviolável, ainda fazendo uma defesa fantástica, corrigindo o movimento depois de uma bola que desviou num adversário.

-Nial Quinn a defender um penálti de…Dean Sauders

Voltamos à década de 90, desta feita em 1991 quando, ainda antes da criação da Premier League, o Manchester City enfrentou o Derby County até um 2-1 final.

Contudo, bem mais do que o resultado, o que se recorda do duelo em questão é a performance de Nial Quinn. O avançado fez o primeiro golo do City no jogo e, depois, após expulsão do guarda-redes Tony Coton, foi ele que avançou para as redes. E com sucesso imediato: travou o penálti que Coton tinha cometido e que foi convertido por Dean Saunders, que viria a jogar no Benfica.

O Manchester City ainda chearia ao segundo, Quinn sofreria um e nada mais.

-Cosmin Moti: correu tão bem que deu direito a nome de bancada

O caso mais recente e, porventura, de maior sucesso é o de Cosmin Moti, defesa do Ludogorets que foi obrigado a ir para a baliza na reta final do jogo com o Steaua Bucareste que valia o acesso à Liga dos Campeões da época passada.

Com a eliminatória empatade, avançou-se para o tradicional desempate por penáltis e Moti brilhou. Parou dois!

O caso deu a volta ao mundo e Moti ficou na história do clube búlgaro, que nunca antes tinha marcado presença na Liga milionária. Para imortalizar o feito, o Ludogorets decidiu dar o nome de Moti a uma das bancadas do seu novo estádio.

-Alain Giresse, guarda-redes…titular!

Para o final deixamos a história mais incrível de todas, que remonta à temporada de 1981/82, na Liga francesa. A 7 de maio o Bordéus entrou em campo para enfrentar o Nantes com Alain Giresse na baliza.

Exatamente: sem lesões, nem substituições, nem improvisos. Foi tudo pensado como forma de protesto imposta pelo presidente do Bordéus, face ao castigo aplicado ao habitual guarda-redes titular Dragan Pantelic.

Alain Giresse na baliza (Foto: L'Equipe)

Giresse, para quem não sabe, atuava como médio e tinha uma particularidade que dificilmente faria dele um bom guarda-redes: mede 1,63 metros. Como capitão de equipa, porém, foi o escolhido pelo presidente para ir à baliza no jogo com o Nantes.

Não correu nada bem. Pela hora de jogo, o Nantes já vencia 5-0, altura em que a experiência de Giresse terminou, sendo substituído por Mariu Trésor…um defesa. Em meia hora sofreu «apenas» mais um.

Recentemente, de resto, esta situação voltou a acontecer, desta feita em Inglaterra, nos escalões secundários, com o Bradford Park, mas por falta de opções para o lugar.